Geraldo Campos Jr., da Agência iNFRA
A revisão do hidrograma da hidrelétrica de Belo Monte afetaria a estrutura do projeto e colocaria em risco a segurança energética do país, disse à Agência iNFRA o presidente da Norte Energia, Paulo Roberto Pinto. O hidrograma é a vazão de água que deve ser liberada e o volume disponível para a geração da usina. A discussão neste momento está no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
No mês passado, o órgão ambiental emitiu despacho dando quatro meses para a Norte Energia apresentar a proposta de um novo modelo. O Ibama tenta mudar o hidrograma original de Belo Monte, aumentando a liberação de água para a chamada Volta Grande do Xingu. O executivo afirmou que a empresa entrou com um recurso administrativo contra a decisão e que levou o tema ao TCU (Tribunal de Contas da União).
Em entrevista, o executivo também falou sobre a possibilidade de construção de uma nova barragem para estabilizar a geração de Belo Monte, o que está em estudo. Ele comentou ainda a disputa judicial que a geradora trava com transmissoras de energia, que pedem o ressarcimento de encargos, e anunciou que um acordo está perto de ser fechado na Justiça. Leia abaixo:
Agência iNFRA – Belo Monte está completando seis anos de operação plena, com todas as turbinas. Qual é o papel da usina hoje para o sistema elétrico?
Paulo Roberto Pinto – O governo diz claramente que Belo Monte é uma usina essencial para a segurança do SIN [Sistema Interligado Nacional]. Se não tivesse Belo Monte, a gente estava queimando hoje mais gás, óleo e carvão para segurar o sistema. A segurança energética estaria comprometida, além das emissões. O país não pode ficar sem luz. Tem a solar, que vai até às 17h, e os ventos que entram mais lá pela 0h. Entre 17h e 0h, aciona hidrelétrica ou térmica. É aí que Belo Monte entra no sistema e alivia não só o custo financeiro, como as emissões. Ainda que com limitações, pois temos a questão da sazonalidade.
Como é esse desafio nos meses de seca, por ser uma usina a fio d’água?
A gente consegue operar neste período com uma, duas ou três máquinas – sendo que cada turbina tem 610 MW (megawatts) – rodando para atender a ponta do sistema. Neste período não dá para atender o sistema com toda a capacidade. Nós estamos no pior ponto de seca do Norte. Hoje estamos conseguindo entregar de 3.000 a 3.200 MW médios para a ponta.
Quando a gente começa a ter água, a capacidade de geração é enorme. Aí jogamos 6, 7, 8, 9 GW (gigawatts) para o sistema. Quando começa o período úmido lá, ainda é seco no Sudeste/Centro-Oeste, onde estão 70% dos reservatórios do país. Belo Monte, ao gerar no seu período úmido, ajuda que as usinas do Sudeste com reservatório guardem água. E quando começa a seca no Norte, as usinas do Sudeste estão com os reservatórios cheios.
A gente tem sim uma ociosidade grande das máquinas neste período. Nós aproveitamos para fazer manutenção, mas poderíamos estar entregando muito mais ao país, porque o projeto foi pensado lá atrás para ter reservatório. Falta o reservatório para botar a usina gerando o tempo todo.
O senhor já falou da possibilidade de uma nova barragem na cabeceira para ser uma espécie de caixa d’água para Belo Monte. Como está essa ideia?
Isso ainda está em estudo. A barragem a montante seria uma maneira de estabilizar Belo Monte. Ou seja, gerar como se tivesse reservatório. Seria uma barragem sem máquina, apenas com comporta, que jogaria água a montante dali para Belo Monte, que geraria mais. Claro que tem implicações ambientais, tem implicações indígenas. Precisa ser bem estudado.
É uma coisa difícil de superar, nós sabemos. E a primeira questão a superar é: qual é a área? E aí que o estudo entra. Ali tem área indígena. E hoje a relação com a comunidade indígena é diferente do que foi lá atrás. E eu acho que tem que ser diferente mesmo. Eu acho que podemos pensar em um modelo em que os indígenas tenham uma remuneração pelo uso das terras. Mas tem que haver uma mudança significativa na concepção original dos projetos para se pensar hidrelétrica na Amazônia.
Recentemente o Ibama pediu à Norte Energia uma proposta de revisão do hidrograma de Belo Monte. Como está esse processo hoje?
Esse é um dos desafios que nós temos agora. A discussão do hidrograma está no bojo da revisão da licença de operação. A licença está em vigor porque, pela lei, quando você entra com requerimento pedindo a prorrogação da licença de operação, ela automaticamente está renovada. Está indo para o terceiro ano que ela está renovada, mas ainda precisa ter a decisão. E quando você discute o hidrograma, você está discutindo quais serão as obrigações do projeto.
Eu estive com o ministro do TCU Benjamin Zymler, mostrando a ele o projeto e a importância da usina para o sistema elétrico brasileiro. O tribunal fez um trabalho sensibilizando para isso, pedindo que o Ibama considerasse a importância da usina para o sistema interligado nacional na questão do hidrograma. E na semana seguinte em que o TCU divulgou o acórdão, o Ibama me cobrou para em quatro meses eu apresentar um outro hidrograma. Nós entramos com um recurso administrativo contra a decisão do Ibama e já levei isso ao TCU também.
O que preocupa neste processo?
Tem duas coisas na recomendação do Ibama, além de ir de encontro à recomendação do Tribunal de Contas, que ao nosso ver são críticas. A primeira é quanto às recomendações sobre projetos e planos de metas ignorando os estudos que a Norte Energia fez. Usaram um instituto e não leram os nossos argumentos.
A segunda é com relação ao hidrograma A, que o Ibama pede para excluir. Hoje temos o A e B, chamado de hidrograma de consenso, que está no EIA/Rima [Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental]. O hidrograma A diz o seguinte: em um ano, você põe menos água para a Volta Grande do Xingu e aumenta a sua capacidade de geração. No ano seguinte, que é o hidrograma B, você põe mais água para a Volta Grande e põe menos para geração.
O EIA/Rima lá atrás diz que a partir da entrada de 100% da operação, que foi em 2019, durante seis anos, as partes acompanharão os impactos ambientais previstos desses dois hidrogramas. Esses seis anos terminam agora, em novembro de 2025. Mas o Ibama nunca nos deixou aplicar o hidrograma de consenso, porque, quando a usina entrou em operação, eles disseram: aplica o B, mas não aplica o A. Então eu nunca testei o hidrograma A, previsto pelo EIA/Rima, e agora já pedem uma revisão tirando o A. Esse é um dos pontos que está no recurso administrativo.
Como essa revisão do hidrograma afetaria a geração e a própria empresa?
O grande argumento nosso é que quando se corta o hidrograma A, mexe na geração do projeto, na capacidade da usina. E isso afeta a segurança energética do país. Vai cortar energia de Belo Monte. Então não é só o valor que a empresa perde, perde o país. Então na revisão do hidrograma a gente vai brigar pelo A e B.
Baseado na experiência de Belo Monte, o que o senhor acha que precisa ser melhorado no modelo de licenciamento, em especial para viabilizar novas hidrelétricas e outros projetos estratégicos?
Eu tenho para mim a convicção de que as decisões estratégicas precisam estar na cúpula, pensando numa visão de estado. Seria usar o CNPE [Conselho Nacional de Política Energética], que tem 15 ministros mais representantes da sociedade civil, e esse conselho pegar projetos estratégicos, analisar as considerações que o Ibama fez e tomar a decisão. Não seria só o Ibama dizer que não vai fazer, como diz hoje. O Ibama tem um papel fundamental. O órgão técnico tem que ter potencial, capacidade e competência para subsidiar a visão estratégica do governo. Mas o governo é que tem que decidir.
Sobre a disputa judicial com as transmissoras, em que elas pedem ressarcimento, como está hoje? Qual o entendimento de Belo Monte?
Acho que isso deve ser resolvido em breve. Essa situação tem hoje um valor que deve estar na faixa de uns R$ 400 milhões para entregar para as transmissoras e está retido. O processo caminha para uma conciliação, faltando uma manifestação que, quando sair, o juiz deve despachar autorizando a liberação dos recursos.
A gente segurou uma parte desse recurso e há uma resistência muito grande com relação a esse posicionamento da Norte Energia. Mas, veja, a legislação do setor elétrico é toda baseada em hidrelétrica com reservatório. Então, quando o ONS diz ‘para de gerar’, se eu tenho reservatório, eu guardo água. Numa usina como Belo Monte, eu também sou intermitente. Quando diz para de gerar, eu jogo a água fora. Hoje temos essa ação na Justiça que vai a R$ 600 milhões de receita perdida por conta disso.
Nosso pleito foi para não pagar o valor equivalente à energia que eu não gerei, porque mesmo assim eu pagava a taxa da transmissão sem usar [a rede], para os outros usarem. Só que, no despacho que o juiz fez lá atrás, em vez de reter o valor que a Norte Energia identificou que era dela na linha, ele reteve toda a arrecadação de um mês da linha. Então, nós estamos fechando um acordo judicial, em que eu vou reter algo na casa de R$ 100 milhões e continuar brigando na Justiça. E liberar o restante para as transmissoras, algo superior a R$ 400 milhões. Está na fase final de conciliação.








