Jenifer Ribeiro, da Agência iNFRA
O diretor-presidente em exercício da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), Tiago Pereira, afirmou que a autarquia ainda não foi chamada para discutir a política de limitação de voos no Aeroporto Santos Dumont (RJ) e que ainda é preciso mais detalhes para entender se a decisão vai ou não ferir a legislação vigente.
“A gente precisa ver qual é o teor da política pública efetiva para chegar a avaliar se essa política fere ou não a lei da ANAC”, disse à Agência iNFRA após audiência pública na última terça-feira (20), na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, para tratar do plano de atuação da agência reguladora.
O diretor-presidente em exercício destacou ainda que existem dois dispositivos legais que seriam contraditórios. “Em que medida eles são contraditórios? Eu preciso da política pública efetivamente formulada para falar”, comentou. Os dois dispositivos mencionados por ele estão presentes na Lei 11.182/2005, que criou a ANAC.
Um deles estabelece que a agência, “no exercício de suas competências, deverá observar e implementar as orientações, diretrizes e políticas estabelecidas pelo governo federal”, e o segundo são os artigos que determinam a liberdade econômica e de escolha de malha pelas companhias aéreas.
Distorções no mercado
Tiago Pereira falou durante a audiência pública que o principal ponto de preocupação da limitação de voos no Santos Dumont “é evitar criar distorções no setor de aviação civil, que é muito interligado. Qualquer decisão que eu tomo em um determinado aeroporto, eu posso impactar a malha brasileira como um todo”.
Disse ainda que, quando convocada, a ANAC vai participar da discussão “mostrando os prós e contras das políticas públicas” propostas. No entanto, destacou que a autarquia “vai implementar as políticas públicas que forem estabelecidas pelo Poder Executivo”.
Pereira disse ainda que ANAC já vinha trabalhando para a redução do número de passageiros no Santos Dumont, no planejamento da próxima temporada, que é iniciada em outubro e termina em março do ano que vem. “Não deixar o Santos Dumont aumentar os passageiros porque o Santos Dumont está saturado (…) isso vai refletir nos slots do aeroporto”, disse.
Portaria do governo
Na semana passada, em encontro entre o presidente da República, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, foi anunciado pelo prefeito que a limitação de voos no Aeroporto Santos Dumont recebeu o aval do presidente Lula. O objetivo é que os voos do Santos Dumont façam conexão somente com os aeroportos de Brasília (DF) e de Congonhas (SP).
Essa determinação poderia acontecer via portaria, segundo informação do prefeito Paes. Porém, na segunda-feira (19), o ministro França sinalizou que parlamentares do Rio de Janeiro mostraram-se dispostos a fazer alterações na legislação, caso seja necessário, para que haja a limitação de voos.
A decisão foi tomada depois de diversas reuniões entre o governo local e a União. A crítica dos gestores do Rio de Janeiro é que, enquanto o Galeão está com baixa demanda, o Santos Dumont opera acima da capacidade nos horários de pico, o que afeta os padrões de atendimento estabelecidos pela ANAC.
“Santos Dumont não é o culpado”
Marcus Quintella, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas FGV Transportes e especialista no setor, afirmou que o Santos Dumont não é o culpado pela situação atual de esvaziamento do Galeão.
“Os dois aeroportos conviviam harmonicamente antes da pandemia. Antes da pandemia, o Galeão movimentava 15 milhões de passageiros por ano, enquanto o Santos Dumont movimentava 9 milhões. Hoje, em 2022, o Galeão passou para 6 milhões e o Santos Dumont passou para 10 milhões. Ou seja, sumiram 8 milhões de passageiros do Rio de Janeiro. Isso não pode ser atribuído ao Santos Dumont”, explicou. Ele falou também que a perda de demanda no Galeão começou em 2017, antes da pandemia.
Para ele, a intervenção anunciada não vai solucionar nem a alta demanda do Santos Dumont nem a baixa movimentação no aeroporto internacional e que interferir na malha aérea “não é saudável para a livre competitividade”. A solução, para Quintella, é melhorar a economia da região, a atratividade turística e a segurança local, para que, então, a demanda pule dos 6 milhões de passageiros.