iNFRADebate: O potencial do IPO da XP Inc. no contexto das energias renováveis

Rachel E. Andalaft*

Difícil ficar indiferente ao valor de mercado alcançado pela XP Inc. no seu primeiro dia de negociação na Nasdaq, ao final de 2019: uma cifra de nada menos que US$ 19 bilhões.  Enquanto o mercado financeiro se atenta ao sucesso do IPO e à geração de valor trazida aos respectivos e futuros acionistas, vale a pena refletir sobre o impacto do sucesso de uma gestora de patrimônio, tal qual a XP, em investimentos diretos e, mais especificamente, nas energias renováveis. 

A realidade e experiência no mercado internacional é inequívoca. Juros baixos, mentalidade de longo prazo e apetite para investimentos diretos estruturados fortalecem o modelo de negócio dos investidores institucionais, fundos de investimentos e gestores. Em minha experiência como gestora de projetos em diversas regiões do planeta, fica evidente que eles não existiriam não fossem, por um lado, o aporte de recursos e, por outro, a confiança em modelos sofisticados de investimento e estáveis taxas de retorno. 

Também o mercado brasileiro tem muito a oferecer na promoção de investimentos diretos, aportados por investidores privados e promovidos por gestores institucionais. Neste contexto, vale elencar uma série de fatores que poderão direcionar os holofotes e os recursos para as energias renováveis no Brasil. 

Bancos centrais “verdes”

Com a chegada de Christine Lagarde ao BCE (Banco Central Europeu), a instituição passará pela sua primeira alteração de política monetária desde 2003.  Pela sua relevância para o bloco econômico, não se esperam mudanças na sua principal meta (a estabilidade de preços). Porém, o que está em jogo é como isso será alcançado.

Na ausência de crescimento para os próximos anos, já se estuda a possibilidade de se lançar um “afrouxamento quantitativo verde”, o que nada mais é do que a exclusão de títulos de dívida de empresas poluidoras do seu programa de compra de ativos. O BCE não está sozinho no que diz respeito às mudanças do clima. O Reino Unido, juntamente com a França e a Holanda, já trabalham na elaboração de métricas de riscos climáticos que serão incorporados aos testes de estresse aos quais os bancos serão submetidos. 

O intuito é  prepará-los caso os governos passem a adotar uma postura mais enérgica em relação às empresas mais expostas e, por conseguinte, seus credores. De forma resumida, o risco climático já está em vias de se tornar também um risco financeiro a ser mitigado. 

Fundos de investimento

No mercado norte-americano, 25% de tudo que é investido pela indústria de fundos segue para projetos sustentáveis que se encaixam na sigla ESG (governança sócio-ambiental, em inglês).  Na Europa, qualquer pessoa física já pode realizar investimentos exclusivamente sustentáveis junto a gestores (tal qual a XP), em um processo digital, descomplicado e de menor custo. O mesmo pode ser dito sobre os robôs de investimento, que aumentam a quantidade de indivíduos que podem investir, com valores menores.  

Não se trata de um modismo.  Diversos estudos apontam que esses fundos apresentam um desempenho no mínimo equivalente ao do mercado, com uma volatilidade menor.  Adicionalmente, contam com investidores mais fiéis, que não se seduzem com as taxas de administração menores dos outros fundos. Além disso, atraem clientes que buscam consultoria independente e diversa dos bancos tradicionais. 

Grandes fortunas

Passados onze anos desde a crise de 2008, a geração que herdará os recursos nos próximos anos receberá os ativos que tiveram a maior valorização de que se tem conhecimento na história recente.  Fruto das políticas implementadas pelos principais bancos centrais do mundo, essa riqueza seguirá diretamente para o chamado “investimento com causa”.

Tal como ocorre em outras partes do mundo, as gestoras de grandes fortunas brasileiras já estão sendo orientadas a criar estruturas que atendam a esses anseios, de forma que projetos sustentáveis sejam colocados nas carteiras de seus fundos exclusivos.  

Além disso, com a regulamentação dos fundos patrimoniais no país (endowments), haverá uma forma perene de se financiar projetos dessa natureza. O objetivo é que resolvam limitações atuais da sociedade, entre elas os problemas enfrentados pelas grandes cidades, o que traz a energia solar e as novas tecnologias (financiadas pelos fundos de venture capital) para o debate. 

Fundos de pensão

Apesar de uma resolução de 2018 induzir à análise da sustentabilidade na gestão de riscos, é fato que os fundos de pensão só passaram a se atentar a ela quando as taxas de juros alcançaram valores historicamente baixos. Tomando por exemplo a Europa, os fundos de pensão se tornaram atores ativos no aporte de investimentos diretos em real assets, que incluem as renováveis. 

Haverá, portanto, um incentivo para que esses gestores adotem os mesmos critérios de sustentabilidade. Dado o tamanho dos fundos de pensão, não é difícil de imaginar o impacto que isso causará na indústria de gestão de recursos de terceiros.

A Nasdaq traz um prestígio que poucas empresas podem dispensar. É louvável que a XP Inc. tenha obtido uma enorme quantidade de recursos para facilitar a experiência do investidor e oferecer novos serviços.  

Finalmente, com tantos fatores apontando para o que é ético, ecologicamente correto e que traga um impacto positivo para a sociedade, é ingenuidade acreditar que as energias renováveis permanecerão como um investimento de nicho.

*Rachel E. Andalaft é fundadora da REA Consult, consultora e gestora junto a investidores institucionais.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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