Análise: proximidade da abertura da alta tensão e regulação de carbono atraem investimentos

Roberto Rockmann*

A menos de seis meses da abertura total do mercado livre de energia à alta tensão, o setor de comercialização vive uma intensa movimentação que transformará o seu desenho, com a chegada de novos players e a oferta de novos serviços, como créditos de carbono, cuja discussão de regulamentação está avançada.

Publicada em setembro passado, a Portaria 50/2022 abriu a possibilidade de que todos os clientes ligados à alta tensão, com carga individual inferior a 500kW, possam migrar para o mercado livre de energia. Trata-se da maior ampliação da história. Como os consumidores interessados em se tornar livres devem manifestar esse desejo à distribuidora seis meses antes do término do contrato, a janela de migrações começa a ganhar intensidade. “Nós não podemos dar números sobre os nossos avanços específicos, mas estamos evoluindo muito bem na captação de clientes”, diz Antônio Carlos Messora, vice-presidente comercial e de Marketing da Comerc, comprada pela Vibra em 2021 e uma das maiores do segmento.

A Abraceel (Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia Elétrica) não tem números sobre as migrações nem estimativas, mas as associadas estão otimistas com as consultas que estão chegando. “O mercado terá um novo momento”, diz o presidente, Rodrigo Ferreira. Entre 1999 e 2022, registraram-se cerca de dez mil consumidores livres no país. A partir do próximo ano, esse número será multiplicado.

Atualmente, existem 202 mil pontos de consumo ligados na alta tensão. Desse total, de acordo com as estimativas da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), 165 mil unidades ainda estarão no mercado regulado ao final de 2023. Entre essas cargas, a CCEE projeta que, até o fim de 2023, 93 mil deverão buscar o modelo de micro e minigeração distribuída. Já 72 mil empresas poderiam aderir ao segmento livre a partir de janeiro do ano que vem.

Essa mudança de patamar traz preocupações sobre a possibilidade de serem criados gargalos no processo. Isso levou a Abraceel a estruturar um site para receber problemas de clientes interessados em migrar para o mercado livre. Lançado no início do mês, já há pelo menos 50 queixas. “Há clientes que não sabem quando o contrato com a distribuidora termina e a resposta pode demorar, estamos mapeando isso para poder ajudar a superar gargalos”, afirma Ferreira.

Negócios atraem novos players
A abertura da alta tensão atrai investimentos novos – de petroleiras a grandes consumidores de energia. Há duas semanas, a Shell anunciou a aquisição da Prime Energy, posicionando-se “para atender a demanda de clientes migrando para o mercado livre”. Uma das maiores consumidoras de energia do Brasil, a Braskem mudou de lado no balcão e criou a Voqen, braço de comercialização de energia e gás.

“Há uma multiplicidade de empresas interessadas de diversos setores em participar desse mercado, e a concorrência será mais acirrada”, diz Ana Calil, sócia de infraestrutura e energia do TozziniFreire Advogados.

O portfólio de produtos também ganha novas soluções, com as empresas buscando ir muito além da negociação de contratos de energia. Buscam oferecer eficiência energética, comercialização de certificados de energia renovável e créditos de carbono. A Auren criou uma unidade voltada ao mercado de carbono, que deverá ter um impulso com a regulação que está em discussão em Brasília. Estudo da ICC Brasil (Câmara de Comércio Internacional) e a consultoria WayCarbon projetam que o Brasil pode movimentar US$ 120 bilhões em créditos até 2030. “A descarbonização é um mantra”, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro, Lucien Belmonte.

A abertura da alta tensão ocorre em meio às discussões de abertura total do mercado, debatida no PL (Projeto de Lei) 414, cuja discussão está paralisada desde o ano passado no Congresso. O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., é um dos que têm esse movimento no radar, por representar potenciais 88 milhões de consumidores. “São volumes importantes e que a gente entende que vão ter que ser atingidos, sem dúvida nenhuma, com plataformas eletrônicas, de inteligência artificial”, afirmou em entrevista a jornalistas nesta semana. Neste mês, o Fase (Fórum das Associações do Setor Elétrico) enviou carta ao presidente da Câmara, Arthur Lira, enfatizando a importância da aprovação do PL 414 neste ano ainda.

GD solar
A GD (Geração Distribuída) solar, que é um concorrente do mercado livre, criou a possibilidade de consumidores cativos terem acesso a contas mais baixas com a instalação de painéis fotovoltaicos. Hoje o segmento responde por 20 GW de capacidade, segundo dados da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica). Isso despertou o interesse de grandes players fora do setor elétrico. Dois exemplos são o Ultra e a Vivo.

A Ultragaz, braço de venda de botijões de gás do Grupo Ultra, ano passado anunciou a compra da Estella, uma startup que conecta os geradores de energia solar a residências e pequenos negócios, uma espécie de serviço de assinatura de energia que pode reduzir a conta de energia em cerca de 15%, em média. “O setor elétrico vive um momento de transformação e observamos oportunidades”, diz Marcelo Araújo, diretor-executivo corporativo e de Participações do Grupo Ultra.

A gigante de telefonia Vivo elegeu o setor elétrico como um em avaliação para novos negócios no Brasil, ao lado de educação e saúde. A ideia é estudar negócios em geração distribuída solar que possam gerar receitas em novos serviços. Firmou-se parceria com a startup SouVagalume, plataforma de gestão de créditos de usinas de energia solar incentivadas.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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