Marisete Pereira Dadald*
A divulgação, durante a COP30 em Belém, da mais recente Revisão da Política Energética do Brasil realizada pela AIE (Agência Internacional de Energia) reforçou a posição do Brasil como uma das principais lideranças globais na transição para uma economia de baixo carbono. O relatório reconhece avanços importantes em políticas públicas, na solidez da matriz renovável e na consolidação de instrumentos de planejamento que dão direção de longo prazo ao setor energético.
Em complemento a esse panorama, a avaliação da AIE aprofunda a análise sobre o setor elétrico, identificando aspectos regulatórios e de mercado que serão determinantes para sustentar a integração crescente de renováveis e orientar os investimentos necessários na próxima década.
Segundo a AIE, o sucesso da transição brasileira exigirá volumes massivos de investimentos economicamente viáveis em infraestrutura e tecnologias limpas. Para que esses investimentos ocorram, é indispensável contar com um ambiente regulatório coerente, estável e guiado por sinais econômicos alinhados aos custos reais do sistema
O relatório aponta que o setor elétrico passa por transformações estruturais: expansão acelerada das renováveis não controláveis, crescimento da geração distribuída, maior necessidade de flexibilidade e novas dinâmicas operativas. Nesse contexto, recomenda que o país realize uma revisão ampla dos arranjos regulatórios, de governança institucional e de mercado, de forma a garantir um sistema seguro, acessível e preparado para o futuro.
Um dos destaques da AIE é a necessidade de valorizar e remunerar adequadamente os recursos de flexibilidade, fundamentais para integrar grandes volumes de eólicas e solares com eficiência. O Brasil dispõe de ativos estratégicos, especialmente nossas hidrelétricas, cuja capacidade de modular geração, sustentar a operação e prover serviços essenciais é única. Esses atributos tornam-se ainda mais valiosos à medida que aumenta a participação de renováveis não controláveis no sistema.
Para além da constatação feita pela AIE, vale lembrar que o Brasil ainda dispõe de um potencial hidrelétrico expressivo a ser mobilizado, tanto por meio de novas usinas convencionais e de projetos de usinas reversíveis quanto pela modernização, ampliação e repotenciação de instalações existentes. Esse conjunto de oportunidades amplia a capacidade do país de reforçar sua segurança elétrica e diversificar soluções de flexibilidade.
Outra recomendação importante do relatório é o aprimoramento dos sinais de preço. Segundo a AIE, o mercado varejista de eletricidade ainda não reflete, de maneira adequada, os custos da energia e do uso das redes. Atualizar os modelos de precificação é crucial para dar transparência ao consumo, estimular resposta da demanda, orientar investimentos e reduzir ineficiências que acabam recaindo sobre as tarifas.
A avaliação dedica também atenção expressiva ao tema da micro e minigeração distribuída. Embora reconheça sua relevância para a diversificação da matriz, a AIE alerta que o modelo atual de compensação cria distorções tarifárias, incentivos regressivos e pressões crescentes sobre a sustentabilidade econômica do setor. Por isso, recomenda sua revisão urgente, de forma a garantir equilíbrio e justiça tarifária.
Com o impulso global trazido pela COP30, as conclusões da AIE chegam como um reforço relevante a um diagnóstico que o Brasil já conhece e vem debatendo há anos. O desafio que se coloca agora é transformar esse debate em regras infralegais, metodologias e instrumentos que consolidem um ambiente regulatório moderno, eficiente e capaz de atrair os investimentos necessários para a próxima fase da transição energética.
Modernizar o setor elétrico vai muito além de ajustar normas: significa preparar o país para uma transição que una segurança energética, desenvolvimento econômico, competitividade industrial e compromisso climático. O Brasil tem recursos, experiência e condições únicas. O momento é de alinhar seus instrumentos regulatórios à realidade de um sistema que já mudou, e continuará mudando.
*Marisete Pereira Dadald é presidente da Abrage (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica) e ex-secretária-executiva do MME (Ministério de Minas e Energia).
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