Roberto Rockmann*
A Rio Oil & Gas, que se inicia na manhã desta segunda-feira (26) no Rio de Janeiro e se estende até a quinta-feira (29), volta a ser presencial diante de um cenário da indústria de petróleo mundial bem diferente dos últimos dois anos. A atenção do setor mudou da pandemia para os desdobramentos da guerra entre Ucrânia e Rússia, a crise energética global, petroleiras com níveis recordes em caixa, a iminência de uma recessão mundial, países desenvolvidos cada vez mais distantes das metas do Acordo de Paris e os reflexos da eleição presidencial sobre o Brasil.
O mundo da transição energética será ainda mais ditado pelas petroleiras. Neste ano, o grupo das principais celebra resultados recordes. A Aramco ganhou quase US$ 48 bilhões apenas no segundo trimestre, enquanto BP, Shell, ExxonMobil, Chevron e TotalEnergies, juntas, lucraram US$ 51 bilhões. Deverão ganhar menos no próximo ano.
A Moody’s alterou a perspectiva mundial do setor de positiva para estável, com preços entre US$ 50 e US$ 70 em média em 2023 diante de um menor crescimento da economia mundial. Nessa faixa de preços, boa parte dos projetos atuais se mantém atrativa, como o pré-sal no Brasil, um dos mais competitivos do mundo e que poderá suprir parte da demanda europeia.
O mercado mundial continua apertado, mas a recessão à vista deve arrefecer a alta do petróleo neste fim de ano e em 2023. Os resultados devem então cair e ser menos auspiciosos. Mesmo assim, como indica a matéria de capa da edição desta semana da “The Economist”, o Oriente Médio continuará o fiel da balança. Edição de junho da revista inglesa ainda destacou que as petroleiras estatais produzem cerca de 60% do óleo cru mundial, metade do gás natural. São detentoras de dois terços das reservas de petróleo do planeta. A transição energética depende do comprometimento dessas empresas, que poderão ser levadas a investir mais em fontes limpas e ganhar espaço nesse segmento no mundo.
COP 27: ficção ou realidade?
A guerra e seus desdobramentos terão impacto sobre o clima e sobre o meio-ambiente. Nunca se investiu tanto em energia limpa, nunca se gerou tanto com carvão e combustíveis fósseis. Divulgado semana passada, estudo da BloombergNEF aponta que, pela primeira vez, energia eólica e solar responderam por mais de 10% da demanda de energia elétrica no mundo em 2021. Dez anos atrás, elas mal representavam 1%. As duas fontes responderam por 75% do acréscimo de potência mundial em 2021. No primeiro semestre, os investimentos em fontes renováveis registraram recorde histórico no período, atingindo US$ 226 bilhões, alta de 11% em comparação anual.
Na contramão, o carvão continua ganhando espaço, tendência que deve se fortalecer no atual cenário de crise energética na Europa e com a estiagem na China, o que reduziu o volume dos reservatórios das hidrelétricas.
O estudo da BloombergNEF aponta que as emissões energéticas subiram 7% ano passado, com a produção de carvão batendo recordes e tendo alta de 8,5%. Isso ocorre pela alta dos preços do gás e seca, o que indica que neste ano o setor deve bater recordes novamente e as emissões também deverão ser recordes. A ser realizada entre 6 e 18 de novembro, a COP 27 (27ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas) ocorrerá diante de um cenário em que a Europa se prepara para, em muitos casos, substituir gás por carvão, lenha e diesel.
Mercados de gás e GNL sob pressão
A alta global de juros diante de inflação alta em países desenvolvidos e emergentes indica que o mundo está à beira de uma recessão de tamanho e extensão ainda difíceis de mensurar, até porque uma variável é a crise energética europeia. O inverno que começará no fim do ano traz incertezas diante de uma Europa com estoques de gás de cerca de três meses.
Se o preço do petróleo pode ficar abaixo da barreira dos US$ 100, os preços do gás natural e do GNL (gás natural liquefeito) deverão continuar pressionados. Primeiro, porque a Europa, antes da guerra, recebia um terço do insumo da Rússia. Segundo, há a expectativa de que a Rússia não escoará mais o insumo em 2023. Resultado: a Europa teria de encontrar 140 milhões de metros cúbicos diários de gás, segundo análise da “The Economist”, algo equivalente a 14% do mercado global do insumo e de 27% do mercado de GNL. Um grande fornecedor, a Noruega, talvez tenha de fazer paradas programadas.
Em um mundo em que segurança energética virou mantra para muitas nações, com destaque para as europeias, o Brasil deverá discutir qual o papel do gás natural e outras fontes na matriz. Quais serão as fontes usadas para assegurar potência nos horários de pico, controle de frequência? O avanço das fontes variáveis implicará o país precificar atributos de outras fontes, como as hidrelétricas. O gás do pré-sal será usado para a indústria, para as térmicas ou também pode ser exportado via GNL?
E o Brasil?
O impacto não está apenas sobre o gás e a gestão dos reservatórios das hidrelétricas em um cenário em que as mudanças climáticas trazem mais incertezas para o operador do sistema. Os preços mais baixos de petróleo reduzem o volume potencial de dividendos da Petrobras em 2023, porém diminuem parte da pressão sobre os preços dos derivados, já que o mercado de diesel deve se manter pressionado, principalmente com a escassez de gás na Europa. O energético se torna substituto do gás. Não é a única incógnita.
A eleição presidencial será o fiel da balança do que se verá nos próximos quatro anos no setor de óleo e gás. As propostas dos dois candidatos líderes nas pesquisas são diversas. Jair Bolsonaro defende a privatização da Petrobras e a manutenção da venda de refinarias da Petrobras que respondem por cerca de metade do mercado. Já Luiz Inácio Lula da Silva defende a Petrobras estatal, o que, com caixa cheio, pode representar uma inflexão sobre a política de desinvestimento, iniciada em 2015, ainda no segundo governo Dilma.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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