Azedam as relações entre a ANEEL e o Ministério de Minas e Energia

Leila Coimbra, da Agência iNFRA

O relacionamento entre a atual diretoria da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a gestão do ministro Bento Albuquerque no MME (Ministério de Minas e Energia) vive a sua primeira crise.

O desgaste teve início há algumas semanas, com ideias divergentes entre a agência reguladora e a pasta sobre a retomada das obras da linha de transmissão que interligará Boa Vista (RR) a Manaus (AM). Enquanto a ANEEL defende cassar a concessão atual e fazer um novo leilão, o MME prefere aumentar a receita da concessionária atual, a Transnorte, para que esta retome as obras.

O atrito se agravou quando o MME assinou ofício pedindo à Presidência da República que vetasse o artigo do PL (projeto de lei) das agências reguladoras que permitia a recondução dos atuais diretores.

Por fim, a crise atingiu seu pico quando o MME excluiu a ANEEL dos debates sobre o Novo Modelo do Gás e, na semana passada, marcou o lançamento oficial do projeto, no Palácio do Planalto, sem chamar o órgão regulador para participar do evento.

Linhão de Roraima
A primeira rusga na relação surgiu quando a agência reguladora defendeu internamente cassar a concessão do linhão de Roraima, em poder da Transnorte – formada por Alupar (51%) e Eletrobras (49%) –, e fazer um novo leilão.

A concessionária pediu uma revisão do equilíbrio contratual – RAP (Receita Anual Permitida) – de R$ 396 milhões ao ano para retomar as obras. A ANEEL definiu que esse pedido estava muito acima do considerado aceitável, já que, se mantido o contrato atual atualizado pelo IPCA, a RAP seria de R$ 186 milhões ao ano.

Na avaliação do órgão fiscalizador, se a concessão for relicitada, poderá ir a leilão com teto de RAP de no máximo R$ 300 milhões anuais, abaixo do que foi pedido pelo consórcio Transnorte. Como o deságio médio praticado nos leilões de transmissão é da ordem de 20%, cálculos da agência apontam que a RAP com a relicitação poderia ficar em torno de R$ 265 milhões. Valores de RAP menores beneficiam diretamente o  consumidor, já que esses custos são repassados às tarifas de eletricidade.

Mas o MME prefere manter a concessão atual e pagar o que os empreendedores pedem. O principal argumento, neste caso, é a urgência do projeto, já que Roraima está sendo integralmente abastecida por geração térmica a diesel, a um custo de R$ 4 milhões ao dia, para garantir o fornecimento do combustível para as usinas.

Veto ao PL das Agências
Outro desentendimento ocorreu no fim de junho, quando o presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos a Lei 13.848/19, que trata das agências reguladoras. Dentre os vetos, a possibilidade de recondução dos atuais diretores por mais um mandato, dentro do período de transição. Depois, haveria um mandato único de cinco anos para todos os colegiados.

O veto impede que todos os diretores, não só os diretores-gerais, de todas as agências, sejam impedidos de ter novos mandatos. Outros ministros como Paulo Guedes (Economia) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), também defendiam esse veto. Mas Bento Albuquerque (Minas e Energia) foi o único a enviar formalmente ofício assinado ao presidente da República externando a sua posição.

Novo Mercado do Gás
Por fim, houve nova rusga quando o governo começou a articular mudanças no modelo de gás natural no país. A ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), que é a responsável pela regulamentação do insumo, participou ativamente das negociações. Além dela, tiveram papel de protagonismo o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e a EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

Mas grande parte do consumo de gás é para a geração de eletricidade no país. As termelétricas respondem por mais de um terço do consumo nacional do combustível, e a tendência é que essa fatia do mercado aumente com a maior oferta de gás natural do pré-sal. A termoeletricidade é regulada pela ANEEL, que não participou das reuniões que discutiram a abertura do setor de gás.

No convite oficial enviado pelo governo aos agentes para o evento de lançamento do Novo Mercado do Gás, hoje (23), no Palácio do Planalto, a agência reguladora de energia elétrica ficou de fora. Estão no convite a ANP, o Cade e a EPE, além dos ministérios de Minas e Energia, Economia e Casa Civil.

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