Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Os governos terão que lidar com uma nova realidade em relação às parcerias com a iniciativa privada, tendo que assumir riscos de demanda, um assunto que no Brasil é tratado quase como tabu. É o que apontaram especialistas reunidos no webinário PPP e Concessões em Tempos de Coronavírus, realizado na última quinta-feira (26).
O atual cenário catastrófico promovido pela pandemia para as concessionárias, com informações sobre reduções de até 75% de receitas operacionais e fim de caixa para algumas empresas em semanas, foi apresentado pelos especialistas como algo “sem precedentes” e o maior desafio já apresentado ao sistema de parcerias.
Promovido pelo MBA PPP e Concessões e a Híria, o encontro contou com a presença de Isadora Cohen, da KPMG, Gabriel Galípolo, presidente do Banco Fator, e Maurício Portugal Ribeiro, sócio da Portugal Ribeiro Advogados, mediados por Carlos Nascimento, do MBA PPP, e Vinnicius Vieira, da Híria.
Em relação aos contratos atuais, Ribeiro afirmou não ter qualquer dúvida de que a situação atual será caracterizada como “caso fortuito” ou “força maior”, já que estão sendo tomados atos que ele considera como previstos nos contratos como “atos da administração” ou “fato do príncipe”. O advogado acredita que nem mesmo os órgãos de controle vão ter dificuldade em reconhecer isso nos próximos anos.
A recomendação dele, no entanto, é que não sejam tomadas atitudes que modifiquem as cláusulas do contrato com essa justificativa e, principalmente, todas reduções e aumentos de despesas provocadas pela pandemia e também o atendimento de pedidos dos administradores sejam extremamente bem documentadas.
Isso porque, para ele, a maior dificuldade será no futuro provar a regularidade das ações tomadas e também que os valores reais sejam reconhecidos. Ribeiro vem alertando sobre a dificuldade de concessionárias terem reconhecidos os valores corretos em processos de reequilíbrios, mesmo quando são reconhecidos.
Risco de demanda
Para Galípolo, do Banco Fator, a pandemia vai levar a um outro desafio, que é a elaboração de novos contratos em que o risco de demanda terá que ser assumido pelos governos. Para ele, apesar do cenário econômico incerto, está ficando claro que os investidores estão em busca de ativos que tenham liquidez, algo que não é característica de contratos de longo prazo como as concessões.
Segundo o economista, sem que haja garantias dadas pelo estado sobre esses contratos, dificilmente a iniciativa privada vai querer fazer investimentos nesse setor, mesmo que sejam oferecidos retornos elevados. Para Galípolo, esse tipo de negociação em que o estado assume riscos de demanda, deveria ser padrão, mas sempre foi uma assunto tratado com ideologia, o que pode ser substituído agora pelo pragmatismo.
“Entendo que o estado não queira assumir esse tipo de risco. Mas é ilusório achar que não vai assumir. Quando dá problema, o estado tem que entrar”, afirmou Galípolo.
Segundo ele, gestores precisam assumir que não têm a capacidade de prever o futuro e trabalhar com essa “humildade”, mesmo quando realizam estudos aprofundados sobre determinado tema.
“O futuro é um vazio que não é acessado por axiomas lógicos”, disse Galípolo, usando uma frase do economista George Shackle.
Gestão dos contratos
Isabela Cohen, da KPMG, lembrou ainda que a crise abre oportunidade para que as modelagens possam ser revistas e as cláusulas contratuais estejam mais atentas ao fortalecimento da gestão dos contratos, levando em conta sua natural característica de mutabilidade pelo longo prazo de execução.
Cohen também defendeu que as concessões possam ser instrumentos de processos de resposta rápida à pandemia, citando por exemplo o uso do estádio do Pacaembu, em São Paulo, recentemente concedido, como hospital de campanha para receber pacientes afetados pela doença.
Fim do teto de gastos
Gabriel Galípolo defendeu ainda que se reveja a PEC do Teto de Gastos para que os investimentos em infraestrutura não sejam ainda mais achatados nos próximos anos, como vem ocorrendo desde a implantação dessa política pública.
Para o diretor do banco, a sociedade defende há anos que os investimentos em infraestrutura são a forma de fazer o país voltar a crescer, mas as políticas públicas são feitas na contramão dessa necessidade.