Alexandre Leoratti e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
Um documento enviado pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) à CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) aponta que 36 usinas contratadas em leilões no ambiente regulado de energia (para as distribuidoras) entre 2006 e 2018 estão com problemas em seus cronogramas de funcionamento.
O documento trata especificamente de “usinas hidráulicas, térmicas, eólicas e solares comprometidas com CCEARs (Contratos de Compra de Energia no Ambiente Regulado) atrasadas no mês de agosto de 2022, para fins da aplicação da Resolução Normativa 1.009/2022“.
Do total, oito usinas foram licitadas em 2006; dois empreendimentos em 2007; outros dois em 2013; onze em 2015; sete em 2016; e seis em 2018. Os motivos dos atrasos podem variar desde ações e liminares no Judiciário que impediram o funcionamento, problemas com fiscalização e licenciamento ambiental.
O documento é assinado por Júlio César Rezende Ferraz, superintendente de Regulação Econômica e Estudos do Mercado da ANEEL e endereçado ao presidente do Conselho de Administração da CCEE, Rui Altieri. A resolução mencionada trata sobre as regras atualizadas da agência para a contratação de energia nos mercados regulado e livre.
Problemas antigos
Segundo Romario Batista, consultor e pesquisador no FGV Ceri e gerente-executivo de leilões na ANEEL entre 2014 e 2019, esse quadro de atraso nos empreendimentos de geração reflete uma situação do passado. Segundo ele, esse tipo de atraso é uma exceção atualmente. Ele destaca que muitos empreendimentos citados na lista tiveram discussões judiciais.
Segundo ele, empreendimentos dos leilões de 2006, por exemplo, foram alvos de liminares e ações na Justiça que impediram o avanço nas usinas e a atuação da ANEEL.
“É algo do passado. Tivemos mudanças estruturais relevantes na geração e transmissão, como, por exemplo, as novas modalidades de leilão. Com isso, tivemos um aumento substancial de prazo para os empreendimentos”, afirmou.
Segundo Batista, também houve um forte incentivo econômico para a antecipação dos empreendimentos. Questionado sobre o ofício da ANEEL referente às usinas em atraso, Batista acredita que a agência, após resolver questões judiciais sobre as usinas, terá normas concretas para punir os agentes responsáveis.
Punições
“Se eu fosse empreendedor desta lista estaria muito preocupado. Isso porque os instrumentos que a ANEEL dispõe para punir os empreendedores inadimplentes são grandes e devem ser adotados e implementados”, afirmou.
Segundo ele, pode ser aplicada a execução de garantias, mediante aplicação de multas e desconto do valor garantido de até 5% do investimento, conforme o atual regulamento da ANEEL, revogação das outorgas e até a suspensão da participação do agente em licitações e contratações, atingindo diretamente o grupo econômico responsável pelo empreendimento.
Lista relevante
Para Edvaldo Santana, consultor e ex-diretor da ANEEL, a lista de empreendimentos que não saíram do papel é considerada grande e relevante, mas não significa que houve um problema na fiscalização por parte da agência reguladora.
“A fiscalização hoje é muito rigorosa. Se a ANEEL demorou é porque alguma razão existe. Essas usinas também tiveram ações na Justiça e liminares que restringiram a ANEEL de caçar a outorga ou emitir penalidade”, disse.
Segundo Santana, o ofício enviado pela ANEEL pode significar que os empecilhos para a fiscalização da agência já estão sendo resolvidos na Justiça, permitindo o avanço e uma maior fiscalização.
“Tem usina ali que não é mais necessária e que não precisaria recomeçar uma briga na Justiça. Seria melhor a ANEEL executar a garantia e seguir em frente, especificamente no caso de serem usinas desnecessárias”, disse o ex-diretor.
Em nota, a ANEEL informou que a relação de usinas comprometidas com leilões no ambiente de contratação regulada e que se encontram com o início da operação comercial em atraso é enviada mensalmente à CCEE.
“Empreendimentos em atraso, de modo geral, estão sujeitos às penalidades dispostas na Resolução Normativa 846/2019, bem como nas Regras de Comercialização, nos editais e nos contratos de compra e venda de energia. Ou seja, os atrasos estão sujeitos às penalidades administrativas (Resolução Normativa 846) para os empreendimentos que não têm compromisso no ACR (Ambiente de Contratação Regulada). Os agentes também estão sujeitos às penalidades contratuais e editalícias”, concluiu a nota.
A CCEE afirmou que o ofício da ANEEL é “um documento operacional, que serve para formalizar o status das usinas e para a CCEE poder realizar seus cálculos”. Também disse em nota que é um documento “puramente processual” e que “as usinas já foram notificadas outras vezes”.