Roberto Rockmann*
A guerra no Oriente Médio poderá pressionar as cotações internacionais de petróleo, elevar a defasagem do preço dos combustíveis no Brasil em relação ao exterior e ter impacto sobre a política monetária brasileira e de outros países. Os efeitos poderão não ficar apenas no setor de fósseis: crédito mais caro poderá ter reflexo sobre o financiamento de projetos renováveis.
Papel do Irã e retomada russa criam incertezas
O conflito adiciona novos fatores de pressão sobre o preço do petróleo e dos derivados. Um é incerteza sobre a extensão e a profundidade seu impacto no Oriente Médio, responsável pela produção de um quinto do petróleo mundial. Os olhares estarão sobre o Irã, um dos cinco maiores produtores mundiais.
“O Irã, tradicional apoiador e financiador dos grupos terroristas, poderá ser arrastado para dentro do conflito, e isso nos leva ao principal risco econômico de curto e médio prazos: o Estreito de Ormuz. Por lá circula o petróleo produzido pelos quatro maiores exportadores globais. Com o mercado de petróleo já apertado, caso o Irã seja arrastado para o conflito e resolva fechar Ormuz, poderemos ter uma crise energética”, disse o gestor André Leite, sócio da TAG Investimentos, em comunicado a seus investidores.
O segundo motivo de preocupação é que o conflito pode dificultar o movimento do governo dos Estados Unidos de negociar com a Arábia Saudita o aumento da produção árabe a partir de dezembro, para atenuar a pressão sobre os preços dos derivados na maior economia do mundo. “Fica mais difícil que a negociação possa avançar agora nesse cenário”, afirmou nesse fim de semana Helima Croft, chefe de estratégia de commodities da RBC Capital, à agência Barron´s.
Também há incerteza em relação à Rússia, que nos últimos meses vinha se tornando importante vendedor de diesel para o Brasil. Na última sexta-feira (6), a Rússia informou que irá retomar as exportações que haviam sido suspensas em 21 de setembro. Com 3% do mercado de diesel do mundo, o país tem importância.
“Não se sabe ainda se será retomada parcial ou total e nem como a Rússia se comportará agora no cenário geopolítico, que mudou no sábado com o conflito no Oriente Médio”, disse um empresário que preferiu não se identificar.
Renováveis
Os efeitos do conflito também poderão ser sentidos no crédito às fontes renováveis. “A guerra adiciona mais combustível a um cenário que pode representar diesel mais alto no Brasil e juros mais altos, já que a taxa mais longa estava subindo mesmo antes do conflito. E o crédito mais caro também afeta projetos de renováveis, cuja rentabilidade terá de ser maior”, disse Ewerton Henriques, diretor de infraestrutura do banco Fator, à Agência iNFRA.
Na semana passada, a taxa de juro para janeiro de 2024 passou de 12,24% do ajuste anterior para 12,27% e a do DI para janeiro de 2027 saltou de 11,025% para 11,305%. A taxa Selic hoje está em 12,75%. “Corte de juros vai ser difícil, se continuar”, disse Henriques. A inflação não é preocupação brasileira. Nos Estados Unidos, os juros estão entre 5,25% e 5,5% ao ano, mais alta taxa desde 2001, pressionados também pelos preços de energia.
Isso implica que projetos poderão a captação poderá superar IPCA mais 10% por ano em muitos casos, segundo um especialista. “Apesar das oscilações de preço no mercado livre semana passada, o cenário é de sobreoferta e preços baixos nos próximos anos, além de dúvidas de que haja mudanças em projetos de autoprodução. A guerra aumenta a aversão ao risco. Já se via muito projeto, principalmente de solar, com problema para fechar a conta. Isso pode aumentar a mortalidade”, segundo um financiador.
De outro lado, ele entende que isso pode estimular operações de fusões e aquisições, com agentes que sentem mais o aperto de crédito querendo acelerar a negociação de venda de ativos. “Em solar, tem mais de R$ 1 bilhão em ativos à venda”, disse.
1973 x 2023
Há 50 anos, em outubro de 1973, o Oriente Médio foi palco da guerra do Yom Kipur, que envolveu Israel, Egito e Líbia. O conflito marcou também o primeiro choque do petróleo, quando os países árabes quadruplicaram os preços de petróleo para US$ 12 o barril. Há diferenças relevantes entre aquele momento em que o Brasil mal produzia petróleo, e os Estados Unidos consumiam cerca de 25% do petróleo no mundo.
O momento atual, no entanto, tem três particularidades diferentes: 1) com a exploração de gás de xisto, os Estados Unidos se tornaram exportadores líquidos de energia; 2) com a exploração gradual da camada pré-sal, o Brasil se tornou um dos oito maiores produtores de petróleo do mundo.
A Agência Internacional de Energia estima que a produção mundial de petróleo aumentará em 5,8 milhões de barris por dia até 2028 — e cerca de um quarto dessa oferta adicional virá da América Latina, com destaque para o Brasil; 3) o contexto do setor de energia é marcado pelas mudanças climáticas e pelo Acordo de Paris, assinado em 2015, pela qual países se comprometeram a limitar o aumento de temperatura global em 1,5 graus celsius.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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