Roberto Rockmann*
O presidente da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), Rodrigo Ferreira, acredita que o acesso aos dados, hoje, é a ferramenta mais importante dentro de um ambiente concorrencial. E as concessionárias de distribuição centralizam as informações do setor, segundo ele.
Em entrevista à Agência iNFRA, Ferreira disse que as comercializadoras se preparam para contribuir para a CP (Consulta Pública) sobre a renovação das concessões de distribuição, que se encerra em 24 de julho. E que dois pontos são prioritários, na visão dele: abertura e padronização dos dados dos consumidores e a criação de um ambiente de livre concorrência.
A entidade pretende fazer em breve um evento para discutir a Lei Geral de Proteção de Dados, a defesa da concorrência e o direito do consumidor. “Queremos um ambiente concorrencial e equilibrado com informações abertas a todos”, diz Ferreira.
O executivo também falou sobre a questão da formação dos preços no mercado livre, o PLD (Preço de Liquidação das Diferenças). Para ele, mais importante do que a metodologia do cálculo – que levaria a um viés de alta ou queda nos valores – é preciso assegurar previsibilidade ao setor. Ele defende que, se houver mudanças, que elas passem a valer apenas a partir de 1º de janeiro de 2025, se forem anunciadas no fim deste ano. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Agência iNFRA – Existe uma disputa judicial em relação à metodologia de cálculo dos limites do PLD (Preço de Liquidação das Diferenças), que trouxe uma incerteza em relação aos preços do mercado livre. Como está a discussão?
Rodrigo Ferreira – Está em curso. Se houver aperfeiçoamentos a serem feitos, aí começa a análise de impacto regulatório, em que a agência abre uma consulta pública. Não temos uma sinalização de como vai terminar. Nós dissemos que há, sim, espaço para melhorar a regulação. Mas nós não falamos qual seria essa revisão da metodologia. Isso abriria discussão se o preço vai aumentar ou diminuir. Eu não estou preocupado agora com isso.
Discutir essa metodologia agora poderia contaminar a discussão?
A gente precisa agora é fortalecer a estrutura regulatória do PLD, minimizar espaços para judicialização. Demos essa contribuição e estamos esperando. Houve mudança organizacional recente na ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica], isso pode ter causado demora. Nossa expectativa é de que ainda neste ano haja um desfecho.
Qual foi a posição de vocês para a ANEEL?
A única contribuição mais enfática que a gente deu para o tema foi dizer que qualquer mudança no cálculo dos limites do PLD tem de respeitar duas premissas. Primeiro, tem de passar a vigorar no início do calendário civil, ou seja, tem de ser no primeiro dia de janeiro. Segunda premissa: qualquer mudança tem de ser informada ao mercado com pelo menos seis meses de antecedência. Ou seja, é preciso assegurar previsibilidade.
A expectativa de vocês é de que o desfecho dessa questão, ou seja, a regulação do novo PLD seja anunciada até dezembro? E, se essas premissas forem atendidas, as mudanças valeriam apenas em 2025?
Sim, isso mesmo. Há associações e entidades que já estão até elaborando propostas de como fazer o cálculo. Nós optamos por não entrar nessa discussão agora, porque acaba dando um viés. Depois que você coloca para a ANEEL uma proposta de cálculo, inevitavelmente o resultado é um preço maior ou menor. Não queremos fazer isso para não dizerem que estamos defendendo queda ou alta do preço. Tem um decreto, tem de detalhar o que está nele, não se pode criar uma fórmula mirabolante.
Como está o trâmite do PL (Projeto de Lei) 414/2021, que trata da modernização do setor?
Nesse primeiro semestre do ano houve muito pouca atividade parlamentar. Ele não é a pauta prioritária de agora. O governo tinha outras preocupações, como a mudança de estrutura com os novos ministérios e o arcabouço fiscal. Acho que no segundo semestre o 414 pode ganhar um novo tratamento. É um tema importante.
O Fase (Fórum das Associações do Setor Elétrico) acabou de enviar uma carta para o presidente da Câmara, Arthur Lira, enfatizando essa relevância e celeridade. Ou cria comissão ou vai para plenário. O setor elétrico virou uma colcha de retalhos. Puxa daqui e descobre o pé de alguém. Não está bom. A gente precisa buscar novo olhar. O PL trata desse reequilíbrio em diversas nuances, a abertura é uma dela, acaba com subsídios, divide melhor custos, que hoje estão em um só consumidor. Independente dele, as discussões continuam. O 414 é um instrumento, mas não é o único. Existem medidas infralegais. Pode ter uma MP (Medida Provisória). Existe a possibilidade de um novo PL.
Existe essa discussão de um novo PL ou de uma MP para tratar desses temas e da abertura?
A gente não está discutindo, mas a gente está aberto a construir um caminho com o governo. É preciso entender o que é que ele quer. A nossa conversa com ministério foi muito boa. Eles disseram que há necessidade de acabar com a assimetria existente hoje no mercado de energia elétrica. Eles entendem que é preciso modernizar o setor.
A maior prova disso é a nota técnica sobre a renovação das distribuidoras. Ali fica evidente que o ministério está dando o norte e qual o papel da distribuidora no futuro. Quando ele propõe separar fio e energia, quando fala de modernizar o parque de medição, que o dado do consumidor tem que ser protegido no mercado concorrencial, que as distribuidoras têm de poder desenvolver novos serviços à sua conta e a seu risco.
Vocês vão trabalhar em contribuição para a CP da renovação das distribuidoras?
Sim, isso abrange dois terços do mercado de distribuição e terá de ser indicado qual será o mercado que elas terão nesses próximos 30 anos. Na nota técnica, está ali que a abertura é inevitável. E é inevitável porque tem um Brasil esquecido. O mercado cativo paga todos os custos. Somos reféns. Não é sustentável esse desenho. O mercado livre continua crescendo, a GD (Geração Distribuída) solar cresce a galope e o mercado esquecido vai ficando cada vez menor e mais caro. Como é que você resolve isso? Precisa abrir. Precisa sair dessa espiral.
O que interessa na discussão da renovação?
Queremos discutir medição, open energy, dados do consumidor, a separação fio e energia, remuneração de serviços novos, concorrência. Fizemos uma reunião sobre o tema da renovação das distribuidoras e levaremos para o Conselho de Administração.
Acesso aos dados e a questão concorrencial são dois temas importantes nesse novo mundo que pode se abrir para o mercado de energia?
O dado é a riqueza do século XXI. No mercado concorrencial, os dados são tudo. Hoje eles não estão acessíveis de forma padronizada, interoperáveis nem para o consumidor. Você não tem os dados do seu consumo dos últimos 12 meses, mas a distribuidora tem.
As distribuidoras têm empresas que fazem GD, que são comercializadoras. Não é justo que um player no mercado tenha acesso ao dado e nem o dono desse dado tenha esse acesso a ele.
Em janeiro, haverá a abertura para toda a alta tensão. Começam a surgir as primeiras migrações. A gente está percebendo que tem consumidor que não sabe a data de vencimento do seu contrato e aí tem de pedir essa informação para a concessionária.
No mercado concorrencial não pode ser assim. Então a gente tem a convicção de que o dado precisa ser padronizado, interoperável e o consumidor precisa ter acesso a ele e poder distribuí-lo a quem quiser. Precisa de regra para isso. Não tem a Lei Geral da Proteção de Dados? Sim, precisa, essa lei protege o dado do consumidor, mas não diz que esse dado tem que ser padronizado no Brasil e tem que fazer parte de uma plataforma online que o consumidor tem que ter login e senha para acessá-lo a qualquer tempo.
O dado tem ligação direta com a defesa da concorrência, que tem ligação com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). É uma discussão boa que até a ANEEL precisa entrar de cabeça e rápido. O ministério, na nota técnica da renovação das distribuidoras, cria essa agenda.
Vocês vão levar isso ao Cade?
Nós estamos preparando um grande evento para discutir a Lei Geral de Proteção de Dados, defesa da concorrência e direito do consumidor. A gente quer discutir com juristas e entidades. Queremos um ambiente concorrencial e equilibrado. A gente está finalizando a arquitetura do evento. A gente espera que nos próximos 30, 45 dias ele possa acontecer. Estamos dialogando com entidades. A gente quer tirar essa discussão do ambiente interno nosso e colocar em debate público.
Em janeiro, o mercado viverá a maior abertura de sua história, com pouco mais de 100 mil empresas ligadas à alta tensão podendo migrar para o ambiente livre. Como está isso? Pode ter empresa que irá para a GD solar?
Vou aproveitar para fazer um comentário: muita gente está confundindo mercado livre com micro e minigeração distribuída solar. São leis diferentes para cada um. Não pode misturar a liberdade que o consumidor tem para gerar a sua energia com o mercado livre, formal e regulamento desde 1995.
Agora você vê a necessidade de abrir o mercado para todo mundo nos números que a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) acabou de apresentar. Os números dela apontam que existem 202 mil pontos de consumo ligados na alta tensão.
Desse total, de acordo com as estimativas da CCEE, 165 mil unidades ainda estarão no mercado regulado ao final de 2023. Entre essas cargas, projeta-se que, até o fim de 2023, 93 mil se beneficiam do modelo de micro e minigeração distribuída.
Da forma como foi estruturada, sobretudo até 7 de janeiro deste ano, pela Lei 14.300, criam-se custos enormes para o sistema e para os que não têm pagarem. Então, se a gente não cria um ambiente concorrencial para a GD, ela vai continuar crescendo e criando custo para quem não tem. A abertura é urgente.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.