Breno Zaban* e Frederico Turolla**
Um argumento comum contra permitir construções mais altas em cidades é que elas exigem demais da infraestrutura local. Neste texto, queremos trazer uma perspectiva diferente: quanto mais densa a cidade, mais viável a oferta de infraestrutura de qualidade.
Lotes mais densos são mais capazes de pagar pelos serviços de infraestrutura, já que a mesma área concentra mais usuários geradores de receita para concessionários de serviços públicos. E podem também ser mais econômicos aos usuários, pois os custos de implantação de redes e de trajetos são bem menores, na média, por usuário atendido.
Isso significa que, tanto do ponto de vista (a) de geração de receitas para financiar a infraestrutura em cada lote quanto (b) dos custos de implantação por usuário e da eficiência dessa infraestrutura, é claramente vantajoso que a cidade seja o mais densa possível.
A título de ilustração, a tabela a seguir oferece uma comparação sobre a receita que um lote quadrado de 20 metros de lado pode gerar em níveis de densidade diferentes. Note-se que essa é uma comparação simplificada, como pode-se observar na nota explicativa ao fim deste texto; o objetivo é ilustrar o nível de magnitude de receitas que podem ser obtidas no mesmo lote, e não dar uma informação precisa sobre consumo médio:
Um cálculo similar pode ser feito para as receitas do governo, que é responsável por arcar com os custos de infraestrutura não fornecidos por concessionárias. Supondo um IPTU constante de 1%2 sobre o valor venal do imóvel, quanto maior o valor das unidades construídas no lote, maior a receita pública. Uma casa de R$ 500.000,00 pode gerar receita de R$ 5.000,00 por ano; já um prédio de 80 apartamentos de R$ 350.000,00 viabiliza mais de R$ 280.000,00 de receita anual. E toda essa receita adicional pode3 ser usada para prover a infraestrutura de um único lote de 400 m².
Receitas são uma parte da equação. A outra parte envolve custos. Prover infraestrutura para um prédio de 20 andares é com certeza mais caro e complexo do que para uma casa, mas os custos variam em proporção menor que as receitas geradas. A questão, então, é a seguinte: qual é a diferença de custos, e ela é compensada pela receita adicional?
A figura abaixo ilustra essa dinâmica usando um dos serviços básicos que são disponibilizados às residências: água encanada. O eixo vertical indica a densidade urbana, medida pela extensão média, em metros, da rede de água por domicílio na cidade, ou seja, quanto de rede é necessário para chegar a cada habitação no município. O eixo horizontal indica o dispêndio médio com água por habitante na cidade.
O que se pode observar no gráfico é uma relação negativa entre a densidade do município e o quanto os cidadãos gastam, na média, com a conta de água em seus domicílios. Ou seja: quanto mais densa a cidade, menor é o custo dos habitantes com água.
Municípios menos densos quase invariavelmente apresentam valores de conta de água mais altos. É importante notar que essa tendência é observada apesar de tais municípios frequentemente subsidiarem contas de água. Isso significa que, caso o custo real arcado pela sociedade fosse considerado, os custos da menor densidade seriam ainda maiores.
Um problema adicional é que municípios de menor densidade frequentemente deixam de realizar investimentos, manter instalações ou até mesmo observar níveis mínimos de qualidade dos serviços. Isso leva a tarifas artificialmente baixas quando a densidade também é baixa, já que não estão pagando pelos custos de investimento e operação necessários. Se fosse possível corrigir esse viés, certamente a relação entre densidade e despesa se mostraria mais acentuada.
Essa ideia de menor custo será mais ou menos aplicável de acordo com as condições específicas do lote. Dependendo das condições do terreno, das dificuldades de ajuste de infraestrutura, do projeto de infraestrutura urbana, entre diversas outras variáveis, pode ser substancialmente mais caro construir em maior densidade. Por outro lado, especialmente em cidades espraiadas e constrangidas por engarrafamentos, os ganhos de produtividade decorrentes de maior densidade podem justificar gastos excepcionais.
Em conclusão, tem-se que maior densidade urbana (1) gera mais receitas para financiar infraestrutura e (2) pode reduzir o custo de provisão de infraestrutura e serviços públicos para a população. Isso se deve à otimização da aplicação de recursos em urbanização, pois quanto maior a densidade habitacional, menor o gasto com a infraestrutura e manutenção dos serviços urbanos por habitante.
Aumentar densidade é, assim, uma ferramenta relevante para a melhoria da produtividade da economia brasileira, pois reduz o volume de recursos necessários para que a população tenha acesso universal ao transporte coletivo, ao saneamento básico e às redes de telecomunicações. Cidades mais densas também viabilizam eficiência em transportes, diminuindo o consumo de energia e o uso de combustíveis. Em outras palavras, o aumento da densidade nos espaços urbanos melhora a infraestrutura nacional e a sua eficiência.
Com base neste raciocínio, o infra2038 decidiu realizar debate público sobre as vantagens de maior densidade urbana. Ao longo dos próximos meses, serão debatidas normas de uso e ocupação de solo, métodos de aproveitamento de bens públicos, promoção de habitação popular no centro de cidades e técnicas para provisão de mobilidade urbana de qualidade. Em 24 de fevereiro, o Projeto infra2038 conduzirá seu primeiro encontro com especialistas para discutir as ideias deste artigo. Acompanhe o encontro em tempo real ou assista a nossa discussão no YouTube. Novos debates e eventos serão divulgados em nossa coluna na Agência iNFRA.
1 A tabela foi elaborada a partir de um cálculo linear que considerou a receita esperada de uma unidade de consumo típica e multiplicou esta receita pelo número de famílias. É um método simplificado que reconhecidamente não reflete nem as variações de consumo típicas em prédios de tamanhos diversos nem a grande diversidade de consumo ao longo de uma cidade. O objetivo é oferecer uma visão da magnitude da variação de receitas, e não um consumo médio confiável. Citam-se a seguir os métodos e fontes usados para cada número indicado:
1) eletricidade: receita por unidade em R$, obtida por meio do consumo médio de 162 KWh por mês (https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-153/topico-510/Resenha%20Mensal%20-%20Janeiro%202020_v4.pdf, último acesso em 02/02/22) multiplicado pela tarifa média de R$ 0,623 por KWh (https://www.aneel.gov.br/relatorio-ranking-tarifas, último acesso em 02/02/22);
2) internet: usado o preço mais baixo encontrado para assinatura de banda larga, de R$ 79,99 (https://www.claro.com.br/internet/banda-larga, último acesso em 02/02/22);
3) água: usado o consumo médio diário por pessoa de 152 litros (http://www.snis.gov.br/painel-informacoes-saneamento-brasil/web/painel-abastecimento-agua, último acesso em 02/02/22) multiplicado por três pessoas, 30 dias e pela tarifa média de R$ 0,00431 por litro (http://www.snis.gov.br/downloads/diagnosticos/ae/2019/Diagnostico-SNIS-AE-2019-Capitulo-12.pdf, último acesso em 02/02/22);
4) ônibus: tarifa média de R$ 4,30 https://www.sptrans.com.br/media/3195/aviso-ao-publico-006-19_10-embarques_v2.pdf, último acesso em 02/02/22), multiplicada por 30 dias por 2 viagens por família.
2 Como previsto no art. 7º da Lei 6.989, de 29 de dezembro de 1966, do município de São Paulo.
3 Aqui argumentamos apenas que os recursos podem ser arrecadados e então utilizados; não há vinculação necessária entre essa receita adicional e a infraestrutura daquele lote específico.
*Breno Zaban é doutor em direito (UnB) e mestre em Administração Pública (Harvard) e de Negócios (Insead). É sócio fundador do Zaban e Miranda Advogados.
**Frederico Turolla é doutor em Economia de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e sócio da Pezco Economics.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.