Governança aeroespacial precisa integrar indústria

Geocracia

“A origem de nosso setor aeroespacial fez surgir vários atores públicos que necessitam ser integrados em objetivos e projetos comuns, de forma que possa haver sinergia entre as relevantes iniciativas de cada um desses atores.” A opinião é de Carlos Eduardo Valle Rosa, coronel aviador da Reserva da FAB (Força Aérea Brasileira) e autor do recente livro Geopolítica Aeroespacial: Conhecimento Geográfico e Abordagem Estratégica.

Doutor em Geografia (Geopolítica) e mestre em Ciências Aeroespaciais, Valle Rosa diz em entrevista à Agência Geocracia que, apesar das dificuldades, “existe potencial nacional para o desenvolvimento de iniciativas no setor” que posicionem o país adequadamente no contexto da geopolítica aeroespacial” e que uma das saídas é contar com o aporte de empresas privadas para complementar o orçamento público.

Acompanhe a seguir a entrevista na íntegra.

Em seu livro, você formula o conceito geopolítica aeroespacial a partir do estudo da geografia e de variáveis políticas, econômicas, tecnológicas e ideológicas. O que seria exatamente essa geopolítica aeroespacial? Quais são as aproximações e as diferenças com o conceito de astropolítica utilizado internacionalmente?

A questão central, e ao nosso ver inovadora, é a incorporação aos estudos geopolíticos de uma nova perspectiva geográfica, cuja representação se dá no conceito de ambiente aeroespacial. Ele é representado geograficamente pela conjugação dos segmentos ‘espaço aéreo’ e ‘espaço exterior’, em um ambiente conjugado, caracterizado como um continuum, sem limite físico. Por esse motivo, a abordagem que propomos diferencia-se dos estudos tradicionais da geopolítica do transporte aéreo ou da astropolítica, ambas voltadas a explorar questões específicas dos segmentos geográficos que estudam. Em grande parte, a abordagem conjugada proposta no conceito de ambiente aeroespacial é sustentada por argumentos que integram esse espaço geográfico, como por exemplo, a ausência de limites legais estabelecidos na legislação internacional, a existência de uma indústria aeroespacial ou os desenvolvimentos tecnológicos que sugerem a existência de espaçoportos, veículos que transitem pela atmosfera, atinjam camadas orbitais terrestres do espaço exterior e retornem para o pouso controlado.   

É lugar comum, nos meios internacionais, dizer que neste início de século os países se dividirão entre aqueles que programam e os que serão programados. Como está o Brasil em termos de geopolítica aeroespacial e o que se pode esperar do país nesse sentido?

O capítulo final do livro indica cenários para o desenvolvimento do setor aeroespacial brasileiro. Tratamos de perspectivas que vão desde posturas competitivas até aquelas passíveis de cooperação internacional, como forma de inserir o Brasil no debate da geopolítica aeroespacial. Um dos problemas que os experts nacionais apontaram para a elaboração desses cenários foi a questão da governança. A origem de nosso setor aeroespacial fez surgir vários atores públicos que necessitam ser integrados em objetivos e projetos comuns, de forma que possa haver sinergia entre as relevantes iniciativas de cada um desses atores. Por certo que a questão orçamentária também impõe significativos desafios para as atividades desse setor. Há uma expectativa geral que o fenômeno do New Space (uma forma de agregar a iniciativa privada aos projetos aeroespaciais) seja uma das soluções possíveis para lidar com a questão dos recursos para investimos, pois o aporte de empresas privadas complementará o orçamento público, que tem sido o esteio da atividade aeroespacial.

Apesar da grande vocação aeroespacial brasileira com cases como o ITA, a Embraer, a base aeroespacial em Alcântara e a própria questão geográfica, há muitas críticas sobre a lentidão do país nessa matéria, com uma indústria ainda incipiente e que já foi ultrapassada por outros países emergentes como a Índia. Temos tempo ainda?

O exemplo da indústria aeronáutica brasileira é peculiar para que tenhamos uma visão positiva em torno desse tema. Na década de 1960, produzimos o Bandeirante, uma aeronave pequena, turboélice e com tecnologia incipiente. Nesse mesmo momento, voava no hemisfério Norte o Concorde, aeronave supersônica, com tecnologia de ponta. Hoje, a Embraer produz aeronaves sofisticadas, no mesmo nível tecnológico que as aeronaves dos principais concorrentes. O que esse relato demonstra é que, apesar das dificuldades do percurso, existe potencial nacional para o desenvolvimento de iniciativas no setor aeroespacial que posicionem o país adequadamente no contexto da geopolítica aeroespacial. Acredito que um aspecto fundamental nessa trajetória será a questão do soft power (poder de influenciar), que destaco em um dos capítulos da obra. Essa questão nos remete à educação (básica e superior) como um dos sustentáculos para uma verdadeira ideologia aeroespacial, que proponha a compreensão do ambiente aeroespacial como receptáculo de tecnologias essenciais para a nossa sociedade, como por exemplo a telemedicina ou a teleducação.     

O país anunciou recentemente os primeiros parceiros privados que irão operar o CLA da Base de Alcântara. O que esperar desse modelo?

O Centro de Alcântara possui vantagens locacionais que o tornam um importante ativo nacional para o desenvolvimento do setor aeroespacial. A proximidade da Linha do Equador, para citar uma dessas vantagens, viabiliza menor consumo de combustível do foguete lançador para atingir a velocidade necessária para se adentrar no espaço exterior, consequentemente, permitindo mais carga útil a ser transportada. A possibilidade de comercialização das instalações para eventuais interessados é um passo importante em cenários de cooperação e deve ser estimulada. Além do mais, a expansão dessa utilização comercial pode trazer recursos financeiros importantes para a continuidade ou desenvolvimentos de novos projetos no setor aeroespacial, exemplo que se encaixa naquilo que anteriormente chamamos de New Space.

O mundo vive uma nova corrida espacial, agora protagonizada por empresas privadas e pela atividade da geoinformação. Na sua elaboração de cenários para a geopolítica espacial brasileira, como vê o país inserido nessa nova fase da economia global?

A geoinformação tem sido essencial para inúmeras atividades da nossa sociedade, tais como a melhor utilização dos solos na agricultura. Essa capacidade depende, essencialmente, dos sensores de várias naturezas incorporados aos satélites de monitoramento remoto. Hoje, já existem empresas privadas que comercializam imagens satelitais com diversos propósitos, inclusive para planejamentos de guerra, como tem sido observado no conflito recente entre a Rússia e a Ucrânia. Para o Brasil, como sugerem os especialistas consultados na elaboração dos cenários, há oportunidades que surgem de eventuais cooperações internacionais, algumas delas já em curso, como é o caso de Alcântara ou no desenvolvimento de satélites. Contudo, existem, e cada vez mais serão demandadas, iniciativas voltadas para a segurança nacional que colocarão o Brasil frente a cenários competitivos. Nosso país, e principalmente nossa população, precisa ter consciência dessa necessidade. Na verdade, a obra Geopolítica Aeroespacial foi inspirada nas questões clássicas dos geopolíticos brasileiros pioneiros, que propuseram temas de grande relevância, como a integração nacional, o desenvolvimento socioeconômico e a preservação da soberania. A obra que coloco à disposição nada mais é do que reposicionar essas questões à luz de um novo espaço geográfico – o ambiente aeroespacial –, tridimensional por natureza, que passa a ser compreendido como o nosso verdadeiro entorno estratégico.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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