Preferência eleitoral e hábitos de consumo de informação política

Fábio Vasconcellos*

Hábitos de consumo de informação são um fator central para entendermos hoje parte do comportamento dos eleitores brasileiros. Desde a virada para os anos 2000, assistimos e participamos de uma revolução no campo da comunicação, e isso tem impactado as nossas relações sociais, culturais, econômicas e políticas. Partimos de um regime de escassez de informação (poucas fontes) para outro organizado sob a lógica da abundância. Muitas fontes, com diferentes características e, quase sempre, ao alcance do smartphone. 

Embora a maior variedade de fontes seja algo positivo sob o ponto de vista da diversidade informativa, essa característica potencializa o custo de decisão da audiência: diante de tantas alternativas, qual devo acompanhar para obter informação política?  Adicione a esse contexto o fator “interesse e preferência política”. No primeiro caso, quanto maior o interesse, mais o eleitor direciona atenção para o universo das informações políticas, formando grupos altamente envolvidos e dispostos a influenciar um segundo e terceiro grupo com baixo ou nenhum interesse por política.

Dado esse contexto, como a relação preferência política afeta nossas escolhas sobre fonte de informação? Como muitas pesquisas têm demonstrado, e esse é o principal argumento para a formação das bolhas ideológicas, a busca por conteúdo político e as fontes de informações estão muitas vezes associadas à visão de mundo do eleitor. Suas crenças políticas orientariam direta ou indiretamente escolhas das fontes por onde prefere se informar. Nesse caso, as escolhas seriam quase sempre por conteúdos alinhados à preferência política.

A última pesquisa Genial/Quaest, produzida entre 30 de setembro e 3 de outubro, traz algumas pistas interessantes sobre consumo de informação e preferência eleitoral no contexto brasileiro. O primeiro dado que chama atenção da sondagem é o percentual ainda elevado de eleitores que afirmam se informar sobre a política principalmente pela televisão (52%). As redes sociais somam 21%, enquanto os sites, blogs e portais, 11%. Apesar de ocuparem a segunda e a terceira posição como meio preferencial, o consumo de informação política a partir de meios digitais não é desprezível. É provável que os percentuais atribuídos às mídias sociais e sites apresentem crescimento nos próximos anos. 

Talvez o dado mais interessante da pesquisa esteja em alguns cruzamentos que os dois institutos fizeram. Quando perguntados sobre “quem prefere que vença nas eleições de 2002”, os percentuais dos eleitores que escolhem Lula ou Bolsonaro divergem consistentemente, a depender do meio utilizado para se informar. O comportamento daqueles que dizem não preferir nem Lula, nem Bolsonaro, por outro lado, sugere que há um componente político afetando as escolhas das fontes e dos conteúdos sobre política entre os brasileiros.

Aqueles que se informam principalmente pela TV afirmam preferir que Lula vença em 2022 (51%), enquanto apenas 16% apontam Bolsonaro. No grupo da TV, os eleitores que não querem nem Lula, nem Bolsonaro (3ª via) somam 27%. As preferências eleitorais mudam entre os que se informam pelas mídias sociais. Nesse caso, o percentual dos que escolhem Lula cai para 30%, enquanto o de Bolsonaro mais que dobra, chegando a 35%, superando a preferência pelo ex-presidente. O grupo da 3ª via apresenta uma menor variação, saindo de 27% para 32%.

Entre os eleitores que se informam por sites, blogs e portais de notícia, a preferência eleitoral segue um comportamento muito próximo do observado entre os que se informam pelas redes sociais. Há apenas uma variação estatística para Lula que reduz de 30% para 28% e do grupo da 3ª via que vai de 32% para 31%. Bolsonaro alcança, novamente, 35% das preferências.

Como é possível observar, o grupo da terceira via se mantém praticamente no mesmo patamar nos três grupos dos meios de informação, contrastando com os eleitores que preferem Lula ou Bolsonaro. Enquanto Lula é forte entre os que preferem a TV, Bolsonaro melhora bastante o seu desempenho no digital. Isso não acontece para quem é do grupo da “3ª via”, indicando que há algo associado nos dois grupos dos eleitores de Lula e Bolsonaro.

A maneira como o eleitor avalia o governo Bolsonaro também muda conforme o meio preferencial para se informar. A avaliação positiva do governo é o dobro entre os eleitores que se informam por redes sociais, quando comparado ao grupo que se informa pela TV. A avaliação negativa, por sua vez, cai no grupo dos que se informam pelas redes sociais. Embora ela ainda seja alta (44%), há uma redução de 14 pontos percentuais em relação ao grupo dos eleitores que se informam pela TV. Essas diferenças se mantêm quando observamos os dados daqueles que se informam por sites, blogs e portais de notícias.

É claro que a simples resposta sobre o meio para obter informações políticas não é suficiente para conclusões mais robustas sobre o que de fato está acontecendo na relação entre preferência política e hábito de consumo de informação no nosso contexto. Mas esses dados sugerem algumas especulações.

A primeira delas corrobora a hipótese de que a maior diversidade de fontes de informação não tem sido suficiente até aqui para produzir uma distribuição mais equilibrada entre as preferências dos meios para se informar sobre política. A televisão continua mantendo altos índices. 

A segunda reforça a hipótese de que o universo digital, com sua maior diversidade de canais, pode estimular dois efeitos com sentidos contrários. O primeiro é que, ao terem acesso a uma maior variedade de fontes e informações, os eleitores apresentariam uma visão mais “rica” sobre o governo e o desempenho do presidente quando comparada aos meios tradicionais (televisão, jornais e rádio). Nesse caso, as preferências políticas não direcionariam as escolhas dos eleitores sobre as fontes que decidem acompanhar no digital. 

Mas os dados parecem apontar em outra direção, esta sim, a meu ver, mais provável. O eleitor pode simplesmente escolher fontes que consideram mais próximas das suas crenças políticas, ignorando toda diversidade do meio digital, reduzindo assim o seu custo de decisão. Portanto, o universo digital estaria produzindo um maior alinhamento entre fontes e audiência. Nessa hipótese não predominaria uma visão “rica” da realidade política, mas, na verdade, o contrário. 

Do lado da oferta, há indicações de que existem canais digitais dispostos a produzir mais e mais conteúdo posicionado ideologicamente, gerando uma relação consistente com sua audiência cativa. No ano passado, Natalia Aruguete, Ernesto Calvo e Tiago Ventura encontraram evidências de que a base eleitoral do então candidato Jair Bolsonaro, em 2018, foi aquela que mais compartilhou links de sites e portais de notícia alternativos, isto é, com baixa reputação no mainstream da imprensa. Esses sites e portais eram reconhecidamente canais à direita, isto é, com uma produção de conteúdo sempre muito alinhada com o pensamento bolsonarista. 

Em resumo, para uma parte dos eleitores, especialmente os mais engajados, a disputa eleitoral de 2022 não será o momento para a escolha entre projetos distintos de governo, mas o de uma guerra de comunicação, na qual os participantes, armados com fragmentos da realidade política alinhados com suas preferências eleitorais, já estão a postos. Não é sem sentido que Bolsonaro manteve suas redes ativas e avança agora para expandir a sua conta no Telegram.

*Fábio Vasconcellos é cientista político e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da ESPM-RJ.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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