A sétima rodada de concessões de aeroportos

Dario Rais*

Desde o final de setembro está aberta a consulta pública da sétima e última rodada de concessões dos aeroportos da Infraero. A exemplo da sexta rodada, são três blocos, com um agrupamento geográfico menos lógico que o da rodada anterior. Mas a grande atração do certame está no leilão do Aeroporto de Congonhas (SP), principal ativo aeroportuário ainda gerido por um ente público.

O bloco que contém Congonhas (identificado por SP-MS-PA) conta ainda com os aeroportos de Campo de Marte (SP), Campo Grande (MS), Corumbá (MS), Ponta Porã (MS), Santarém (PA), Marabá (PA), Parauapebas (PA) e Altamira (PA). 

Os outros dois blocos são o Rio-Minas (RJ-MG) e o Norte II. O bloco RJ-MG compreende cinco ativos. Além do aeroporto de Santos Dumont (RJ), compõem o bloco os aeroportos de Jacarepaguá (RJ), Montes Claros (MG), Uberlândia (MG) e Uberaba (MG). Por fim, os aeroportos de Belém (PA) e Macapá (AP) formam o bloco Norte II.

Segundo informações da SAC (Secretaria de Aviação Civil), a contribuição inicial mínima para esta rodada é de R$ 897,7 milhões, com investimentos previstos em R$ 8,8 bilhões em todos os 16 aeroportos, que em 2019 movimentam 39,2 milhões de passageiros (26% do mercado).

Penso ser o momento oportuno para expor algumas observações e preocupações sobre a atual rodada de concessões desse exitoso programa.

Primeiro em relação à formação dos blocos. Inicialmente os aeroportos do interior do Pará compunham o bloco Norte II. Segundo consta, os resultados iniciais dos estudos indicaram que essa configuração não tinha viabilidade. Tomou-se a decisão de transferir parte do inviável para o bloco de Congonhas, que teria margem para absorver. A lógica de blocos regionais é para que as sinergias permitam que se otimize o papel do conjunto de aeroportos como alavanca do desenvolvimento regional. No cenário mais provável, o operador de Congonhas vai terceirizar a gestão desses aeroportos do Pará, tratando-os como apêndice secundário do negócio. Não me parece lógico que depois de rodadas de contínuos avanços, haja uma regressão para o primário “filé com osso” cujo maior objetivo é o caixa federal.

Minha segunda observação está ligada ao bloco RJ-MG, mais especificamente às colocações feitas por setores do Rio de Janeiro sobre uma eventual concorrência predatória entre os aeroportos do Galeão e Santos Dumont. Usando uma imagem bem informal, diria que esse pessoal está escalando a montanha errada… Santos Dumont vem operando na casa dos 10 milhões de passageiros anuais já há algum tempo e na melhor das hipóteses deve crescer 50%.

Se o objetivo desses críticos é assegurar que os aeroportos contribuam para o progresso do Rio, o melhor que podem fazer é propor alternativas que permitam um novo redesenho do contrato do Galeão com uma redução efetiva no pagamento da outorga. O aeroporto enfrenta sérias dificuldades para retomar o tráfego pré-pandemia, o que aumenta a probabilidade de inadimplência da concessionária face à outorga anual. Mas trata-se de um operador de primeiríssima linha. Justifica o esforço para garantir sua continuidade.

Finalmente, o Bloco SP-MS-PA. Minha preocupação inicial é com a perspectiva otimista que os estudos dedicam ao Aeroporto de Congonhas. Há indicações de um movimento anual da ordem de 35,7 milhões de passageiros. Por certo existem alternativas, tanto para o sistema de pistas e pátios como para os terminais de passageiros, que podem atender a essa demanda. Mas resta a indagação: como esse pessoal vai chegar (ou sair) do aeroporto? Antes da pandemia, com 20 milhões de passageiros-ano, não eram raros os relatos de perda de voo por conta do congestionamento no acesso. Em que pese o esforço da equipe que desenvolveu os estudos de viabilidade, reformulando o viário interno, não se vislumbra uma alternativa que possa resolver a questão do acesso viário. O monotrilho em construção? Serviços de mobilidade urbana aérea? Pelo jeito, vai virar mais um “risco do concessionário”…

Outro ponto de preocupação diz respeito ao tratamento dado à aviação geral. Ou o não tratamento. Alinhado com a Diretriz 22 da SAC, o estudo de viabilidade assume que todos os slots de Congonhas serão destinados para a aviação comercial. Como consequência, o plano de desenvolvimento do aeroporto prevê, já na primeira fase de obras, a retirada das áreas hoje ocupadas por atividades da aviação geral. Qual a lógica de se privar o aeroporto dos serviços da aviação geral? Para onde vão Líder, TAM Marília, Voar Aviation e outras?

É possível que essa condição tenha sido tomada para viabilizar os 35,7 milhões de passageiros que não conseguirão chegar ao aeroporto. Mas é difícil acreditar que o Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) tenha desenvolvido as simulações do espaço aéreo na TMA-SP sem considerar a aviação geral operando em Congonhas. 

Tudo isso posto, pode-se dizer: mas o estudo de viabilidade é apenas uma referência, o que vale é o que o interessado desenvolver! Certo, mas não critico a proposta (aliás, abaixo da crítica…). É a imagem que passa, de descaso com um importante componente da aviação civil. É legítimo construir um cenário onde se maximize a outorga. O problema é que ao se atentar contra a lógica para viabilizar essa construção, há uma perda de credibilidade do processo.

Ressalto ainda que estou a tentar obter uma cópia da fatídica Diretriz 22. Espero que ela esteja em breve disponível no site do Ministério da Infraestrutura e eu não tenha de utilizar o Sistema de Informações ao Cidadão. A última coisa que um processo de concessão precisa é falta de transparência.

Completando, uma preocupação que vem de fora do programa de concessões, mas que o impacta fortemente. O governo prepara uma consulta pública para liberar a aviação comercial nos aeroportos autorizados. O que significa? Permitir voos regulares no Catarina (São Roque, SP), por exemplo. Ou, finalmente, viabilizar um empreendimento como o NASP (Caieiras, região metropolitana de SP). Não há o menor sentido nisso. De um lado, o concessionário investindo num ativo público e sujeito às regras de performance da agência; de outro um privado sem as mesmas obrigações. E dono do ativo.

Se não bastasse a sandice intrínseca da ideia, ainda querem uma discussão no mesmo período em que se lança a concessão do principal ativo da Infraero. A quem interessa isso? Bem provável que possa interessar a quem quer menos competição na última rodada; ou que já tem algum ativo (planejado ou em operação) que se encaixa na proposta. De qualquer forma, acendam-se velas aos orixás para que a aviação civil se livre desse ataque de liberalismo tosco.

Mas continuo otimista. Penso que não haverá perda de foco, e que outras contribuições deverão surgir ao longo das audiências públicas. O importante é que essa rodada conclua o programa da forma como ele merece: agregando valor aos aeroportos e melhorando o serviço prestado aos clientes.

*Dario Rais Lopes é ex-secretário nacional de Aviação Civil e professor da Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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