Ludmylla Rocha, da Agência iNFRA
A ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída) sugeriu ao Ministério de Minas e Energia que parte da arrecadação feita por meio das bandeiras tarifárias seja destinada à implantação de placas solares. A medida seria uma forma de incentivar a geração distribuída em meio à crise hídrica.
“A ideia é pegar 30% desse recurso, descobrir qual o valor desse montante, para incentivar a geração distribuída em todo o país. É essa modelagem econômica que estamos desenvolvendo agora”, afirmou o presidente da associação, Carlos Evangelista, em entrevista à Agência iNFRA.
O executivo nega que a proposta pressionará ainda mais a conta bandeiras. “Não seria aumentar a bandeira tarifária e sim pegar parte da receita advinda dela. É dar uma destinação diferente. Em vez de usar para acionar térmicas, usar para instalar geração distribuída. O reforço da bandeira tarifária para comprar energia da Argentina, por exemplo, eu uso para incentivar a geração distribuída que já está em pleno crescimento”, argumentou.
Ele afirmou ainda que o MME foi receptivo à ideia, pedindo dados complementares. A execução demandaria um projeto de lei ou decreto presidencial, diz. Só será adotada, porém, caso se mostre “exequível” na visão da pasta, a depender do andamento da crise hídrica, pontua.
Leia os principais trechos da entrevista:
Agência iNFRA: Vocês participaram do acordo feito para que o PL 5.829 (de Geração Distribuída) fosse aprovado na Câmara, mas há algo que poderia ser melhorado no Senado? Como esperam que seja a tramitação na Casa?
Carlos Evangelista: A gente vê sempre possibilidade de melhoria, é imprevisível o que vai acontecer no Senado, mas a gente acredita que não vai ter nenhum problema. A nossa expectativa é que o texto se mantenha igual por causa do acordo.
Se não tivesse ocorrido um acordo, aí realmente haveria mais possibilidade de haver mudança para melhor ou pior. Mas houve um acordo que envolveu o órgão regulador, o Ministério de Minas e Energia, quem era a favor do projeto ou contra o projeto, ou seja, todos os partidos. E pela votação bem expressiva que teve na Câmara, 467 votos a favor, a gente acredita que vai seguir o mesmo caminho no Senado.
Nós ficamos muito felizes com o texto. É claro, existem algumas coisas que podem ser aprimoradas, melhoradas, mas é um trabalho de dois anos com o envolvimento de vários players do setor. Tem uma frase que eu sempre uso que é “é o texto do consenso”. E eu sempre lembro que consenso não é unanimidade.
Quando o senhor fala de melhorias, quais seriam?
Poderia fazer o processo de transição mais ameno, em vez de seis anos, colocar 10; ter colocado uma tarifa especial para o pessoal de baixa renda. São melhorias que poderiam ter sido incorporadas no texto, mas que complicariam bastante. A gente poderia ter criado um mecanismo que coibisse mais ainda a comercialização dos pareceres de acesso sem dificultar quem trabalha corretamente. Senão a gente começa a colocar muito, às vezes o remédio acaba matando o paciente. São pequenos detalhes que poderiam ser melhorados, mas não houve tempo suficiente e nem consenso nesses pontos.
Mas o texto da maneira como está alcança coisas muito positivas. Primeiro de tudo, preserva o direito adquirido tanto do consumidor quanto do investidor, já que os contratos já estabelecidos vão ser respeitados até dezembro de 2045. Isso é um pleito não só do setor elétrico, mas do país inteiro, que os contratos sejam respeitados, que as regras não mudem no meio do jogo.
O segundo ponto muito positivo é que traz uma estabilidade jurídica regulatória, uma vez que ele se firma como marco legal do setor de geração distribuída. Geração distribuída era o único segmento do setor elétrico que não tinha uma lei específica e agora, se tudo der certo, nós vamos ter.
O senhor citou que há uma expectativa de que o texto seja mantido no Senado, mas também que houve uma tramitação bastante longa na Câmara com muitas idas e vindas. Na quarta-feira (1º), o Senado rejeitou a medida provisória da minirreforma trabalhista, algo que não tem acontecido muito com pautas econômicas que o governo apoia. Isso dá algum receio em relação à tramitação do PL no Senado?
Não, isso não me trouxe nenhum receio. Porque a maneira como foi apresentado o texto, o PL 5.829, realmente, foi um texto de consenso. Houve consenso até com quem pensa de uma maneira diferente. E com o apoio do Ministério de Minas e Energia, que é o governo, e do órgão regulador, que, em tese, é independente, mas apoiou também. Então, por isso, nós estamos bastante seguros de que não teremos problema no Senado. É claro que o Brasil é uma caixa de surpresas, mas realmente a gente não espera nenhuma surpresa desse tipo.
Desde que se começou a discutir uma revisão da regulamentação da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que regula o tema enquanto o projeto não é aprovado em definitivo, viu-se um crescimento pela procura por geração distribuída. Qual é a expectativa de crescimento considerando esse avanço do PL e o contexto de crise hídrica, que acaba impulsionando a busca por alternativas próprias de geração?
A gente tem instalado no Brasil, por mês, 280 MW (megawatts). Espera-se que esse número vá para 350 MW por mês já no ano que vem, depois da aprovação do texto. Isso por dois motivos. Primeiro, realmente com a crise hídrica existem várias empresas buscando outras soluções para gerar energia, e a geração distribuída é uma dessas soluções.
Recentemente, a gente apresentou um plano ao governo. Foi apresentado no Ministério de Minas e Energia e protocolado na ANEEL. A gente chamou de GD+10, que prevê em dois anos a gente colocar mais 10 GW (gigawatt) oriundo de geração distribuída. E aí se tem várias medidas para serem tomadas. Uma delas é a aprovação do PL 5.829. Isso significa que a gente vai injetar nos próximos dois anos R$ 42 bilhões na economia e criar 270 mil empregos.
Esses R$ 42 bilhões serão resultado de todas as medidas propostas ou só da aprovação do PL?
Das medidas previstas do GD+10, porque esses R$ 42 bilhões saem dos 10 GW que vão ser acrescentados na matriz elétrica brasileira com aquelas medidas.
A proposta de vocês inclui uma questão de incentivo financeiro para instalação de placas solares. Como seria essa medida e qual seria seu financiamento?
Hoje nós temos as bandeiras tarifárias que são cobradas exatamente pelo acionamento das [usinas] térmicas. Como a crise hídrica está impactando o setor elétrico, nós estamos tendo que acionar as térmicas, que geram uma energia mais cara, para cobrir esse rombo. Além da energia que está entrando importada de outros países.
Tem uma arrecadação dessas bandeiras e parte dela pode ser usada para incentivar a instalação de sistemas fotovoltaicos. É uma ideia complexa de ser implementada, mas é factível e exequível. Isso estimula mais brasileiros a produzir sua própria energia através do sistema fotovoltaico. Poderia ser outra forma de energia? Poderia. Mas a gente direcionou esse plano para fazer sistema fotovoltaico. Injetaria mais energia na rede e aproveitaria o próprio recurso que eu estou captando da bandeira tarifária.
Mas a ideia seria implementar isso desde já? A bandeira tarifária neste momento está bastante pressionada já em termos de custo.
É. Não seria aumentar a bandeira tarifária e sim pegar parte da receita advinda delas. É dar uma destinação diferente. Em vez de usar para acionar térmicas, usar para instalar geração distribuída. O reforço da bandeira tarifária para comprar energia da Argentina, por exemplo, eu uso para incentivar a geração distribuída que já está em pleno crescimento. Ela é muito rápida em suprir essa falta de energia que a gente vai provavelmente ter no fim do ano.
Como foi a receptividade do governo a essa proposta?
Foi excelente. O governo tem um corpo técnico muito bem preparado, então eles conseguiram na apresentação que nós fizemos, que demorou uma hora e meia, levantar novas dúvidas, falar “olha, isso aqui dá pra fazer assim”, se aprofundaram no tema. Quando a gente apresenta pela primeira vez, responde o que vai ser feito e como. E quando você se aprofunda mais, consegue responder o quê, quando, onde, por quê e quanto vai custar. Então o que a gente combinou com o MME é que a gente ia detalhar mais algumas partes do plano para eles poderem verificar a viabilidade de implementar algumas dessas medidas no ano que vem caso se mostrem factíveis, exequíveis e de acordo com o caminhar da crise hídrica até dezembro.
E houve algum ponto específico deste plano com o qual eles ficaram mais animados, que poderia ser implantado primeiro?
O primeiro foi a aprovação do PL 5.829. Isso aconteceu concomitantemente, quando a gente escreveu não tinha sido aprovado. Eles ficaram animados porque, em que pese ter sido aprovado na Câmara, ainda não foi no Senado, nem sancionado pelo presidente. Eles ficaram animados para estimular que tramitasse ainda mais rapidamente, porque um dos pontos principais do plano é justamente a aprovação desse projeto.
O segundo ponto que interessou muito, e precisa ser detalhado porque é bem complicado de implementar, é exatamente esse que a gente conversou: pegar parte da receita das bandeiras tarifárias e transformar em incentivo à geração distribuída. Isso é complicado porque, além de um modelo econômico-financeiro, depende de aprovação de lei ou de um decreto presidencial. Provavelmente, seria através de decreto.
O terceiro ponto foi o aproveitamento de resíduos sólidos urbanos, porque resolve dois problemas. Primeiro, da falta de energia. Segundo, da destinação ambiental de resíduos sólidos urbanos. Já tem uma lei que rege isso. Seria só um estímulo de pequenas usinas para processar parte desses resíduos para gerar energia.
Essa questão do incentivo por meio de bandeiras para instalação de placas solares já tem uma perspectiva de custo?
É exatamente nisso que a gente está trabalhando, a gente não pode usar todo o recurso das bandeiras tarifárias para destinar para geração distribuída. A ideia é pegar 30% desse recurso, descobrir qual o valor desse montante, para incentivar a geração distribuída em todo o país. É essa modelagem econômica que estamos desenvolvendo agora.