Dimmi Amora e Cláudia Borges, da Agência iNFRA
O projeto da Ferrogrão vai enfrentar dificuldades no campo jurídico para seguir em frente. Caminhoneiros, ambientalistas, indígenas, ribeirinhos e grileiros mostraram disposição para travar a tramitação do projeto na forma como o governo o concebeu, em seminário realizado na terça-feira (24) pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara do Deputados, em Brasília.
Pelo lado do Executivo, o secretário de articulação do PPI (Programa de Parceria de Investimentos), Tarcisio de Freitas, tentou costurar um acordo sobre o ponto principal de reclamação dos indígenas, a falta de audiência pública específica com eles, prevista pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), antes do leilão. Mas afirmou que o governo vai mandar o projeto para análise do TCU (Tribunal de Contas da União) antes da audiência específica.
Freitas ofereceu que fosse feita uma consulta prévia aos indígenas, mas não no modelo que os povos exigem, que inclui a tradução de documentos na língua de cada povo, entre outras demandas. O governo pretende cumprir essa etapa somente após a realização do leilão. Segundo Freitas, fazer antes a consulta da OIT criaria expectativas para um projeto que, na prática, pode não existir pelo seu elevado risco de negócio.
Os indígenas e ambientalistas, contudo, não parecem dispostos a aceitar o formato. Biviany Rojas, do ISA (Instituto Sócio Ambiental), citou que a consulta pública da OIT 169 para a Hidrelétrica de Belo Monte não foi realizada e, nesta semana, uma ação que julgava se ela deveria ser feita perdeu o objeto. Rojas também apontou que o limite de compensação ambiental previsto no projeto, de pouco mais de R$ 400 milhões (o restante seria assumido pelo governo), poderia levar a risco de um gasto elevado pelos contribuintes, já que não há como calcular o real valor das compensações sem a audiência.
Os representantes de nações indígenas manifestaram preocupação com o fato da ferrovia poder ampliar o plantio de soja em suas regiões e, principalmente, poluir os rios. Integrantes dos povos que vivem no Xingu, Wareaiup Yoriwe Kaiabi, presidente da Atix (Associação Terra Indígena do Xingu), pediu um plano concreto que inclua desmatamento zero e recuperação das nascentes. Já a representante dos Munduruku, Alessandra Korap, foi mais incisiva na negativa ao projeto.
Guilherme Quintella, representante da EDLP (Estação da Luz Participações), responsável pelos estudos da Ferrogrão, apresentou o diagnóstico ambiental feito no trabalho. A ONG The Nature Conservancy foi contratada para analisar os impactos ao meio ambiente e para as populações indígenas, o que prevê a consulta.
MPF exigirá audiência prévia
Na parte da tarde, o procurador Regional do MPF (Ministério Público Federal), Felício Pontes Jr, cobrou que, antes da elaboração de qualquer estudo de licenciamento ambiental, os povos que serão afetados pela construção da ferrovia devem ser consultados.
A cobrança foi feita após a apresentação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) sobre o estágio em que se encontra o estudo e licenciamento, ainda no termo de referência.
Para o procurador, a execução de uma obra com a magnitude da Ferrogrão, com um traçado de quase mil quilômetros que impactará mais de 20 áreas protegidas, entre terras indígenas e Unidades de Conservação, a consulta prévia é indispensável. “Para nós, o processo está atropelado”, afirmou.
Convenção não regulamentada
A diretora de Licenciamento Ambiental do Ibama, Larissa Carolina dos Santos, afirmou, no entanto, que a Convenção 169 da OIT não está regulamentada. E que, em função disso, não haveria uma definição de quando a consulta deve ser realizada e quem deve promove-la – se é o Ibama ou a ANTT (Agência Nacional dos Transportes Terrestres). Ela fez um apelo aos parlamentares presentes para que votem a aprovação da regulamentação.
O superintendente substituto da ANTT, Fernando Augusto Formiga, apresentou os projetos de demanda, investimento e engenharia da obra. Formiga também afirmou que as audiências sobre a Ferrogrão foram realizadas apenas para apresentar à sociedade o projeto. “A agência não pretendia substituir a convenção 169 da OIT”, destacou Formiga.