Da Agência iNFRA
Uma maior discricionariedade para a tomada de decisões dos agentes públicos poderá ter um efeito mais benéfico para o sistema de regulação de infraestrutura do que as constantes imposições de normas e leis. Para isso, órgãos de governo e de estado terão que adquirir uma maior capacidade regulatória, que passa pela melhoria na qualificação e autonomia.
O que parece o óbvio para quem lida no dia a dia do setor apareceu pela primeira vez sistematizado por um estudo acadêmico do CARR (Center for Analysis of Risk and Regulation) da LSE (London School of Economics), coordenado por Martin Lodge.
Doutor em regulação pelo centro acadêmico, ele passou os últimos dois anos estudando o tema para a área de transportes no país e apresentou as conclusões desse trabalho no workshop “Regulação da Infraestrutura de Transportes no Brasil”, realizado semana passada em Brasília. O trabalho, disponível neste link, traz como principal conclusão que as mudanças promovidas no país para acabar com o que ele chamou de “cultura do oportunismo” das empresas ainda não parecem serem suficientes para melhorar a regulação setorial.
Para Lodge, os órgãos públicos devem adquirir o que ele chama de “capacidade regulatória” para exercer a “discricionariedade disciplinada” na regulação de contratos de parceria de longo prazo, que necessariamente são complexos e mutáveis. Em sua apresentação no evento, Lodge foi categórico: uma discricionariedade disciplinada para os gestores pode ser mais efetiva para gerenciar contratos de longo prazo que, necessariamente, precisam ser adaptados.
“Nada é para sempre”, diz um trecho do relatório apontando que o país dá peso excessivo ao compromisso dificultando o processo de mutação dos contratos.
O encontro, promovido pelo iDESB (Instituto Desburocratizar)e pela SBDP (Sociedade Brasileira de Direito Público), reuniu representantes da academia, do governo e de associações empresariais, com os trabalhos mediados pelo jornalista Dimmi Amora, da Agência iNFRA, apoiadora do evento junto como Piquet Magaldi Guedes Advogados, a Umbelino Lôbo Assessoria e Consultoria, a ABDIB (Associação Brasileira da Indústria de Base), a ABTP (Associação Brasileira de Terminais Portuários), a ABCR (Associação Brasileira de Concessionária de Rodovias) e a ANEEA (Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos).
“A partir desse relatório queremos discutir às claras quais são os problemas de governança e como empresas e governos podem fazer para melhorar esses problemas”, afirmou o advogado Daniel Bogéa, diretor-executivo do iDESB.
Imobilismo do setor
Por quase três horas, os especialistas debateram alguns dos principais problemas para a regulação do setor de infraestrutura do Brasil sob a perspectiva do relatório. Ficou claro o diagnóstico de que profundas alterações no sistema de regulação são necessárias para acabar com o imobilismo que toma conta do setor.
Marco Aurélio Barcelos, professor de Direito do IDP (Instituto de Direito Público) e atualmente subsecretário do PPI (Programa de Parceria de Investimentos) apontou que é necessário mais rapidamente possível encerrar com o que ele chamou de “supressão da capacidade regulatória primária” dos agentes de governo pelos órgãos de controle que implantaram o que ele qualifica como “clima de terror” entre os agentes de estado.
Gustavo Barreto, representante da ABDID (Associação Brasileira da Indústria de Base), lembrou que a consequência dos problemas apontados por Barcelos é a “omissão decisória” que tem levado a uma judicialização cada vez maior do setor, gerando a uma crise de confiança generalizada entre empresas, governos e usuários.
Já o procurador-geral da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), Gustavo Carneiro de Albuquerque, defendeu que é necessário mais responsabilidade das empresas que entram em processos de concessão de longo prazo já pensando em processos de reequilíbrios no futuro. Ele citou o caso das concessões aeroportuárias em que concessionárias pediram reequilíbrios milionários menos de um mês após a assinatura do contrato.
Yuri Faria de Moraes, especialista em regulação da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), lembrou que regulação dos contratos de parceria na área de transporte no país começou errada, com as concessões sendo realizadas sem que houvesse sequer agência reguladoras, como foi o caso do sistema de ferrovias e parte das rodovias. Segundo ele, os contratos assinados eram muito simples, alguns com menos de 10 páginas, deixando praticamente todo o processo de regulação para ser feito posteriormente. “Nós recebemos o pepino e temos que descascar”, brinco Moraes.
Fortalecimento da gestão pública
Entre as ideias apresentadas para o fortalecimento da gestão pública estão a criação de um modelo que possa comparar a reputação e a excelência dos órgãos de regulação no país, com métricas próprias, para criar modelos a serem seguidos em termos de qualidade e confiabilidade.
“É necessário criar as balizas que apontem para a boa regulação e criem uma saudável concorrência”, defendeu Gesner Oliveira, professor da FGV e fundador da GO Associados, que deu palestra no evento.
Representantes da academia, Gustavo Maia, do Grupo de Direito Público da FGV, e Juliana Palma, da Escola de Direito da instituição, lembraram que já estão em desenvolvimento ideias para que se crie um órgão de estado capaz de tratar nacionalmente de questões regulatórias, que tenha a capacidade de interferir nas disputas institucionais que resultam em paralisia institucional. Para Juliana Palma, o país ainda apresenta um cenário de “executivo unitário”, o que dificulta a construção de um “Estado Regulador”.
Bruno Queiroz, professor do Ipea que estuda a regulação, lembrou que o que se qualifica como capacidade regulatória não é uma construção vazia, se constituindo num campo específico de trabalho que é a tendência em todo o mundo para o sistema de regulação do setor privado pelos governos. Para ele, o principal problema para a regulação de infraestrutura do país, já apontado em seguidos acórdãos do TCU sobre a gestão pública, é a falta de capacidade de coordenação entre os órgãos de estado e de governo.
Melhor coordenação
André Rosilho, da Escola de Direito da FGV e que acompanha as decisões do TCU através de um grupo de estudo, aponta que o tribunal acabou chegando à atual condição, chamada no estudo de Logde de “meta-regulador”, pelo poder conferido por empresas e órgãos públicos a ele devido às deficiências que estes apresentam para a realização correta da regulação e da execução dos contratos.
“Órgãos públicos e empresas dão muito poder de barganha para o TCU”, lembrou Rosilho.
A falta de coordenação também foi apontada pelo professor Lodge durante sua fala. Ele reconheceu que o país é avançado em termos de capacidade regulatória, mas que elas são desperdiçadas por falta de coordenação:
“Por que não trabalham juntos?”, questionou o professor. “Todos pensam que ganham em culpar uns aos outros, mas ninguém ganha com isso”.