Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O milho de segunda safra brasileiro, conhecido como safrinha, teve aprovação numa câmara técnica da Oaci (Organização da Aviação Civil Internacional) para ser certificado de maneira competitiva para a produção de SAF (Safe Aviation Fuel), combustível sustentável para a aviação. A vitória se deu diante de uma dura disputa com os EUA, que tentaram barrar a certificação dessa produção de milho que só é realizada no Brasil.
A certificação é considerada uma etapa fundamental para que a produção de SAF se torne economicamente viável e mais de R$ 40 bilhões em projetos de refinarias para esse tipo de combustível no Brasil possam sair do papel, de acordo com levantamento da consultoria A&M Infra.
Pelas regras da Oaci, que ganharam o nome de Corsia (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation, na sigla em inglês), os voos internacionais começam em 2027 no Brasil a obrigatoriamente ter que compensar parte das emissões geradas por combustíveis fósseis, o que poderá ser feito com compra de crédito de carbono ou aquisição de SAF, que não gera emissões. Há uma escala crescente para até 2050 zerar as emissões.
No entanto, o órgão só aceita o SAF que tiver certificações específicas, que vão indicar o quanto de fato esse combustível reduz de emissões, considerando toda a sua cadeia produtiva, e não apenas as emissões geradas em sua utilização pelos aviões.
Nessa certificação, são considerados fatores subjetivos, como, por exemplo, se a produção voltada para combustível está substituindo a produção para alimentação. No caso do milho comum, ele já é certificado, mas, por esse critério de deslocamento da produção alimentar, ele tem um fator baixo na redução de emissões, o que faz o produto ser pouco atrativo para SAF.
Como o milho safrinha não faz deslocamento de produção de alimentos, já que ele é plantado após uma safra de outro produto, o Brasil entendeu que ele deveria ter uma certificação diferente da do milho comum.
Esse pedido de certificação passou a ser analisado no Caep (Comitê de Proteção Ambiental da Aviação) da Oaci nos últimos quatro anos e começou a receber forte oposição da delegação americana, que entendia ser o mesmo produto do milho convencional e não queria qualquer vantagem para a produção que é característica apenas no Brasil.
Mas a decisão do colegiado em fevereiro foi a de certificar o milho safrinha de forma diferente do milho comum. Essa decisão do órgão técnico ainda passará por um processo de ratificação no Conselho da Oaci, o que está previsto para o meio deste ano. “Não era tudo o que a gente queria, mas ficou mais favorável para o milho safrinha”, explicou o diretor da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) Tiago Pereira à Agência iNFRA.
“Estimular a produção”
Outros produtos característicos do Brasil já são certificados para SAF, como a cana de açúcar, mas o país tem outros vegetais tentando essa certificação. Os processos de certificação, porém, têm sido lentos e, segundo Tiago Pereira, que acompanha os processos de SAF, uma das diretrizes da Oaci é acelerar esse procedimento para que seja possível de fato ter uma produção de SAF capaz de reduzir as emissões nos prazos estipulados.
Tiago lembra ainda que, mais uma vez, ficou claro que os processos de certificação de SAF têm ganhado um contorno de disputa comercial entre os países, sem levar em consideração a possibilidade real de redução das emissões no setor.
“Se a intenção é descarbonizar, vamos estimular a produção”, diz Pereira, lembrando que isso também pode ser feito se houver a certificação do LCAF, um tipo de combustível fóssil com menos emissão na cadeia de produção, mas que a Oaci ainda não certifica.
Combustível do Futuro
Caso a certificação seja ratificada, será possível fazer as contas para saber exatamente o quanto a produção do safrinha terá de valor para a redução das emissões, o que pode incentivar a produção desse tipo de combustível aqui. Para Tiago, sem certificação, é difícil para os investidores seguirem com seus projetos.
Tiago lembra ainda que o Brasil atrelou, no projeto de lei do Combustível do Futuro, metas domésticas de produção de SAF, em combinação com as metas internacionais, mas agora tudo depende da aceitação das matérias primas internacionalmente para que a produção possa ser competitiva, alcançando o mercado nacional e internacional.
Nos últimos anos, os atrasos nas regulações internacionais e a incerteza sobre se as medidas de redução de emissões vão efetivamente acontecer têm gerado incerteza nos investidores e os projetos permanecem engavetados. No caso do Corsia, os EUA ainda permanecem no acordo, mesmo após a saída do país do Acordo de Paris de redução de emissões.
Inibidores de investimentos
Felipe Bonaldo, diretor da A&M Infra, que fez um relatório recente levantando as oportunidades do mercado de SAF no Brasil, diz que a indefinição sobre os temas regulatórios e de taxonomia são os principais inibidores para o desenvolvimento desse setor no país. Segundo ele, apesar de o SAF ser um só, o insumo usado tem valores diferentes, e por isso a certificação é fundamental.
Lembrando que o SAF pode ser quatro vezes mais caro que o combustível comum, Bonaldo diz que será necessário ter essas regras muito bem definidas e a certeza de que não haverá retrocesso para que os investidores tirem seus projetos do papel, o que só vai ocorrer se houver garantia de demanda.
“Enquanto esse arcabouço não estiver fechado, vai ser muito difícil”, avalia Bonaldo, lembrando ainda que o novo governo dos EUA levou o tema para uma zona nebulosa. “A Lufthansa não vai querer pagar mais caro que a United para viajar ao mesmo lugar”.
Bonaldo também é da opinião de que o Brasil é o lugar mais competitivo no mundo para esse tipo de produção e avalia que, se houver uma redução na velocidade de implantação, o país também pode usar o tempo para solucionar questões internas, citando entre elas a cobrança de impostos na nova reforma tributária.