iNFRADebate: Novos desafios ao PPI; a vez dos municípios, por Fernando Vernalha

Fernando Vernalha*

O Programa de Parcerias de Investimentos ganhou do atual governo novos encargos e atribuições. Dentre eles está o de ajudar estados e municípios na estruturação dos projetos de desestatização – especialmente concessões e PPPs.

Além de participar da gestão de fundos como o FAEP e o FEP, o PPI terá o suporte da Secretaria de Coordenação de Obras Estratégicas e Fomento, incumbida de coordenar o apoio aos entes federativos subnacionais no fomento à realização dos empreendimentos qualificados no programa. Tudo como dispõe o recentíssimo Decreto 9.669/2019.

Embora o fomento ao desenvolvimento de projetos subnacionais já estivesse presente na legislação originária do PPI, o seu foco até aqui concentrou-se em projetos nacionais, considerados estratégicos para o governo. Mas há uma grande expectativa com relação ao crescimento do número de projetos regionais e locais para os próximos anos, o que põe no radar do PPI a preocupação em desenvolver programas de apoio à sua estruturação. Afinal, há setores relevantes como saneamento, resíduos, mobilidade urbana e iluminação pública – para ficar apenas em alguns exemplos – que estão na agenda das próximas concessões e PPPs.

Fomentar a gestação de projetos subnacionais não será, contudo, uma tarefa simples. Há um consenso em torno da ideia de que um dos principais gargalos para a estruturação de projetos concessionários pelas administrações de menor porte é a sua baixa capacitação técnica e institucional.

Em função disso, muitas iniciativas acabam sendo prematuramente suspensas ou mesmo arquivadas, dando origem à ínfima taxa de conversão de (iniciativas de) projetos em contratos, que não chega a 10%. É um indicador bastante discrepante de outros países emergentes e que se explica por um conjunto de causas que merecem ser levadas em consideração por qualquer política de fomento ao desenvolvimento de projetos.

Para compreender o estado de coisas que tem dificultado a estruturação de projetos pelos municípios, é preciso considerar que eles dispõem fundamentalmente de três alternativas jurídicas para isso.

Em primeiro lugar, os municípios poderiam qualificar seus quadros, contratando e integrando especialistas em suas equipes. Essa solução nem é factível no curto prazo e nem é desejável em todos os casos. O contexto de forte restrição fiscal já seria um motivo suficiente para inibir iniciativas desta natureza. Mas, a depender do porte da administração, não se justificaria a manutenção de corpo de especialistas voltado à estruturação de projetos concessionários sem demanda permanente para isso.

A segunda opção seria a contratação episódica de consultorias de apoio, que acaba sendo igualmente desestimulada pelas dificuldades orçamentárias somadas às complexidades inerentes aos sistemas tradicionais de contratação administrativa.

Como última alternativa, sobra o chamado Procedimento de Manifestação de Interesse, ou PMI, que responde atualmente pela maioria das iniciativas de gestação de projetos concessionários nas administrações de menor porte. É uma via confortável para elas, pois, do modo como vem sendo regulamentado pelas esferas federadas, nem lhes exige orçamento para o custeio de projetos (que acabam sendo ressarcidos pelo futuro signatário do contrato) nem lhes cria maiores consequências jurídicas, uma vez que pode ser abortado discricionariamente pelo Poder Público. Daí o uso desenfreado – e, por que não dizer, irresponsável – do PMI para a geração de projetos de concessão e PPP.

A questão é que, seja para contratar consultorias, seja para desencadear PMIs, as administrações precisam estar minimamente capacitadas. Isso só será possível a partir da existência de planejamentos administrativos bem elaborados, que explorem as oportunidades de negócios voltados à satisfação das necessidades locais.

Infelizmente, as iniciativas de projetos surgem sem respaldo em planejamento ou estudo prévio que se exigiria de uma administração pública responsável. Mais do que isso, os PMIs surgem aos montes sem qualquer perspectiva de como terminarão.

Não seria exagero dizer que uma das causas de tantos PMIs – e de tantos PMIs natimortos – é a possibilidade de serem posteriormente revogados ou arquivados pelas administrações, o que lhes retira o incentivo para serem previdentes.

O problema central, no entanto, é a falta de qualificação técnica dos quadros administrativos, que tem ensejado ou o risco de captura do interesse público pelo interesse das empresas ou o risco de ineficácia dos PMIs. Sem a capacitação mínima para desencadear, conduzir e decidir os PMIs, as administrações ficam vulneráveis à ascendência técnica das consultorias contratadas pelas empresas, quando não acabam desistindo dos projetos.

Quais as medidas que poderiam contribuir para minorar esse problema e viabilizar a estruturação de projetos municipais?

Parece-me que o desafio exigirá esforços do governo não apenas para ampliar a sua capacidade para apoiar estados e municípios na estruturação de projetos, como para ajudá-los a desenvolver os PMIs.

Lembre-se que uma solução que integrou originariamente o PPI foi a criação de um fundo personificado, o FAEP, constituído pelo BNDES e voltado a estruturar e entregar projetos às administrações, que poderiam contratá-lo diretamente (sem necessidade de licitação).

Sem estrutura própria, os serviços seriam providos por consultorias contatadas pelo FAEP. Mas faltou definir uma forma jurídica ágil e eficaz para que essas consultorias fossem contratadas pelo fundo, o que fez com que esse tivesse de se submeter ao regime convencional de licitações.

Talvez essa tenha sido uma das principais razões pelas quais o FAEP não tenha funcionado até aqui. Por força do Decreto 9.669/2019, houve o repasse da atribuição de gerir o FAEP à Secretaria do PPI, o que pode sinalizar a retomada deste fundo como peça útil no fomento à estruturação de projetos subnacionais. Mas é preciso insistir que, sem a atualização da forma de contratação de consultores, será muito mais difícil ao PPI extrair os melhores resultados do FAEP.

Outra iniciativa interessante do governo federal nesta direção foi o programa de apoio às concessões e PPPs municipais, que agora poderá passar ao “guarda-chuva” do PPI. O programa, que vinha sendo conduzido pelo extinto Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e por meio da Secretaria do Desenvolvimento da Infraestrutura – SDI, foi instituído e disciplinado pela Lei 13.529/2017 e pelo Decreto 9.217/2017, e tem como seu principal instrumento o Fundo de Apoio à Estruturação e ao Desenvolvimento de Projetos de Concessão e Parcerias Público-Privadas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (o FEP).

O Decreto 9.669/2019 atualizou neste particular o Decreto 9.217/2017, atribuindo à Secretaria Especial do PPI as atividades de Secretaria-Executiva do Conselho de Participação no FEP. Administrado pela Caixa, esse fundo destina recursos não apenas à contratação de consultorias para a execução dos estudos e projetos, mas também à execução de assessoramento técnico a estados e, principalmente, a municípios.

Além da atuação desses fundos para prover ou financiar projetos, cujo alcance tenderá a ser limitado em função da dimensão da demanda por projetos locais, outras iniciativas deveriam atrair a atenção dos governos para melhorar as condições dos municípios para desenvolver projetos e PMIs.

A Caixa, nesse contexto, já vem funcionando como potencial braço de apoio técnico às administrações de menor porte. Mas a demanda tende a ser muito mais intensa.

Seria estratégico estimular a criação de novos entes estruturadores de projetos (públicos ou privados), à semelhança do que foi a EBP – Estruturadora Brasileira de Projetos, além de encorajar municípios a valer-se de consultorias externas para estarem capacitados às discussões e decisões típicas dos PMIs. Tudo isso sem dispensar o desenvolvimento de programas para a transferência de conhecimento técnico aos agentes públicos locais, com treinamentos e disponibilização de documentos de referência e de equipamentos de apoio (a exemplo da plataforma SOURCE, disponibilizada pela Sustainable Infrastructure Foundation – SIF), para que as administrações de menor porte possam, enfim, melhorar a sua condição para desenvolver seus programas concessionários.

Ainda assim, será um grande desafio, particularmente aos municípios, adquirir a institucionalidade necessária para desenvolver PMIs e perseguir a execução de programas de concessão e de PPPs. Boa sorte ao PPI.

*Fernando Vernalha é advogado, sócio da VG&P Advogados e consultor da CBIC para infraestrutura.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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