Leontina Pinto*
Um Brasil com energia abundante, segura, previsível e mais barata é possível. Para isso, é preciso incorporar todas as fontes de gás natural à matriz energética pela malha integrada de transporte, com disponibilidade e confiabilidade, e não apenas instalar mais UTE.
Imaginemos um Brasil com energia abundante, segura, previsível — e mais barata. Esse sonho está mais próximo do que parece, e para torná-lo realidade é preciso tomar decisões estratégicas agora. O gás natural é peça-chave nessa transformação.
O Brasil tem apostado cada vez mais nas usinas térmicas — e por bons motivos. Elas são um seguro essencial contra as variações do clima e picos inesperados de demanda. Sem elas, estaríamos muito mais vulneráveis a apagões e racionamentos, como o que vivemos em 2001 ou o recente colapso energético na Europa.
Dentre os combustíveis fósseis, o gás natural é o mais limpo, o mais barato e o mais eficiente. É também, hoje, a escolha mais lógica para complementar a matriz energética brasileira — e os especialistas são unânimes: precisamos acelerar essa transição.
Mas isso exige planejamento. Incorporar o gás à matriz energética de forma robusta e inteligente não é apenas instalar mais usinas. É criar um sistema confiável, integrado e competitivo. E isso passa por dois pilares fundamentais: disponibilidade e confiabilidade.
Disponibilidade com segurança
Não basta construir usinas — elas precisam funcionar quando mais precisamos. E, no caso das térmicas a gás, isso só acontece se o combustível estiver garantido. Apostar em gás importado (como o GNL – Gás Natural Liquefeito) é arriscado: estamos sujeitos ao sobe-e-desce dos preços globais, crises geopolíticas e à instabilidade do fornecimento externo. Basta lembrar da amarga experiência com a usina de Uruguaiana, que ficou parada após os preços da Argentina terem-se multiplicado por dez.
Por outro lado, investir no gás nacional, aliado a uma rede de transporte eficiente, é uma decisão estratégica. É garantir que a energia esteja disponível sempre, com previsibilidade e controle nacional.
Confiabilidade que protege o país
Se energia é essencial, ela também precisa ser confiável. No setor elétrico, isso significa garantir que a energia chegue ao consumidor mesmo sem algum elemento da rede. Chamamos isso de “critérios n-1 ou n-2”: o sistema deve resistir à perda de um ou dois elementos sem deixar ninguém no escuro.
O mesmo vale para o transporte de gás. Um terminal isolado, sem acesso à rede, pode ser um ponto único de falha. E já vimos isso acontecer, como na paralisação do terminal de Porto de Sergipe. A normalização só foi possível graças à malha nacional de transporte — um verdadeiro “sistema circulatório” do gás no Brasil.
A lição é clara: sem uma rede interligada, não há segurança energética.
Livre acesso, mais concorrência, menos custo
Energia confiável e disponível é ótimo — mas ela também precisa ser economicamente acessível. E isso só acontece com concorrência real. Um mercado fechado, onde poucos fornecedores dominam regiões inteiras, leva à estagnação e à alta de preços. Com livre acesso à rede de transporte, qualquer fornecedor pode alcançar qualquer cliente. Isso força a competição, reduz preços e melhora o serviço.
Além disso, a previsibilidade do mercado depende de contratos de longo prazo — e como firmar um acordo de 15 anos com base em gás importado a preços instáveis? O custo dessa insegurança é naturalmente incorporado ao produto, e repassado ao consumidor. Com o gás nacional, transportado por uma rede estruturada, podemos garantir previsibilidade de preço e de oferta, reduzindo o custo final do produto. Simples assim.
O caminho está à nossa frente
O Brasil é um país de dimensões continentais e com recursos naturais abundantes. Temos à disposição o combustível capaz de impulsionar nosso crescimento por décadas.
Mais do que construir novas estruturas, é hora de usar com inteligência o que já temos. Nossa rede de transporte de gás é um patrimônio nacional — pago por todos nós. Deixá-la de lado para investir em soluções isoladas, caras e inseguras é desperdiçar dinheiro e oportunidade.
Energia gerada com recursos brasileiros, por brasileiros, para brasileiros. Esse é o caminho para um futuro mais próspero, com mais empregos, mais investimentos e menos incertezas.
É hora de transformar o sonho da independência energética em realidade.
*Leontina Pinto é presidente da Engenho Pesquisa, Desenvolvimento e Consultoria. Tem graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979), mestrado pela Coordenação dos Programas de Pós-Graduação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1981) e doutorado em Matemática Aplicada pelo Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990). Tem décadas de experiência na área de Engenharia Elétrica, com ênfase em Sistemas Elétricos de Potência, atuando principalmente nos seguintes temas: operação, planejamento, confiabilidade, segurança (incluindo fenômenos geomagnéticos), mercados de energia, tarifação, negócios, previsão de cenários, hidrologia e climatologia.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.