Andréa Shad, para a Agência iNFRA, Do Rio de Janeiro
O presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), Thiago Barral, disse que o plano de trabalho do novo modelo do setor elétrico deverá se apresentado em outubro. Antes disso, no fim de julho, um diagnóstico geral da situação deve ficar pronto.
Em entrevista à Agência iNFRA, Barral disse que a implementação do preço horário (mudança do valor a cada 60 minutos) é uma tendência, e que muda toda a lógica do mercado. O papel da EPE, segundo o executivo, é prover cenários integrados de oferta e demanda de energia, “para ter clareza das escolhas, com o impacto que vai ter daqui a 20, 40 anos”. Leia a seguir os principais trechos da conversa:
O que a EPE defende para o novo modelo do setor elétrico, que está em elaboração no Ministério de Minas e Energia?
A EPE participa do grupo de trabalho criado pelo MME (Ministério de Minas e Energia) e coordena algumas áreas. Estamos discutindo o aperfeiçoamento dos critérios de suprimentos. Uma das mudanças previstas é o preço horário da energia. Hoje, as negociações são com preços semanais. Mas o preço horário é uma tendência, que muda a lógica do mercado.
Outra questão é o crescimento do mercado livre, que traz reflexões sobre como alocar os custos com todos os agentes. Antes o mercado livre era uma parcela menor. Agora já representa 30% do mercado de energia. É preciso ter uma sofisticação maior, com novas tecnologias, como digitalização, associadas a novos modelos de negócios. Em alguns casos há barreiras legais, regulatórias.
Quando o novo modelo será apresentado?
O grupo de trabalho deve apresentar o plano de ação em outubro. Mas no intervalo há outros eventos, a partir de final de julho, quando será feito o diagnóstico.
Existem projetos de lei que tratam do novo modelo já tramitando no Congresso (PLS 232 e PL 1.917). Uma parte do novo modelo será por lei e a outra será via infralegal?
Sim, alguns projetos de lei já estavam no Congresso até antes da criação desse grupo de trabalho, mas nossa diretriz é aprofundar alguns aspectos para contribuir com a ação no Congresso. Queremos também identificar o que pode ser aperfeiçoado sem precisar de mudanças legais e também identificar aspectos em que a EPE possa contribuir com o que já está no projeto de lei, comparando experiências do mundo todo.
Por exemplo, hoje o despacho (decisão de acionar ou não uma usina) é baseado em modelo do sistema. Há o despacho por custos. Mas há a alternativa de despacho onde os agentes ofertam seus preços. É preciso analisar os prós e contras dos dois modelos. Precisamos pensar na sustentabilidade do mecanismo de energia. Com uma visão de longo prazo, olhando a mudança da matriz.
Nos últimos anos houve mais leilões de eólica e solar e menos de térmica…
Nos últimos 10 anos, houve sim um crescimento maior das fontes eólica e solar. Tem a ver também com o custo. Elas ocupam um espaço que era das hidrelétricas, que estão reduzindo o protagonismo. Mas a termelétrica a gás foi a segunda fonte mais contratada se olharmos nos últimos seis anos. A do Porto de Sergipe deve entrar em operação em janeiro de 2020. No Porto do Açú, no RJ, são duas termelétricas. Todas na ordem de 1.500 MW. E ainda Marlim Azul, no RJ, que vai usar o gás do pré-sal e não o gás importado usado nas demais. Elas agregam um suprimento de potência que temos monitorado nos planos decenais.
Há uma tendência de contratação de novas térmicas?
Existe uma sinalização de expansão de suprimento de energia, com as térmicas que têm custo mais baixo e geração por mais tempo. Mas há também as de custo mais alto, que funcionam em horas de maior demanda ou em que as eólicas não funcionem. É bom lembrar que o Brasil tem 65% de geração hidrelétrica, com reservatórios, que são importante fonte de flexibilidade do sistema. A diversificação da matriz permite um portfólio flexível para o ONS (Operador Nacional do Sistema) garantir mais confiabilidade.
Há quem defenda no setor um leilão específico para térmicas porque são mais caras e não conseguem competir com eólicas em leilões normais. O senhor concorda?
Não. As eólicas nos leilões não competem com as térmicas, nem com as fotovoltaicas. São situações separadas. As estratégias são diferentes, cada uma com a sua especificidade. Cada uma está no seu espaço. Além disso, é preciso ter projeto, licenciamento e recurso.
O que mais tem sido feito para suprir a demanda de energia principalmente em picos de consumo, quando há elevação das temperaturas, por exemplo?
O consumo de energia elétrica por ar-condicionado mais que triplicou em 12 anos. A expectativa é que essa demanda cresça ainda mais nos próximos anos. Uma geração fotovoltaica, concentrada nas horas de manhã e de tarde, quando o consumo é maior, também contribui para suprir essa necessidade de aumento de energia. E a partir de janeiro de 2020, novos padrões de eficiência para os aparelhos de ar-condicionado vão ajudar a equilibrar oferta e demanda.
Qual a previsão para os níveis dos reservatórios das hidrelétricas no período seco deste ano?
O acompanhamento é feito pelo CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico), e pelo que o ONS tem mostrado, as condições neste ano estão melhores que no ano passado, graças não só ao maior índice pluviométrico como também à melhor gestão dos reservatórios hídricos. A probabilidade de ter que despachar uma quantidade maior de térmicas fica reduzida. E a finalização das obras de Belo Monte também vai contribuir. A interligação do sistema facilita em caso de ter chuva no norte do país e a energia ser direcionada para outra área, que está em seca.
Qual o papel da EPE para a transição energética do país?
A matriz energética do país já é muito renovável e as emissões per capta são muito baixas em relação aos países desenvolvidos. O Brasil tem uma posição interessante por ser muito rico em recursos diversos. O importante não é só descarbonizar, mas assumir um protagonismo maior, com as novas tecnologias, que vão trazer mais eficiência e mudanças também na estrutura da economia.
Conciliar a bioenergia, com a eletrificação por exemplo é saudável. O novo mercado de gás e elétrico são reformas fundamentais. Sem elas, o Brasil vai ser muito lento para novos modelos de negócios e novas invenções tecnológicas. O país tem características próprias de desigualdade. Essa questão tem que estar alinhada às outras prioridades. O papel da EPE é prover cenários integrados para ter clareza das escolhas, com o impacto que vai ter daqui a 20, 40 anos.