Leila Coimbra e Guilherme Mendes, da Agência iNFRA
A área técnica da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) propôs uma renegociação entre os agentes de geração e de distribuição para a modulação de pagamentos relativos à compra de energia, mediada pelo órgão regulador. As propostas estão presentes em uma nota técnica, datada da última quinta-feira (16), que poderão nortear futuras ações da agência.
Essa renegociação seria facultativa, e não obrigatória, e mediada pela agência. Em troca, os geradores que se mostrassem dispostos poderiam ter a extensão dos contratos de concessão que estão próximos ao encerramento. Quem aderisse à medida emergencial anunciada pelo BNDES, conhecida como standstill – de suspensão por seis meses de amortizações de empréstimos contratados junto ao banco –, repassaria esse benefício aos distribuidores.
Quatro ou cinco geradores
A nota sinaliza uma mudança de discurso dentro do governo e da ANEEL. Antes, o raciocínio era manter somente nas distribuidoras os problemas econômicos e financeiros causados com a pandemia de Covid-19, e socorrê-las com um empréstimo entre R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões. O objetivo era não contaminar o restante da cadeia como geradoras e transmissoras. Mas as distribuidoras pediam para dividir os prejuízos.
No primeiro momento, os geradores não aceitaram nenhum tipo de revisão de compra e venda de energia. Mas agora a postura mudou: essa renegociação dos contratos, com contrapartidas, interessaria a um grupo de quatro ou cinco grandes geradores, disse uma fonte à Agência iNFRA.
Além disso, a medida contribuiria para desidratar o empréstimo do socorro às distribuidoras, diminuindo os reajustes aos consumidores.
Para a consultoria Thymos, a renegociação dos contratos de energia resolve apenas parcialmente o problema, e o empréstimo continua necessário e urgente. “O principal problema é a sobrecontratação com perda de resultados das distribuidoras e impactos imediatos no fluxo de caixa, e a regulação atual com a possibilidade de reconhecer repasse acima de 105% pode resolver ou atenuar o problema econômico, mas não resolve o financeiro. Por isso sugerimos injeção de capital novo com repasse tarifário futuro e blindando o problema nas distribuidoras”, disse em nota a consultoria.
Carona no Corona
A Thymos alerta para outro ponto: o problema de sobrecontratação nas distribuidoras já existia antes da Covid-19, e isso não pode ser calculado como um problema da pandemia e repassado como custo para o restante da cadeia, sejam geradores ou consumidores. Essa proposta de resolver toda a sobrecontratação em um pacote apenas foi apelidada no mercado de “carona no Corona [vírus]”.
“O problema da sobrecontratação já existia e foi acentuado pela crise, portanto deve ser calculado o adicional da crise e não buscar uma solução para o todo. Os demais mecanismos com ajustes com os geradores é o que deve ser evitado, pois os CCEARs são considerados pelo mercado financeiro de baixo risco e representam um sucesso na viabilidade da expansão e sua financiabilidade”, afirma o relatório da consultoria.
Outras propostas
O texto busca também aconselhar a agência para a revisão do orçamento da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), além da futura revisão da alíquota da TFSEE (Taxa de Fiscalização dos Serviços de Energia Elétrica).
Na área relativa a encargos setoriais, os sete técnicos que assinam a nota apontam que, com o cenário de pandemia, “lida-se com a possibilidade de desvinculação de algumas receitas, de modo a utilizá-las para garantir operações de empréstimos, em especial as destinadas ao segmento de Distribuição, porta de entrada de caixa do setor elétrico, sob o qual a preservação garanta, no fim das contas, a preservação de toda cadeia”.
O texto ainda propõe avaliar a possibilidade de modulação e liberação de liquidez no Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas), nos ESS (Encargos de Serviço de Sistema) e nos ERR (Encargos de Energia de Reserva).
Bandeiras: R$ 1,37 bi
O texto propõe que o superavit acumulado no caixa das distribuidoras, de R$ 1,37 bilhão, com as bandeiras tarifárias, também pode ser usado para abater do valor do empréstimo. Isso seria possível porque está programada a bandeira verde para todo o ano de 2020, na atual conjuntura de sobreoferta de energia.
Parcela de ajuste
Uma outra medida apresentada na nota já foi colocada em prática: na segunda-feira (20), a ANEEL liberou, pelos próximos três meses, cerca de R$ 432,6 milhões, advindos da parcela de ajuste, para aliviar custos de transmissão no segmento do consumo. A medida foi acolhida durante a reunião ordinária da diretoria.
Na prática, a agência autoriza o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) a deduzir mensalmente os EUST (Encargos de Uso do Sistema de Transmissão) da rede básica, do segmento de consumo, como antecipação da PA (Parcela de Ajuste), que seria considerada a partir do Ciclo Tarifário 2020/2021, que se inicia em 1º de julho deste ano. O montante no primeiro mês será de R$ 144,2 milhões, sendo reajustado nos meses seguintes.
O valor do desconto de cada usuário será calculado de maneira proporcional, de acordo com os EUST no respectivo mês de apuração. De acordo com o diretor-geral da ANEEL, André Pepitone, 90% da dedução alcançará o setor de distribuição, e os outros 10% atingirão o mercado livre.
Na reunião, a ANEEL também autorizou o ONS a postergar a cobrança das PIS (Parcelas de Ineficiência por Sobrecontratação) do ano de 2019 para outubro de 2020
Há duas semanas, a diretoria determinou que a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) liberasse cerca de R$ 1,5 bilhão a agentes do mercado regulado e R$ 500 milhões no mercado livre, por meio de um fundo de reserva para alívio futuro de encargos – medida esta também presente na nota.