Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O novo presidente da CNT (Confederação Nacional dos Transportes), Vander Costa, 51 anos, vinha costurando para assumir o cargo com uma missão fixa na cabeça: convencer os governos de que o investimento em infraestrutura é essencial para o desenvolvimento do país.
Mas, em dezembro, logo após ser eleito para mandato de quatro anos, essa missão teve que ir para segundo plano. A urgência foi causada pelos arroubos linguísticos do ministro da Economia, Paulo Guedes, que sugeriu “dar uma facada” no Sistema S.
“Transferir os recursos do Sistema S para o governo federal é dividir por um quarto a quantidade de pessoas treinadas”, defende o novo presidente da entidade que anualmente faz 1 milhão de horas de treinamento para o setor.
Mineiro e empresário do setor de transporte rodoviário de carga, Costa é formado em Administração e Direito e milita no movimento sindical há mais de 30 anos. Segundo ele, além de defender o Sistema S, o setor de transporte também tem outra urgência: resolver o problema da tabela de frete, feita, segundo ele “mal e porcamente” pelo governo.
Vander Costa afirmou que vai pedir ao STF (Supremo Tribunal Federal) que julgue o mais rapidamente possível ações que contestam a validade da lei que criou a tabela porque, segundo ele, a insegurança jurídica hoje é o que mais prejudica o setor. Para Costa, há risco de, se mantida a política de aumentos diários da Petrobras no diesel, haver nova greve de transportadores.
E sobre infraestrutura, será que ainda vai dar tempo de fazer algo? Vander Costa diz que a área técnica da entidade segue apresentando estudos e trabalhos sobre o setor para mostrar os caminhos ao governo, vai trabalhar na defesa do sistema de concessões e na abertura para estrangeiros.
“Eles têm recursos e querem vir para cá. A única coisa que precisa para vir é segurança jurídica”, disse o presidente nesta entrevista para a Agência iNFRA, na sede da confederação na semana passada.
Agência iNFRA – Por que o senhor aceitou esse desafio de substituir um presidente que permaneceu por 26 anos no cargo?
Vander Costa – O Clésio ficou aqui 26 anos e criou e consolidou o sistema Sest/Senat. Eu milito no sistema sindical há 30 anos. Comecei no sindicato de Minas Gerais, passei pela Federação e sempre estive envolvido com comissões da CNT. Minha atuação era específica no Transporte de Carga, mas como dirigente sindical naturalmente você quer crescer e chegar ao topo, que é a presidência da CNT. Quando ele falou que era o último mandato dele, começamos a debater e coloquei meu nome à disposição. Quando meu nome foi escolhido, aceitei o desafio de coordenar o trabalho nos próximos quatro anos.
E o que o senhor considera ser o seu maior desafio?
Até novembro do ano passado o maior desafio para nós era convencer os órgãos públicos de que investir em infraestrutura de transportes é o melhor caminho para promover o desenvolvimento econômico. Mas de dezembro para cá, com a palavra do Paulo Guedes de que queria dar uma facada no Sistema S, tivemos que colocar como prioridade também a defesa do Sistema S.
Por quê?
É uma verba compulsória que tem gestão privada. E a gestão privada é mais eficiente que a pública. Consigo treinar um funcionário do transporte a R$ 40 por hora ao passo que se você vai no mercado isso custa duas a três vezes. Transferir os recursos do Sistema S para o governo federal é dividir por um quarto a quantidade de pessoas treinadas.
O que o Sistema S, além do treinamento, está fazendo em relação a denúncias – em vários órgãos, não só no Sest/Senat – de mau uso dos recursos?
Nosso sistema também teve denúncia, a última em 2014. O que fizemos foi investigar e tomar medidas até judiciais cabíveis para afastar as pessoas e entrar com ações para reparação de danos e, na penal, para caracterização do crime. No Sest/Senat, de 2014 para cá, deixamos de ter só auditoria interna. Fizemos compliance em todas as nossas contas que vão para a CGU, cumprimos todas as recomendações deles. Noventa por cento das nossas compras são por licitação pública. Não tem carta convite direcionada. O que tem fora é para o que precisa de notório saber.
Quantas pessoas são treinadas e qual seria a consequência da retirada de recursos do sistema?
Ano passado batemos recorde de treinamento com um milhão de horas treinadas. Teríamos de duas consequências uma, ou talvez até as duas. Todo treinamento que damos no sistema é feito de forma gratuita. Não seria. A outra seria reduzir a quantidade de vagas para adequar ao orçamento. Apesar de não estarmos submetidos à Lei de Responsabilidade Fiscal, temos isso como cultura empresarial. O Sest/Senat não visa lucro, mas não gastamos mais do que recebemos. O limite é a receita. Nossos planejamentos são com olho nisso. Se cortar, nós vamos cortar, até por responsabilidade mesmo. Não será retaliação.
E há alguma proposta para mudar isso?
Estamos levando ao governo o oposto. Podemos treinar mais e com mais qualidade. Abrimos um diálogo bom com o ministro [da Cidadania] Osmar Terra que está com a ideia de qualificar pessoas em situação de vulnerabilidade para permitir que famílias do Bolsas Família possam sair do programa. Não é cortar o programa. É qualificar para ter emprego digno e sair pela porta da frente e não precisar mais. Estamos trabalhando para oferecer algo perto de 200 mil vagas por ano. Precisamos ajustar a legislação porque só podemos treinar o trabalhador em transporte de qualquer modal, mas a pessoa que está nesta situação é desempregado. Então temos que fazer um convênio, até com o apoio do TCU, para excepcionalmente treinar pessoas que estão fora para atraí-las para o mercado. Queremos formar motoristas, arcar com o custo de autoescola, por exemplo, para que possam ir para o mercado.
O senhor acha que a forma como o ministro Paulo Guedes fez as intervenções atrapalhou nesse tipo de negociação?
Acho que não foi a melhor forma de comunicar usar o termo dar uma facada. Se tem distorções no sistema, tem que apurar e corrigir. Temos problemas na saúde, com desvios no SUS, até com cesariana em homem. Cortar a verba do SUS vai ser a solução para a saúde do Brasil? Não. A solução é cortar o desvio. Nossas contas foram aprovadas pelo TCU até 2017. As duas pequenas ressalvas imediatamente corrigimos. Se encontra erro, a gente corrige para evitar o problema no futuro. O melhor caminho é conversar com o governo e ver o que ele precisa. Fizemos um programa em Minas Gerais sobre automatização de lavouras de cana. Aquilo ia deixar um monte de trabalhadores sem emprego. Treinamos eles para virarem motoristas. Hoje, eles dirigem caminhão, colheitadeiras. Se chamar todo o Sistema S, não vai ter disputa. O diálogo é a melhor forma e ouso dizer que o Paulo Guedes quis enganar as pessoas dizendo que queria colocar o dinheiro no Governo. Não há como fazer isso porque a destinação dos recursos do Sistema S é constitucional. Aí teria que fazer uma emenda constitucional e não é tão simples. É prerrogativa do Congresso.
E eles estão vendo como é difícil aprovar uma…
O diálogo é a melhor coisa. Nós sabemos onde as empresas precisam de qualificação. O governo pode ajudar e queremos ouvir para atender no que for possível.
Mas o senhor vai abandonar a prioridade que tinha até antes de novembro, o desenvolvimento da infraestrutura? Como dar o dinamismo que ela precisa?
Já fizemos até trabalho internacional de captação de pessoas interessadas em investir em infraestrutura no Brasil, na Europa, na China. Eles têm recursos e querem vir para cá. A única coisa que precisa para vir é segurança jurídica. Essa parte da Previdência agora está atrapalhando também porque o pessoal não quer investir num país que não sabe como vai ser no ano que vem. O governo não tem recursos para investir o necessário. Seria melhor que tivesse, mas não tem. Entendemos que o caminho é fazer as PPPs.
Mas como fazer PPP se o governo não tem dinheiro?
Mas ele pode pegar uma rodovia feita que precisa ser duplicada e considerar que a participação do governo é a rodovia, por exemplo, e o capital de fora teria a obrigação de investir. Mas num modelo diferente do que foi no passado. Rodovia, ferrovia, aeroporto com recurso exclusivo do BNDES. O investidor tem que ter condição de investir com capital próprio ou captar no mercado financeiro. Falta de recurso do BNDES não pode ser motivo para não dar seguimento ao que foi planejado. Outro ponto que defendemos é acabar com outorga.
Por quê?
O governo deve ficar satisfeito nesse processo de deixar de ter que investir e deixar de ter a obrigação da manutenção. Já economizou duas vezes. E ao ter investimento privado, gera emprego e renda. E ainda gera imposto. Melhora o caixa em duas pontas. Tem que ser suficiente. Quando coloca outorga, você vai onerar o usuário final.
No caso das rodovias, o sistema federal é feito sem outorga. Análise técnicas apontam que o desconto na tarifa deu margem a comportamentos abusivos das empresas que acabaram não fazendo os investimentos. Como dá para sair dessa armadilha?
Essa ideia de cobrar outorga é defendida pelas concessionárias. Tem que pesquisar porque elas querem aumentar o custo delas. Agora, eu queria entender e estamos estudando isso, porque para retomar concessão que não cumpriu obrigação de investimento tem que indenizar em valores caros, de R$ 5,8 bilhões. Quero entender porque cancelar um contrato em que o contratado não cumpriu as obrigações eu tenho que indenizar. Para mim, é o contrário. Se não cumpriu, eu vou é aplicar multa contratual. Se isso é verdade, é um erro grosseiro no edital de licitação. No privado, quando contrato e uma empresa não cumpre o contrato, tem multa pelo não cumprimento. Se houve desvio por causa de baixo valor, é erro que você corrige na origem. Mas a qualidade da estrada é pior? É só especificar, conferir e cobrar. Outorga é pedágio mais caro. E pedágio mais caro é frete mais caro, Custo Brasil mais caro. O que atrapalha nosso desenvolvimento é o Custo Brasil.
Mas há outros problemas com as rodovias…
Outro ponto que temos defendido é cobrar por toda a utilização da via. Por regra, as praças ficam a 70, 80 quilômetros do centro urbano. Se todo mundo pagar, vai ficar mais barato. O direito de ir e vir do cidadão urbano tem que ser garantido por transporte público de qualidade. Um ônibus que leva 40 a 50 pessoas paga o mesmo que dois automóveis. Na parte urbana, tem que ter transporte coletivo de qualidade.
Mas o transporte nem sempre é de qualidade…
Sofremos com a pirataria. Levamos o estudante, o idoso, sem cobrar nada. O clandestino não leva.
Que outros custos, além da pirataria, impactam de forma relevante o setor?
A gratuidade chega a 18% e tem a queda de receita pela pirataria. No caso da mobilidade, também temos que pensar ela de forma grande, em carga e passageiro. Tem que ter metrô, trem de passageiro. Na década de 1960, o transporte de passageiro intermunicipal por trem era real, acontecia em grande volume. Acabou. Você vai para o interior e vê as estações de trem abandonadas. Não vemos essa preocupação nas novas concessões ferroviárias.
É uma reclamação grande de vários especialistas. Há forma de fazer diferente?
A forma de fazer isso é colocar no edital que o vencedor que não quiser explorar, obrigar a dar direito de passagem a custo baixo. É caro investir numa linha, comprar locomotiva e vagão de passageiro. Se tirar a obrigação de investir na linha, dando o direito de passagem, é mais fácil atrair porque o capital é menor.
Inclusive nas renovações?
Querem vender o direito de explorar para investir em outro lugar. Por que não obriga a uma melhora no traçado das ferrovias, que são obsoletas, para aumentar a velocidade do trem? A média aqui é de 20 km/h. Na Europa é 80. Isso aumentaria a capacidade de carga em quatro vezes.
O governo diz que está contemplado o investimento na linha e a sobra é que iria para outro lugar…
Eles contemplam a manutenção da linha. Não tem a melhoria do traçado. Se melhora o traçado e aumenta a velocidade, você atrai o passageiro.
Outro desafio que todos que passam aqui enfrentam é a questão do frete rodoviário. Agora, houve o tabelamento que é criticado por todos os lados. Como a CNT está se posicionando em relação a isso?
A greve foi tida como greve de autônomos, os quais não representamos. Convivemos com eles diariamente, conhecemos bastante. Sobre o tabelamento, a lei que criou a tabela foi necessária. Não motivou e nem estava na pauta da greve, mas vendo as fragilidades do governo, as lideranças dos carreteiros impuseram isso. O governo cedeu e colocou aquela tabela mal e porcamente. Você não consegue fazer uma tabela de frete em cinco horas.
E como fazer?
O que mais queremos agora é uma definição rápida do Supremo. Vou pedir encarecidamente ao ministro Dias Toffoli para pautar e julgar. A favor ou contra? Para nós é irrelevante. O importante é ter uma segurança jurídica, uma definição sobre se a tabela está vigorando ou não.
Por quê?
Algumas empresas cumprem, outras não. Já tem gente fazendo passivo para entrar na Justiça para cobrar a diferença. Essa insegurança desestimula investimento no Brasil. Uma empresa que vem para cá e vai demandar muito transporte fica na dúvida sobre se paga preço de mercado ou a tabela. A definição é o mais importante.
Mas e se a tabela permanecer?
Não há como fazer uma tabela que agrade a 10% do pessoal. Não é todo mundo. É 10%. O custo varia muito por região do Brasil. Varia em função do tipo de estrada, tipo de caminhão, de motorista. Para ter uma ideia, só um item, o diesel. O preço não é tabelado e tem preços diferentes no Brasil. Preços diferentes vão gerar custos diferentes. A média de consumo, um mesmo veículo, muda em função da máquina e do motorista. O motorista pode economizar até 10% do combustível em função da forma que dirige. Um plano é mais barato que subir uma serra. É impossível chegar numa tabela que reflete o custo.
Qual seria a solução para chegar a um equilíbrio, já que o ministro da Infraestrutura diz que os custos são elevados para as empresas e baixos para o que os autônomos têm que receber?
Não consigo entender isso. Ele fala que o embarcador paga muito e o carreteiro recebe pouco. Isso não tem lógica. Se faz uma nota fiscal, o que paga ali é o que recebe do outro lado. Atravessador do meio existe o chapa, mas tem até o eletrônico. Mas isso é residual. Se tiver perda, é fácil fiscalizar. Hoje é tudo eletrônico. Faz a vistoria sentado na cadeira. A questão é que o preço do transporte não remunerava o custo variável na época da greve. Se você paga o diesel e não sobra para comer, o pessoal fica revoltado. Mas isso é lei de mercado, oferta e procura. A tabela pode resolver um problema para quem não tem capacidade de negociar comercialmente. Ela não é a solução.
Voltamos nas últimas semanas a ter aumentos do diesel. Podemos voltar a ter problemas na frente, já que não está resolvido o problema da oferta e procura?
Foi isso que provocou a greve de junho. Aumento com frequência. Não é o percentual. Se o governo dá uma tacada de 10% do diesel, o mercado chora, sofre, mas acaba negociando. Tem uma perda de uns dias mas isso acaba passando ao cliente. Aí você cai no embarcador. Em dezembro de 2017, o governo aumentou o PIS/Confins em uns 10%. Ninguém falou em greve. O que provocou a greve foi a volatilidade do diesel. Nós alertamos. Não temos capacidade de fazer hedge para aumentos diários, o que a Petrobras tem. Coincidentemente, a ameaça de greve há uns 15 dias foi após aumentos em período curto. O clima era o mesmo. A volatilidade do diesel é que pode provocar novo movimento de greve.
Como fazer então?
O subsídio não resolveu problema nenhum. Só sangrou o caixa do governo. Defendemos que a Petrobras tem que trabalhar com preço de mercado, mas eles têm que aumentar a concorrência. O subsídio só afastou a concorrência dos importadores. Há uma ferramenta que é o imposto flexível. Se você eleva a Cide em 5%, fica um bolsão. Se a Petrobras quiser aumentar todo dia, ela não precisa, repito, mas se quiser, na hora que chegar perto do imposto que você colocou de teto, você aumenta de novo. Isso não atrapalha o governo. E isso acaba com a volatilidade no preço da bomba. A Cide já permite isso e evita essa variação. Quando saiu de 15 dias em 15 dias, é melhor que todo dia. Esse gatilho vai ficar 2 a 3 meses e dá tranquilidade para o transporte.