O impacto da preferência política sobre os cuidados com o coronavírus

Fábio Vasconcellos*

Com mais de um ano de pandemia, o presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que não mudará o seu comportamento diante das câmeras, apesar do trágico número de mais de 500 mil mortes. Quase sempre sem máscara, provocando aglomeração ou discursos contra as medidas de proteção da saúde, o presidente tem mantido um padrão criticado por muitos e atenuados por outros.

Para o primeiro grupo, Bolsonaro dá um péssimo exemplo, porque encoraja ações que ampliam o risco de contágio dos brasileiros. Para os apoiadores do presidente, as críticas e as cobranças são exageradas, porque, efetivamente, Bolsonaro não teria tomado nenhuma medida para impedir que as pessoas se protejam. Em outras palavras, somos adultos e cada um sabe como se cuidar. 

Enquanto a CPI do Senado avança para identificar e dimensionar as responsabilidades do governo na condução da pandemia, seja por ação ou omissão, permanece a pergunta: afinal, o comportamento do presidente da República importa? Um conjunto de pesquisas recentes têm se debruçado sobre essa questão, e a mais recente delas traz indícios importantes porque procurou observar o comportamento dos cidadãos. 

Publicado em maio pela revista Frontiers, o artigo Political preferences, knowledge, and misinformation about Covid-19: the case of Brazil é resultado da pesquisa que analisou como preferências políticas afetam o comportamento das pessoas diante da pandemia. O estudo, assinado por Wladimir Gramacho, Mathieu Turgeon, John Kennedy, Max Stabile e Pedro Mundim, parte de uma hipótese bem simples: o indivíduo cuida da saúde quando ele é capaz de adquirir, compreender e aplicar os conhecimentos sobre saúde de forma a promover ou manter o seu bem-estar. 

Mas a relação entre conhecimento sobre saúde e os cuidados que precisamos adotar, segundo os pesquisadores, depende do contexto em que as informações estão disponíveis. Nesse sentido, desinformação, diferenças de acesso aos meios de comunicação ou mesmo um contexto em que as elites apresentam alta divergência sobre os melhores tratamentos afetam o comportamento das pessoas.   

O primeiro teste dos pesquisadores procurou avaliar os determinantes do nível de conhecimento do indivíduo sobre a Covid. Para isso, eles trabalharam com variáveis organizadas em três grupos: oportunidade de acesso à informação (classe social, fonte de informação como mídia e redes sociais); habilidade para entender e reter as informações (nível de formação escolar) e a motivação para aprender sobre a Covid (preocupação com a doença, ter tido a doença, ter perdido um amigo ou parente para a doença). Um quarto grupo procurou relacionar preferências políticas (nível de aprovação do governo e preferência pelo partido de Bolsonaro) e conhecimento sobre a Covid.

Os resultados são bem interessantes. No grupo das motivações, indivíduos preocupados com a doença apresentam sete pontos percentuais a mais de conhecimento sobre a Covid quando comparados com aqueles que demonstram menos preocupação. Aqueles que tiveram a doença ou perderam amigos para o vírus também registram mais conhecimento sobre quem não teve a doença ou não perdeu amigos. Como esperado, no grupo da habilidade, que mede basicamente a capacidade cognitiva, indivíduos com mais formação escolar demonstram mais conhecimento sobre a doença. 

No grupo das variáveis que medem a oportunidade para a aquisição de informação sobre o coronavírus, o estudo identificou que indivíduos que recorrem mais aos meios tradicionais, como jornais, TV e rádio, têm mais conhecimento sobre a doença. Aqueles que recorrem mais a mídias sociais apresentam menos conhecimento, mas os resultados não foram estatisticamente significativos, segundo o estudo.

Entre todas as variáveis testadas, as preferências políticas, contudo, foram aquelas com maior impacto sobre o nível de conhecimento dos indivíduos. Os entrevistados que consideram o governo Bolsonaro ótimo/bom apresentam 11 pontos percentuais a menos de conhecimento sobre a Covid, quando comparados aos que desaprovam o Governo. Embora o presidente não esteja vinculado a nenhum partido, aqueles que responderam preferir o partido de Bolsonaro registraram também três pontos percentuais a menos de conhecimento. Ou seja, indivíduos que simultaneamente consideram o governo ótimo/bom e preferem o partido do presidente apresentam 14 pontos percentuais a menos de conhecimento sobre o coronavírus.

Todas essas variáveis foram testadas também com relação à crença na teoria da conspiração de que o vírus teria sido criado em um laboratório na China. Nesse teste, apenas a variável “preocupação com a doença” e “preferência política” apresentaram resultados significativos. Aqueles mais preocupados com o coronavírus registraram 15 pontos percentuais a menos de chance de acreditar na história do vírus criado em laboratório, quando comparados com aqueles menos preocupados com a doença.

Novamente, o maior efeito identificado pelos autores foi com relação à variável “preferência política”. Quem considera o governo ótimo/bom apresenta 33 pontos percentuais a mais de chance de acreditar na teoria da conspiração sobre o surgimento do vírus, quando comparado ao indivíduo que avalia o governo ruim/péssimo. Os brasileiros que preferem o partido de Bolsonaro registraram 17 pontos percentuais a mais de chance de também acreditar nessa teoria. 

O quadro geral apresentado pela pesquisa demonstra que, se informação correta e conhecimento sobre a doença importam para os cuidados com a saúde, as preferências políticas perturbam essa relação. Em um contexto em que a liderança máxima do país politiza o tema e insiste justamente em ações contrárias aos cuidados com a saúde, temos aí algumas pistas para apurar as responsabilidades do presidente da República.

 As preferências políticas jogam um papel determinante porque indivíduos que aprovam o governo federal tendem a buscar menos conhecimento sobre a doença. Ao promover quase que diariamente cenas de desrespeito aos protocolos de segurança, Bolsonaro, por outro lado, acaba por legitimar o desconhecimento e a desinformação sobre os cuidados com a saúde, especialmente entre seus apoiadores.

*Fábio Vasconcellos é cientista político e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da ESPM-RJ.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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