Sinal locacional: benefícios além da cadeia da energia

Guilherme Chrispim*

A criação do sinal locacional para as tarifas de transmissão, que começou a ser aplicado de forma gradativa neste ano, tem enfrentado resistência em segmentos do setor elétrico que se sentem prejudicados pela mudança. A medida, que já superou contestações na Justiça, proporciona, a despeito das críticas, racionalidade e eficiência aos custos da transmissão de energia. Com isso, cria-se potencial para a obtenção de benefícios mais amplos, que extrapolam os limites do setor elétrico, como a indução do desenvolvimento econômico e da reindustrialização do Brasil.

A adoção do sinal locacional introduz uma melhor sinalização dos preços do transporte da energia, evitando-se uma forma de subsídio cruzado neste segmento. Ela obedece a uma lógica que vigora em diferentes setores nos quais a distância entre a produção e o consumo é fator determinante para o cálculo e a precificação. Trata-se da mesma lógica vigente no transporte rodoviário de cargas, segmento em que o frete pago reflete a distância percorrida pelos caminhões.

É importante que o custo da transmissão seja explicitado nas TUST (Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão). Sua sinalização adequada, considerando-se a distância, é um fator a ser levado em conta principalmente na alocação e implantação das usinas geradoras no sistema elétrico. A forma de cálculo estabelecida anteriormente mascarava a competitividade de alguns projetos de geração, estabelecida graças ao rateio dos custos de transmissão entre todos os consumidores.

A expansão da GD (Geração Distribuída) é um dos sinais mais eloquentes da importância de se considerar a distância entre a produção e a carga na definição do custo da energia. A capacidade instalada conjunta da geração própria de energia a partir de fontes renováveis, principalmente os sistemas fotovoltaicos, está próxima de 25 GW (gigawatts), com 3,2 milhões de unidades consumidoras espalhadas pelo país recebendo créditos.

Durante os picos de consumo registrados em novembro, por conta de uma onda de calor, essa energia gerada localmente, de forma distribuída, foi a segunda fonte que mais contribuiu para suprir a demanda instantânea que, pela primeira vez na história, ultrapassou 100 GW – atrás, apenas, das hidrelétricas.

Vale destacar que, além de contribuir para o atendimento da carga com a energia excedente injetada na rede (ou seja, aquela energia que é produzida e não utilizada pelos projetos particulares), a GD também reduz a pressão sobre o sistema elétrico: boa parte da energia produzida é aproveitada simultaneamente, no próprio imóvel.

Estimando-se um fator de simultaneidade médio de 40% no Brasil, isso significa que até 10 GW de energia foram supridos por sistemas de microgeração e minigeração; se essas usinas distribuídas não existissem, a demanda poderia ter ultrapassado os 110 GW! A geração térmica emergencial, cara e poluente, seria provavelmente o recurso utilizado para evitar as quedas de luz.

A questão do custo da energia elétrica e o acesso a fontes renováveis são fatores que influenciam a decisão desses consumidores de investir em geração própria. Para o sistema elétrico, a geração mais próxima do consumo representa uma redução de desembolsos em estruturas de transmissão e distribuição de energia. Essa poupança se reflete em tarifas mais baixas.

Além disso, são evitados ou postergados investimentos em projetos de expansão da rede, que causam impactos ambientais e sociais importantes. Ao mesmo tempo, tem-se um sistema elétrico fortalecido, com melhoria da qualidade da energia na ponta e redução dos riscos de interrupção do fornecimento, o que proporciona segurança energética para consumidores industriais, comerciais e residenciais.

Introduzido como parte de uma nova metodologia de cálculo dos custos da transmissão, o sinal locacional consiste na cobrança pelo transporte da energia considerando-se a distância entre o projeto de geração e o consumidor final. Ou seja, quanto mais longe o consumidor de energia se encontra da central geradora, maior o valor cobrado pela TUST.

A expectativa do órgão regulador é promover uma gradual aplicação do sinal locacional durante cinco ciclos tarifários, com início neste ano e término em 2028. O objetivo dessa mudança é provocar um realinhamento dos custos de transmissão tendo como critério a cobrança proporcional, aos usuários do SIN (Sistema Interligado Nacional), de acordo com o uso que fazem do sistema.

Ao ser aplicado neste ano, o sinal locacional já refletiu esse deslocamento da geração. A mudança no sinal definiu uma redução das tarifas de transmissão de 2,4%, em média, para os consumidores no Nordeste e de 0,8% para os da região Norte. Para os consumidores do Sudeste, foi estabelecido um aumento de 0,5%, e, para os do Sul, de 1,5%. Cálculos informais que circulam entre especialistas do setor dão conta de que o sinal locacional beneficiou os consumidores das regiões Norte e Nordeste com uma economia de R$ 800 milhões por ano.

Entre as motivações que levaram à medida está a percepção de que a metodologia de cobrança anterior já não refletia adequadamente a distribuição geográfica da geração de energia no país. Nos últimos 20 anos, registrou-se uma crescente aumento da quantidade de unidades geradoras nas regiões Norte e Nordeste, que, com isso, mudaram o seu status de regiões ‘importadoras’ de energia, como ocorria na virada deste século, para ‘exportadoras’.

Concorre para esse crescimento o boom de projetos de centrais eólicas e fotovoltaicas, que encontraram condições propícias nessas regiões, além da construção de grandes usinas hidrelétricas como Belo Monte, com a fronteira dos projetos hidráulicos expandindo-se na região Amazônica.

Mas há outros benefícios, mais amplos, embutidos no sinal locacional. A medida, como comentado, define sinais realistas de custos que podem contribuir para o deslocamento de complexos industriais para áreas do Norte e Nordeste, estimulados pela energia mais barata e renovável. Afinal, eletricidade é um fator de grande impacto para a competitividade do setor produtivo.

A lógica, nesse caso, é a inversa do que ocorre atualmente. Ao invés de se construir longas linhas de transmissão para trazer a energia elétrica produzida no Nordeste para o Sudeste, um sinal econômico adequado do custo da transmissão pode impulsionar muitas indústrias a instalarem plantas de produção no Nordeste, em localidades mais próximas dos pontos de produção da energia, dinamizando a economia e contribuindo para que a energia renovável de fato se reverta em impactos sociais positivos naquela região.

A transição energética justa e inclusiva passa por valores que vão além da universalização do acesso à energia elétrica e da modicidade tarifária, ela envolve um novo olhar para a sociedade, no qual as fontes renováveis são o centro de um círculo virtuoso de investimentos, geração de emprego e renda e desenvolvimento regional. O sinal locacional faz o Brasil avançar na economia verde de forma democrática, valorizando as iniciativas próprias e distribuídas de geração de energia e promovendo o desenvolvimento econômico e social nos lugares em que grandes projetos são instalados.

*Guilherme Chrispim é presidente da ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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