Jenifer Ribeiro, da Agência iNFRA
A apreciação do PL (Projeto de Lei) 877/2022, conhecido como PL da Praticagem, no Congresso Nacional, tem sido alvo de críticas de armadores e terminais portuários. O setor defende que o Legislativo acelerou o processo no Senado e tenta fazer o mesmo na Câmara sem a devida discussão. Na Câmara, assim como no Senado, foi apresentado um requerimento de urgência com previsão de discussão terminativa em comissão temática.
A regulação econômica da praticagem – um serviço de manobras dos navios nos portos – é debatida por diferentes governos há anos. Isso porque armadores e terminais portuários alegam abusividade no preço da praticagem e monopólio do serviço. As alegações são negadas pelos práticos. Após a rápida votação do projeto em caráter terminativo na Comissão de Infraestrutura, do Senado Federal, ele aguarda deliberação pela Câmara dos Deputados.
Regulação na ANTAQ
Além das críticas para o pouco tempo de debate sobre a matéria, armadores e terminais portuários destacam que no texto apresentado há somente duas menções à regulação econômica, mas sem detalhes de como essa regulação seria feita, sem previsão de órgão para manifestações em caso de entendimento de abusividade na cobrança e com previsão de questionamentos somente se o serviço não for prestado.
Atualmente, tanto a regulação técnica quanto a regulação econômica da praticagem são feitas pela Marinha. Armadores e terminais portuários defendem que a parte econômica da regulação seja feita pela ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Essa posição é endossada pela Marinha.
O presidente da ATP (Associação de Terminais Portuários Privados), Murillo Barbosa, afirmou para a Agência iNFRA que vê o PL 877/2022 como o “pior projeto sobre praticagem que já foi apresentado” e negou que os terminais portuários querem que a ANTAQ fixe preços em tabela, mas sim que a agência intervenha em casos específicos.
A agência reguladora já se manifestou diversas vezes sobre o assunto dizendo que tem competência para fazer a regulação econômica da praticagem e que o caminho mais natural para regulação pela ANTAQ seria intervenções em eventuais conflitos. A ideia é permitir que a autarquia estabeleça normas apenas para poder identificar casos abusivos de cobrança sem um tabelamento de preços.
Armadores e terminais portuários pontuam ainda que os práticos têm um monopólio de mercado não regulado economicamente e que, com isso, esses profissionais adotam preços elevados nas zonas de praticagem sem possibilidade de negociação.
Posicionam-se a favor da regulação econômica pela ANTAQ entidades como Abac (Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem), Clia Brasil, Centronave (Centro Nacional de Navegação Transatlântica) e a Frente Parlamentar da Agropecuária.
Preços compatíveis
Por sua vez, os práticos defendem que os preços cobrados são compatíveis com os do mercado internacional e não há monopólio. Afirmam ainda que a transferência da regulação econômica para a ANTAQ não é uma garantia de preços mais baixos.
Ricardo Falcão, presidente da Conapra (Conselho Nacional de Praticagem), explicou à reportagem que não defende a transferência da regulação econômica para a ANTAQ porque a agência não deveria tratar do profissional e sim do transporte, e que fazer a regulação da praticagem não está no escopo e especialização da agência.
Disse ainda que até o momento nenhum armador ou terminal portuário comprovou com faturas e levantamentos de preços internacionais que os valores cobrados pela praticagem são abusivos.
Outro ponto levantado pelo presidente é que, pela obrigação da prestação do serviço da praticagem, o profissional não consegue negociar valores. Com isso, para ele, seria impossível tratar de preços abusivos e monopólio do serviço.
Por fim, Falcão destacou que não existe previsão no mundo de regulação técnica e econômica da praticagem em órgãos diferentes, segundo ele, desmembrar o serviço e retirar da Marinha essa competência atrapalha na eficiência do setor.
Para a Agência iNFRA, o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério de Portos e Aeroportos, Fabrizio Pierdomenico, já chegou a dizer que a única necessidade é que haja uma regulação econômica da atividade, mas que independe qual entidade será a responsável.
Rodízio único
Em dezembro do ano passado, o TCU (Tribunal de Contas da União) apresentou relatório de auditoria indicando a necessidade de maior transparência nas escalas de práticos, com soluções como padronização da fiscalização da escala de rodízio único.
Esse é outro ponto de divergência entre os práticos e os armadores e terminais portuários. Os armadores e os terminais verticalizados entendem que o rodízio único permite o monopólio da atividade, além de não garantir a escolha do profissional por parte dessas entidades.
O assunto é tratado em outro projeto de lei que tramita no Congresso, o PL 1.565/2019, apresentado pelo deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE), que obriga a Marinha a estabelecer uma escala de rodízio com todos os práticos nas zonas de praticagem. Apensado a esse projeto está o PL 1.118/2023.
Além deste, estão em discussão o PL 757/2022, que foi apresentado pelo antigo governo, e o PL 4.392/2020, que é de autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS) – o primeiro projeto foi apensado ao segundo. Ambas as proposições tratam da transferência da competência de regulação econômica da praticagem para a ANTAQ.