Análise: governo terá que decidir se levará adiante a contratação dos 8 gw da lei da Eletrobras

Roberto Rockmann*

Levar ou não adiante a contratação de 8 GW (gigawatts) de térmicas a gás natural, instituída pela Lei 14.182/2021, que autorizou a capitalização da Eletrobras, será uma das decisões que o governo terá de tomar em breve. Há incerteza entre investidores do setor sobre o rumo que os projetos terão, ao mesmo tempo em que o governo federal trabalha em uma MP (Medida Provisória) sobre o gás natural. A MP já estaria na Casa Civil.

“Ainda é incerto o que vai acontecer e se a MP vai tratar disso também”, afirma um empresário. “O prazo está em cima do que foi estipulado ano passado e a gente não vê ninguém se movimentando” diz outro investidor da área.

Pelo cronograma anunciado no fim de dezembro, pelo governo Bolsonaro, seriam conduzidos três leilões de térmicas da Eletrobras, que seriam realizados em julho desse ano, de 2024 e de 2025. O primeiro leilão foi realizado em setembro de 2022, com a contratação de apenas 750 MW de um total de 2 GW leiloados, sendo que 1,25 GW não foram contratados.

“Estamos acompanhando de perto o andamento das térmicas e essa MP, porque isso poderá ter impacto sobre o avanço de renováveis, como as eólicas offshore”, diz um investidor da área de renováveis.

No governo, o Ministério do Meio Ambiente seria contrário à contratação das térmicas. O andamento desses projetos, com 70% de inflexibilidade, é acompanhado de perto pelos agentes por dois motivos: 1) poderá elevar a sobreoferta de energia e manter pressionados para baixo os preços no mercado livre nessa década; 2) terá influência sobre a contratação de novas térmicas e sobre os leilões de energia nova.

Explosão de pedidos de outorgas
Isso ocorre em um momento em que ainda existem desdobramentos das leis 14.120 e 14.300, que aceleraram os pedidos para outorgas de renováveis e criaram a “corrida do ouro”. A Lei 14.120/2021 impôs prazo para o fim do desconto sobre a transmissão e criou uma fila de 200 GW de pedidos de outorgas para eólicas e solares. Já a Lei 14.300/2022, do marco legal de GD (Geração Distribuída) solar, estipulou cronograma para o fim do desconto na conexão de projetos de GD e criou mais uma fila de 35 GW de pedidos. 

Uma outra peça no tabuleiro é o TCU (Tribunal de Contas da União), que em janeiro lançou um relatório sobre o tema. No estudo, o órgão de controle deixa a porta aberta para que a contratação não seja levada adiante e que, se conduzida, poderá se refletir em alta de custos para os consumidores, o que poderia levar a questionamentos aos gestores públicos que tomarão a decisão.

A consultoria PSR estima que, dos 8 GW estipulados para a contratação pela legislação, o mais provável é que seja viável, por conta do preço do gás e da pequena malha brasileira de dutos, a compra de 2,8 GW de empreendimentos. Nesse cenário, que também inclui o avanço da GD solar para 43 GW em 2031 (acima da projeção de 33 GW da EPE), o preço do contrato para o Sudeste do período 2025-2030 ficaria em R$ 110 o MWh.

O cenário de referência usado nas simulações se baseou em energia natural afluente de 86%, os projetos de GD solar existentes, demanda de 2,8% ao ano e o Preço Mensal de Operação de janeiro desse ano. Com isso, o preço do contrato para o Sudeste do período 2025-2030 ficaria em R$ 150 o MWh.

Outra decisão a ser tomada pelo governo em relação ao setor térmico se refere à descontratação de usinas térmicas a gás natural, óleo diesel e óleo combustível que terão seus CCEAR (Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado) finalizados ou em situação de possibilidade de perda de subsídios do PPT (Programa Prioritário de Termelétricas) e término de vida útil ao fim de 2025. São mais de 5 GW de potência nessa condição.

Há também incerteza sobre alguma decisão sobre elas na MP e se o governo poderá usar esses projetos existentes para atualizá-los tecnologicamente com mais eficiência ou irá descontratar esse montante e substituir com projetos renováveis.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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