Roberto Rockmann*
O processo mais restrito de emissão de pareceres de acesso de novos geradores às linhas de transmissão já começa a movimentar escritórios de direito e investidores receosos com dificuldades para iniciar projetos em meio à chamada corrida de ouro das renováveis.
Em dois escritórios, quatro consultas de investidores já chegaram. “Nós já tivemos duas consultas aqui de pareceres efetivamente negados. Nossa posição foi: primeiramente, temos que embasar tecnicamente. Caso consigamos fazê-lo, há demanda possível. Caso contrário, acho frágil”, afirma um advogado.
“Isso começa a ganhar corpo”, diz outro advogado, que já recebeu duas outras consultas. A maioria delas se refere a empreendimentos no norte de Minas Gerais e Nordeste.
Risco dos investidores
Por enquanto, a judicialização ainda está distante e fragilizada. Por quê? “Pode haver judicialização, embora hoje o pedido de acesso ocorra por conta e risco dos geradores. Ou seja, para pedir a outorga eles terão de assinar um termo se responsabilizando pelo acesso. Naturalmente a judicialização fica mais enfraquecida.”
Mesmo assim, o tema preocupa especialistas. “É preciso saber gerenciar o acesso à conexão e a explosão de pedidos com a corrida por subsídios para não se contratar uma grave crise no médio prazo.”
“Esse assunto deverá ser um dos mais relevantes a serem discutidos neste ano, ainda mais pelo desenrolar recente de alguns episódios”, diz um especialista. O assunto movimenta os bastidores desde o mês passado.
Premissas alteradas
Em 14 de dezembro, uma reunião virtual foi realizada entre o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e geradores solares e eólicos, na qual foram apresentadas as alterações de premissas que foram adotadas recentemente em relação à emissão de informação e parecer de acesso.
Além de questões técnicas, a justificativa apresentada para a adoção da nova premissa é a preocupação de que a indústria de equipamentos de transmissão não tenha capacidade de atender à demanda necessária para a expansão do sistema.
Geradores de fontes renováveis enviaram carta ao ONS em 16 de dezembro contestando a mudança de postura, apontando que isso “deve afetar todo o processo de desenvolvimento e expansão das fontes renováveis no Brasil”.
Ainda ressaltam que “alterações foram adotadas de forma repentina e sem alteração da regulação, inexistindo tampouco mecanismos de transição. Mais ainda, não só projetos novos são atingidos, mas também aqueles que estão em andamento, inclusive os já outorgados e em avançado estado de desenvolvimento e construção. Dessa forma, essa nova sistemática de avaliação dos pedidos de informação e parecer de acesso, tomada por liberalidade do ONS, tem o efeito de atingir todos os esforços já feitos para a implementação dos projetos, podendo, inclusive, inviabilizar projetos já outorgados”.
O texto continua: “Em outras palavras, a adoção de nova sistemática sem respaldo normativo equivale à aplicação retroativa de nova interpretação da regulação vigente, além de violação ao princípio da legalidade, o que é vedado expressamente pelo ordenamento jurídico brasileiro”.
Os geradores ainda defendem que, antes da emissão de um parecer de acesso inviável, o ONS comunique ao empreendedor para que possa optar entre ter o parecer de acesso emitido com a negativa do acesso ou permanecer na fila até que se obtenha uma solução que viabilize a conexão do empreendimento.
Na quinta-feira passada (5), o ONS informou que existem cerca de três mil processos de autorização em andamento na ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) para aproveitar o fim do incentivo da TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão), previsto na Lei 14.120/2021.
A corrida de ouro das renováveis gerou um aumento no número de solicitações principalmente na região norte de Minas Gerais e na região Nordeste. As usinas com CUST/CUSD celebrado ou acesso em andamento atualmente totalizam 41 GW.
O leilão de transmissão de junho passado teve como intenção criar escoamento para 11 GW de potencial de geração, mas análises de acesso já apontam esgotamento do sistema licitado que irá operar em 2027, “dado o montante atual de geração de 9,4 GW com contrato assinado e em operação, além de 7,2 GW de pareceres de acesso emitidos e 5,6 GW com solicitação de acesso em andamento”.
“Em função do montante de geração em questão, foram indicadas várias ressalvas nos documentos de acesso emitidos”, aponta outro documento do ONS divulgado semana passada.
O assunto fez o ONS frisar que o problema poderá trazer impactos relevantes ao setor e que soluções apresentadas pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) poderão não ser suficientes para viabilizar o escoamento diante da fila. “O montante acumulado impacta em amplas restrições de geração para novas conexões; problemas operativos no Sistema Interligado Nacional; no aumento do risco de inviabilizar o negócio de geradores e elevar a inadimplência na transmissão.”
“Embora a EPE tenha recentemente publicado soluções estruturais para a Expansão da Capacidade de Transmissão da região Norte de Minas Gerais e para o escoamento da geração na região Nordeste, o Operador avalia que a implantação dessas obras não será suficiente para viabilizar o escoamento de geração sinalizada pela atual conjuntura.”
A nota do ONS e o Plano de Operação do ONS reforçam a crença do Operador de que o critério atual de conexão à rede precisa mudar: uma vez que o acesso à rede de conexão é limitado e o número de projetos muito grande, é preciso estruturar leilões de margem de escoamento. A regulação do primeiro leilão sob essas regras foi colocada em consulta pública no fim do ano passado pelo governo Bolsonaro.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.