Lucas Santin, da Agência iNFRA
O setor energético passa por profundas transformações, com inovações tecnológicas, mudança na matriz e também por um maior protagonismo do consumidor, que quer gerar sua própria energia. Neste novo cenário, mais descentralizado, a liderança do crescimento do mercado de energia do Brasil nos próximos dez anos virá do segmento eólico, segundo a presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), Elbia Gannoum.
“O Plano Decenal de Expansão confirma aquilo que já está sendo previsto tanto pela Agência Internacional de Energia, quanto pela Agência Internacional de Energias Renováveis ou pela Bloomberg New Energy Finance, que mostram em seus relatórios que a energia eólica vai crescer nos países nos próximos anos. E vai crescer muito”, disse ela.
De acordo com a executiva, desde 2017 os preços da fonte eólica vêm caindo fortemente, no Brasil e no mundo, devido às inovações tecnológicas e aos novos modelos de negócios. No Brasil, este fator ainda é mais perceptível, segundo Elbia, devido à natureza do vento brasileiro, somada à construção de uma cadeia produtiva nacional para a fonte eólica.
Hoje, cerca de 80% dos equipamentos dos aerogeradores são produzidos no Brasil e, além disso, as condições de financiamento da expansão do sistema elétrico via mercado livre foram aperfeiçoadas. Todos esses fatores contribuem para a sustentabilidade da energia eólica no país, segundo a executiva.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista da presidente da Abeeólica à Agência iNFRA:
Agência iNFRA – Atualmente o ambiente é favorável ao investimento em geração eólica no Brasil?
Elbia Gannoum – Sim. A fonte eólica vai liderar o crescimento do mercado de energia no Brasil. Quando você pensa em matriz futura daqui a dez anos, a liderança vem pela eólica. No PDE (Plano Decenal de Expansão), nós estamos crescendo uma média de 3 GW por ano e nós vamos chegar no final de 2029 com 39,5 GW de capacidade instalada. Esse é o planejamento indicativo do PDE. Hoje nós estamos com 15 GW.
Aí, olhando para o futuro, o PDE confirma aquilo que já está sendo previsto tanto pela Agência Internacional de Energia quanto pela Agência Internacional de Energias Renováveis ou pela Bloomberg New Energy Finance, que mostram em seus relatórios que a eólica vai crescer nos países nos próximos anos. E vai crescer muito, principalmente no Brasil.
Mesmo com as mudanças que estão sendo planejadas?
Nós vamos crescer em um mercado completamente distinto do mercado que tivemos até agora, de 2009 a 2019. E por que é completamente distinto? Porque o mundo mudou.
Então nós temos: ponto 1, inovações tecnológicas; ponto 2, mudança forte na matriz brasileira, que antes era hidrotérmica e agora tem renováveis, com a eólica liderando esse processo; e ponto 3, um papel mais importante do consumidor, na medida em que ele próprio quer gerar sua energia e quer trazer novas tecnologias.
É com base nesse tripé que o governo federal propôs as mudanças no setor elétrico que, aliás, já faz tempo que precisa mudar. E parece que agora vai, tudo indica que vai.
E o que a Abeeólica acha do modelo que o governo está propondo?
De forma geral, estamos de acordo os pontos da mudança. Acompanhamos de perto essas discussões. Tem alguns pontos que estão mais sensíveis. Outros, nem tanto.
O que acha da retirada de subsídios no setor, já que a fonte eólica tem alguns benefícios?
Estamos de acordo com a retirada dos subsídios, desde que seja para todas as fontes. Isso é o que está sendo proposto pelo governo, e é o que está também nos projetos de lei, tanto o 1.917/15 (Câmara) quanto no 232/16 (Senado).
Então, a gente acha que está na hora, sim, de retirar os subsídios. Não naquele conceito de que não precisa mais. Não é isso. Mas sim no mecanismo de precificação dos modelos de leilões.
Como assim?
Os leilões são feitos por fonte. Então não existe competição entre duas fontes diferentes, como eólica e biomassa. Quando a ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica] estabelece o leilão, ela diz qual é o preço-teto da biomassa, qual é o preço da eólica e que essas duas coisas não estão relacionadas. Então, não precisa dar subsídios para as fontes, porque você as precifica de acordo com as características técnicas e econômicas de cada uma. É por essa razão que eu acho que não existe a necessidade de subsídios. Você precifica adequadamente.
Um outro ponto que a Abeeólica questionou no passado foi a adoção do PLD (preço de liquidação de diferenças) horário…
Nós estamos de acordo com a operação a partir de 2020 e a precificação só em 2021. Aliás, foi um pleito nosso [adiar a precificação de 2020 para 2021], achávamos que não estava maduro ainda para entrar já em 2020 a precificação. Nós estamos de acordo, mas estamos atentos. Estamos estudando, vamos acompanhar o tal do preço sombra, para aplicação em 2021.
Agora, o PLD horário, a gente concorda com o conceito porque a matriz mudou. Mas ele nos atinge sensivelmente, porque nós somos fontes variáveis. Então a nossa geração varia ao longo do dia e ao longo da noite. Então o preço horário nos afeta, sim, mas nós não somos contra. Nós sabemos que é importante, que tem que ser aplicado. Agora, nós precisamos nos preparar para isso.
E sobre a separação de lastro e energia?
Este é o ponto em que nós estamos prestando mais atenção. Nós conhecemos a proposta do governo, estamos acompanhando e discutindo. O único ponto, assim, que mais nos afeta, é a questão da financiabilidade. Quando você separa lastro e energia, você praticamente divide aquele contrato que nós estamos acostumados no ACR (ambiente de contratação regulada), em dois.
No caso da eólica, ela é uma fonte variável, então tem pouco lastro e muita energia. Se eu vender só o lastro num ambiente regulado, eu vou ter dificuldades para financiar o meu projeto.
Então o ponto da financiabilidade é o que mais nos afeta. Nós estamos participando das discussões no sentido de zelar por essa financiabilidade. Não estou dizendo que não está tratada lá. Está. Mas esse é o nosso ponto de atenção.
O que levou ao crescimento expressivo da energia eólica no Brasil?
Nós completamos dez anos da realização do primeiro leilão de energia eólica em 2019. E somos hoje a segunda maior fonte de energia na matriz elétrica brasileira, atrás apenas da hidrelétrica.
Só que o ambiente de contratação regulada, o ACR, se reduziu bastante nos últimos anos. E isso poderia ser um grande problema para nós. Porque, afinal de contas, a energia eólica nesses dez anos criou uma base muito estruturada no Brasil, de conteúdo nacional, com recurso do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social].
Hoje, 80% do nosso aerogerador é produzido dentro do Brasil. Nós trouxemos fábricas para cá. Nós trouxemos muitos investidores para o Brasil. E é muito importante que a gente tenha uma demanda média por ano, para sustentar esses investimentos que vieram para o Brasil. Então se você tem um mercado que não cresce, ou que ainda reduz e que não tem boa perspectiva, isso não é um bom sinal para o investimento.
Mas aí, o que que aconteceu: com essa redução do mercado livre, nós fomos buscar outras alternativas e, a partir de 2018, nós tivemos um grande alcance no mercado livre. O próprio BNDES já criou um mecanismo de financiamento no mercado livre, lançado em outubro do ano passado.