Rui Chammas*
“Farsante ou sonhador”. Essa dualidade ecoa nos corredores das grandes organizações que, diante de uma sociedade em transformação, assumem compromissos necessários, porém ousados em longo prazo. Muitas empresas reconhecem a necessidade de reduzir sua pegada de carbono e tomam medidas concretas nesse sentido já há algum tempo. Outras se veem compelidas – por pressão regulatória, social ou de mercado. Em ambos os casos, há um desafio comum: a jornada rumo à neutralidade climática depende da confiabilidade dos dados, da revisão do modelo de negócios e, sobretudo, de soluções que ainda não existem ou não estão disponíveis em larga escala. Para empresas com uma pegada de carbono já reduzida, como é o caso da Isa Energia Brasil, esse compromisso pode parecer tanto um passo lógico quanto um salto no escuro.
Por que Net Zero? As mudanças climáticas deixaram de ser uma abstração para se converter numa realidade cotidiana. Incêndios florestais, secas prolongadas, enchentes devastadoras e eventos extremos afetam comunidades, desestabilizam economias e desafiam a continuidade dos negócios. O Acordo de Paris, firmado em 2015, inseriu o conceito de neutralidade líquida de carbono no centro das estratégias empresariais mundiais, impulsionando o compromisso de limitar o aquecimento global a 1,5°C, em comparação aos níveis pré-industriais.
Assumir esse compromisso vai além de uma decisão ambiental – trata-se de uma transformação estratégica essencial. Significa repensar profundamente o modelo de negócio, as operações e toda a cadeia de valor, com o objetivo de reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, garantir a neutralização das emissões remanescentes por meio de ações equivalentes de remoção ou compensação. É um pacto com o futuro, que reposiciona a sustentabilidade do papel de coadjuvante para parte fundamental da estratégia corporativa, impulsionando inovação, resiliência e geração de valor em longo prazo.
Ainda assim, é fundamental reconhecer com transparência os desafios dessa trajetória – marcada por obstáculos complexos que exigem visão de longo prazo, coragem para inovar e disposição para enfrentar incertezas técnicas, operacionais e culturais.
O ponto de partida está no mapeamento e na mensuração confiável das emissões. É essencial compreender detalhadamente a pegada de carbono da empresa – tanto nas emissões diretas, sobre as quais há controle e propriedade (como a queima de combustíveis e emissões fugitivas), quanto nas emissões indiretas associadas à compra de energia elétrica. E, claro, nas emissões indiretas relacionadas à cadeia de valor: fornecedores, clientes, logística, descarte de produtos, entre outros. Nesse aspecto, a complexidade do rastreamento somada à ausência de padronização e à escassez de dados confiáveis, dificulta a criação de métricas precisas. Uma mensuração inadequada pode comprometer não apenas o planejamento, mas também a credibilidade da meta.
Grande parte das emissões de uma empresa está além do seu controle direto, pulverizada em fornecedores, parceiros, clientes e até comunidades. Engajar esses elos, estimulando práticas sustentáveis, é um desafio cultural e logístico.
O passo seguinte envolve revisar processos produtivos, adotar novas tecnologias, reconfigurar produtos e, em muitos casos, reinventar modelos de negócio. Alcançar emissões líquidas zero exige uma transformação profunda das operações empresariais, com a incorporação de soluções que, em grande parte, ainda não estão plenamente desenvolvidas ou disponíveis em larga escala.
Por fim, é necessária uma governança clara, prestação de contas e transparência total. Investidores, reguladores e sociedade civil anseiam por relatórios detalhados, metas intermediárias, mecanismos de auditoria e verificação. A reputação corporativa está em jogo, e ser transparente sempre foi e continua sendo uma obrigação. Não basta anunciar metas: é preciso comunicar o percurso com honestidade, reconhecendo obstáculos e limitações, e engajar colaboradores, parceiros e o público em geral.
Assim, assumir publicamente o compromisso de ser net zero – mesmo que o plano para alcançá-lo ainda contenha lacunas e áreas em desenvolvimento – é fundamental. Esse posicionamento tem o poder de catalisar e acelerar o avanço de novas tecnologias e iniciativas voltadas para atender às demandas emergentes. É justamente em contextos desafiadores como este – em que as soluções ainda não estão disponíveis, os avanços tecnológicos são incipientes e o marco regulatório ainda está em construção – que emergem grandes ideias e empresas que não agem apenas por pressão externa, mas porque acreditam que a existência da sociedade, bem como a continuidade e a relevância de seus negócios no futuro, depende de ações concretas tomadas hoje.
Portanto, há um caminho possível entre a utopia e o realismo em uma jornada que é longa e sinuosa. O risco de não assumir o compromisso Net Zero é maior do que ainda não ter todas as respostas sobre como chegar lá. Empresas que resistirem à mudança podem se tornar irrelevantes num cenário de restrições climáticas e novas exigências de mercado e sociedade.
Ser líder de uma empresa Net Zero é manter o equilíbrio entre o sonho do visionário e o rigor do estrategista. É reconhecer os limites do conhecimento atual, mas não se paralisar diante deles. Cada avanço – por mais singelo – representa uma contribuição valiosa, não apenas para o negócio, mas para as próximas gerações.
O verdadeiro risco não reside em se declarar “sonhador”, e sim em se conformar com o status quo enquanto o planeta exige ação. O compromisso Net Zero, portanto, é antes de tudo um chamado à coragem, à inovação e à construção coletiva de um mundo mais justo, resiliente e sustentável.
Em última análise, a transição para uma operação Net Zero não é apenas um exercício de responsabilidade ambiental: é uma estratégia fundamental e de relevância para empresas que desejam prosperar e fazer parte de um futuro possível.
*Rui Chammas é diretor-presidente da Isa Energia Brasil.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.








