Opinião
11/11/2025 | 14h49

O paradoxo da energia limpa: transformar potencial em liderança

Foto: Divulgação

João Carlos Mello*

O Brasil vive um paradoxo energético. Somos um dos países com a matriz elétrica mais limpa do mundo – quase 95% da capacidade provém de fontes renováveis –, mas ainda corremos o risco de ficar para trás na corrida global pela descarbonização. Segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), em 2024, 50% da oferta de energia no país teve origem em fontes renováveis, enquanto no setor elétrico esse número chega a 88,2%, incluindo hidrelétricas, eólicas, solares, biomassa, biogás e, mais recentemente, biometano. A COP30 reforça que essa liderança natural nos coloca no centro das atenções globais, mas ser referência em matriz limpa não basta; é necessário transformar potencial em resultados por meio de liderança estratégica, priorizando inovação, competências e integração de setores.

A transição energética deixou de ser apenas um tema ambiental e tornou-se um vetor estratégico de competitividade, soberania e desenvolvimento industrial. Ela exige não apenas substituir fontes fósseis por renováveis, mas redesenhar modelos de negócio, aprimorar regulações e capacitar profissionais para operar tecnologias em escala e velocidade inéditas. O desafio, portanto, não é apenas gerar energia limpa; é garantir que haja quem projete, opere e mantenha o sistema elétrico do futuro, de forma segura, eficiente e acessível.

Essas questões estiveram no centro dos debates durante o Fórum de CEOs do SNPTEE 2025 (Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica 2025), promovido pelo Cigre-Brasil, realizado em Recife entre 18 e 22 de outubro. O encontro, que reuniu mais de 30 líderes empresariais do setor, foi inspirado na Sessão Paris 2024 do Cigre Internacional, onde mais de 100 executivos discutiram o papel da inovação e do capital humano na transição energética global. O diagnóstico é convergente: mesmo em países altamente desenvolvidos, há gargalos semelhantes, ou seja, a escassez de talentos técnicos e o dilema de equilibrar inovação, confiabilidade e custo.

Conforme constatado no Fórum dos CEOs na Bienal 2024 do Cigre em Paris, a Alemanha, por exemplo, registrou queda de 35% no número de estudantes de engenharia na última década. Nos Estados Unidos, o número de aposentadorias supera o de novos ingressantes. Temos recursos e projetos, mas faltam pessoas, alertou Konstantin Papailiou, presidente do Cigre Internacional. No Brasil, a situação é igualmente preocupante. Escolas de engenharia relatam turmas reduzidas, e instituições de tradição como Poli-USP e Itajubá lutam para atrair jovens. Tinha nove alunos na turma. É uma tristeza, lamentou um executivo durante o Fórum. A profissão que simbolizou o progresso por décadas perdeu apelo diante da ascensão das carreiras digitais. A engenharia não é uma derivada – é uma integral, brincou outro CEO, sintetizando a profundidade e paciência que o ofício exige.

Para enfrentar esse cenário, o Fórum propôs ações práticas e inspiradoras: o programa “Adote uma escola”, que leva engenheiros e técnicos a colégios para mostrar o impacto real da profissão; o projeto “Portas abertas”, que incentiva visitas de estudantes a usinas, centros de controle e laboratórios; e a “Liga da engenharia”, uma iniciativa de comunicação voltada às redes sociais, destinada a reconectar os jovens com o propósito da profissão. A mensagem é clara – a transição energética também é uma transição de competências. De nada adianta investir em tecnologias de ponta se não houver profissionais qualificados para operá-las, aprimorá-las e adaptá-las à realidade brasileira.

Além da questão humana, o Brasil enfrenta desafios institucionais e tecnológicos. O modelo atual de contratação de energia, baseado quase exclusivamente no menor preço, restringe a adoção de inovações e compromete a sustentabilidade de longo prazo. É preciso incorporar critérios que valorizem a eficiência sistêmica, a digitalização, o armazenamento e a segurança elétrica e energética. Projetos-piloto que testem soluções de automação, integração entre regiões e uso de dados em tempo real podem servir de laboratório para o sistema do futuro. O Nordeste, já consolidado como polo renovável, é exemplo de como investir em infraestrutura de escoamento, e conexão pode ampliar a resiliência e o alcance da matriz limpa.

Outro ponto enfatizado nos debates foi a inclusão social e territorial da transição. A expansão da geração distribuída pode democratizar o acesso à energia limpa em áreas periféricas e rurais, enquanto os grandes empreendimentos precisam dialogar com comunidades locais, promovendo benefícios compartilhados e desenvolvimento regional. A transição energética só será legítima se for também justa, capaz de reduzir desigualdades e gerar valor social, não apenas econômico.

O avanço em tecnologias emergentes, como o hidrogênio verde, o biometano e os sistemas de armazenamento, abre novas fronteiras industriais. Para consolidar liderança, o Brasil precisa de políticas industriais coordenadas, que alinhem oferta, demanda, regulação, certificação e logística. A COP30, que acontece em Belém (PA), será uma vitrine desse esforço. O mundo observará se o país continuará apenas com um discurso de potencial ou se dará passos concretos rumo à liderança efetiva.

Não se trata apenas de gerar megawatts limpos, mas de construir um modelo de desenvolvimento que una energia, tecnologia, pessoas e estratégia. O Brasil já tem a base – uma matriz limpa e um ecossistema de inovação em expansão. Falta transformar potência em resultados, e potencial em liderança duradoura. A transição energética será o grande teste da nossa capacidade de planejar o futuro com visão, cooperação e coragem.

*João Carlos Mello é doutor e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC-RJ, CEO e fundador da Thymos Energia, membro da Academia Nacional de Engenharia e diretor-presidente do Cigre-Brasil.

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