Ian Grosner*
No dia 21 de julho de 1969, o astronauta norte-americano Neil Armstrong proferiu a célebre frase que se tornou atemporal: “É um pequeno passo para o homem, um salto gigante para a humanidade”. Sem a pretensão de estabelecer uma relação direta com a magnitude desse fato histórico de importância ímpar para a civilização, pode-se afirmar, em um contexto bem mais modesto do programa espacial brasileiro, que foi dado o primeiro passo para a futura lei geral do espaço em nosso país com a aprovação do relatório final do GT-12 (Grupo Técnico nº 12)1, pelo CDPEB (Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro)2.
Antes de entender sobre os desdobramentos desta propositura legislativa, é preciso contextualizar o leitor sobre o que é o CDPEB e o referido grupo técnico ou grupo de trabalho (GT-12).
O CDPEB foi criado, inicialmente, pelo Decreto 9.279, de 6 de fevereiro de 2018. O Comitê tem por objetivo fixar diretrizes e metas para a potencialização do Programa Espacial Brasileiro e supervisionar a execução das medidas propostas para essa finalidade, conforme dispõe o seu art. 1º. Assim sendo, por meio da sua Resolução 26, de 16 de agosto de 20183, o Comitê constituiu Grupo Técnico com a complexa tarefa de elaborar a Lei Geral do Espaço, com fundamento no inciso X do art. 22 da Constituição Federal.
Posteriormente, o CDPEB passou a ser regido pelo Decreto 9.839, de 14 de junho de 2019. Conforme disposto no art. 6º do referido decreto, o CDPEB poderá instituir grupos técnicos para elaborar estudos sobre as propostas de estabelecimento de marcos legais para o setor espacial brasileiro (art. 6º, inciso V). Em razão da nova formatação legal, o já batizado GT-12 foi recriado pela Resolução 8, de 7 de agosto de 20194, do CDPEB, com atribuição para elaborar a proposta de Lei Geral de Atividades Espaciais do Brasil.
Em 30 de setembro de 2020, o Comitê, em sua reunião plenária, aprovou o relatório final do GT-12, inaugurando a tão esperada fase preliminar da tramitação formal da futura norma.
Como já ressaltado anteriormente, trata-se do início para a aprovação de uma almejada e necessária lei geral do espaço no Brasil. Tal instrumento legal irá regular, dentre outros, a exploração da atividade comercial espacial em nosso país. Esse futuro diploma legal trará, não há dúvida, maior segurança jurídica aos investidores internacionais e nacionais que queiram desenvolver suas atividades no setor espacial, tais como lançamentos, criação de produtos e prestação de serviços com aplicações em diferentes campos, que vão desde a transmissão de dados e previsões meteorológicas até o controle de tráfego aéreo e a defesa nacional5.
A adequação formal da proposta à Constituição Federal é nítida, uma vez que é expressamente outorgada competência privativa à União para legislar sobre direito espacial, nos exatos termos do art. 22, I, da CF/88. Ademais, dada a peculiaridade e natureza do direito espacial, qualquer legislação que venha a ser editada pelo Estado brasileiro está atrelada, em grande medida, às definições e compromissos multilaterais assumidos pela União nos tratados internacionais que regem a matéria. Dentre estes, o principal diploma internacional a ser observado é o “Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e demais Corpos Celestes”, incorporado ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto 64.362, de 1969. Esta norma internacional, também conhecida por Tratado do Espaço Sideral ou Outer Space Treaty no idioma inglês, é considerada uma verdadeira Constituição internacional do espaço.
Quanto ao conteúdo, a minuta de projeto de lei sugerida pelo GT-12 passou a contar com 67 artigos, divididos em oito capítulos: Capítulo I – Das Disposições Gerais; Capítulo II – Dos Ativos da Infraestrutura Espacial; Capítulo III – Da Exploração das Atividades Espaciais e da Previsão de Garantias; Capítulo IV – Da Regulação das Atividades Espaciais; Capítulo V – Das Atividades de Apoio; Capítulo VI – Dos Incentivos para as Atividades Espaciais; Capítulo VII – Das Responsabilidades; Capítulo VIII – Das Taxas; e Capítulo IX – Das Disposições Finais e Transitórias. Buscou-se abarcar todas as normas necessárias para uma regulação que leve em conta, entre outros, o aspecto dual da atividade espacial: civil e militar. Cabe ressaltar que a minuta elaborada pelo GT-12 teve por base o chamado Guia de Sofia6, incorporado à Resolução 68/74 da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Esclareça-se, por oportuno, que essa minuta de projeto de lei produzida pelo GT-12 e anexada ao relatório final do referido grupo ainda deverá seguir todos os trâmites previstos no Decreto 9.191/2017, que dispõe sobre as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao presidente da República pelos ministros de Estado. A proposta de ato normativo, por tratar de matéria relacionada a dois ou mais órgãos, será elaborada conjuntamente, por meio de exposição de motivos interministerial, conforme expressa disposição do art. 29 do Decreto 9.191/20177.
Com relação aos documentos que acompanham a proposta de ato normativo, os arts. 30 a 32 do Decreto 9.191/2017, modificados pelo Decreto 10.420/2020, estabelecem a necessidade de pareceres jurídicos e de mérito de cada uma das pastas ministeriais que subscrevem a exposição de motivos interministerial.
Neste sentido, ainda que subsistam algumas incongruências na minuta de projeto de lei ora apresentada pelo GT-12, é de se supor que tais inconsistências sejam superadas no trâmite entre os ministérios autores da proposta. Cabe destacar, ainda, que ao final deste longo processo, o texto de consenso entre as pastas é submetido à Casa Civil e à Secretaria-Geral da Presidência da República, onde, respectivamente, a Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais (SAG-CC) examinará o mérito da proposta e a Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ-SG) procederá à revisão final da redação e da técnica legislativa da proposta de ato normativo, inclusive para retificar incorreções, inadequações de linguagem, imprecisões e lapsos manifestos e emitirá parecer final sobre a constitucionalidade, a legalidade, a compatibilidade com o ordenamento jurídico e a boa técnica legislativa das propostas de ato normativo, nos exatos termos dos arts. 24 e 25 do Decreto 9.191/2017. Por fim, caberá ao senhor presidente da República examinar a conveniência e a oportunidade de se remeter o projeto de lei, nos termos do art. 61 da Constituição Federal, ao Congresso Nacional.
Por último, caberá às duas casas legislativas debater e deliberar sobre a matéria. Assim, a FPMPEB (Frente Parlamentar Mista para o Programa Espacial Brasileiro)8, criada em 19 de fevereiro de 2020, será fundamental na tramitação do futuro projeto de lei geral do espaço. Como se vê, o processo é bastante longo, mas é bom que assim o seja. Somente uma discussão aprofundada dos diversos atores envolvidos é que permitirá uma norma que agregue todos os anseios e necessidades do nosso programa espacial brasileiro.
Foi dado o primeiro passo.