Gabriel Vasconcelos, da Agência iNFRA
A ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) divulgou na segunda-feira (21), pela primeira vez, uma lista com os nomes de distribuidoras vetadas de receber combustível de produtores e importadores por estarem inadimplentes com o RenovaBio, programa de descarbonização que entrou em vigor em 2020.
A multa para fornecedores que venderem combustível às empresas listadas vai de R$ 100 mil a R$ 500 milhões. Assim, na prática, essas distribuidoras de pequeno e médio porte listadas ficam excluídas do mercado até quitarem suas obrigações de compra e retirada de circulação dos CBIOs (créditos de descarbonização) dos últimos quatro anos. Esses CBIOs são gerados por fabricantes de biocombustíveis e comercializados livremente na B3. Cada CBIO equivale a uma tonelada de carbono.
É a primeira vez que a lista é divulgada, em linha com o endurecimento da fiscalização do RenovaBio previsto na Lei 15.082/2024, sancionada no fim de 2024 e regulamentada por decreto do MME (Ministério de Minas e Energia) neste ano. Mas, mesmo antes de ser divulgado, o instrumento de pressão já contava com uma enxurrada de judicializações, que só repete o padrão das discussões sobre o RenovaBio.
Reação
Historicamente, dezenas de distribuidoras que não cumprem as metas de compra e aposentadoria anuais do RenovaBio, calculadas e impostas pela ANP, estão amparadas pela Justiça, por meio de decisões liminares de primeira e segunda instância espalhadas pelo país.
Por este caminho, as empresas seguem operando sem pagamento de multa, mas mediante depósito judicial que perdura enquanto o mérito da ação não é julgado em definitivo. O depósito é calculado por auditorias independentes que estimam o montante equivalente à pegada de carbono da operação de distribuição, em regra abaixo da meta imposta pela ANP, mas validado pelo juiz da causa.
Entre outros argumentos acolhidos pela Justiça está o de que os CBIOs, por terem oferta restrita (produtores de biocombustíveis), mas demanda livre, inclusive de agentes financeiros, têm servido à lógica especulativa. O histórico da cotação desses créditos, de fato, acusa forte flutuação: já ultrapassou os R$ 200, mas, atualmente está na faixa de R$ 60, com um pico de R$ 79,68 em 2025.
Surge, agora, um novo conflito relacionado à inclusão ou não dos nomes de distribuidoras devedoras de CBIOs na chamada “lista suja”. Executivos e advogados que representam essas empresas argumentam que a punição prevista por uma lei nova não pode retroagir para contemplar atos pregressos.
Essa posição chegou a ser validada em ofício da AGU (Advocacia Geral da União) após consulta da ANP, mas antes da regulamentação da lei. Ainda assim, em reunião de 26 de junho, a diretoria colegiada da ANP optou por retroagir na medida sob o entendimento de que a lista estabelece um pré-requisito de adimplência para o funcionamento de qualquer distribuidora que foi e segue sendo descumprido, não se confundindo com as multas administrativas, estas sim punições estabelecidas em lei para atos pregressos. A tese é que a lista incide sobre a condição atual da empresa, e não sobre atos pontuais do passado.
Procurada, a ANP informou que só foram incluídas na lista empresas já condenadas em primeira instância pela agência pelo não cumprimento das metas do RenovaBio após processo administrativo sancionador. “Nesse sentido, a inclusão do nome da distribuidora inadimplente na lista não tem natureza de sanção, mas sim de requisito de funcionamento – estar adimplente com o Renovabio – assim como é a regularidade fiscal, por exemplo”, informou.
As distribuidoras da lista foram oficiadas pela ANP para que se manifestassem em até cinco dias sobre o assunto, o que levou a uma profusão de mandados de segurança que vêm sendo acolhidos pela Justiça. No caso de 12 distribuidoras, a Justiça reconheceu o argumento das distribuidoras, impedindo sua inclusão na lista. Entre estas, a Agência iNFRA identificou dez: All, Araguaia, Aspen, Cruz de Malta, Everest, FGC, Graz Prime, Petroalcool, Petrogoiás e Petroworld. Isso explica as 22 tarjas pretas da lista, que incidem sobre os processos dessas empresas.
Também estão na lista outras seis empresas que obtiveram decisões judiciais para ter os nomes retirados: D’mais, Sul Petro, Watt, Art Petro, Saara e Petrozara. A Agência iNFRA teve acesso a todas as decisões proferidas por quatro juízes federais diferentes de sexta-feira (18) a segunda-feira (21).
Um diretor da ANP indicou que essas empresas tendem a ser retiradas da lista nos próximos dias. Isso porque qualquer medida do corpo técnico sobre a lista carece de notificação da Procuradoria Federal junto à agência, o que não aconteceu no intervalo de pouco mais de três dias, muito embora as decisões tivessem determinação de cumprimento em 24 horas. Sobre isso, a ANP reconheceu que qualquer empresa pode ser retirada da lista mediante a comprovação da aposentadoria de CBIOs ou obtenção de decisão liminar encaminhada regularmente à agência.
Essas seis empresas são representadas pelo escritório Montenegro Filho, o mesmo que atua na maioria dos casos de liminares que garantem a continuidade das operações de dezenas delas. “A ANP descumpriu deliberadamente decisões judiciais. Essas empresas fecharam as portas por conta disso, não acessaram o produto. A maior parte vai sair dessa lista logo”, diz o advogado Rafael Milhomens, que trabalha no caso. A defesa argumenta com a impossibilidade constitucional de se retroagir em regras novas. “Essa lista até pode funcionar, mas somente a partir de 2026, para empresas inadimplentes durante o exercício de 2025”, diz Milhomens.
Favoráveis
A lista de sanções é uma demanda antiga das três maiores empresas do setor – Vibra, Raízen e Ipiranga – que, reunidas do Sindicom (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes), alegam concorrência desleal por parte das empresas que não cumprem o RenovaBio. Segundo as grandes distribuidoras, o custo dos CBIOs implica no repasse de algo entre R$ 0,04 e R$ 0,10 por litro no preço das bombas, o que daria vantagem indevida para quem não arca com a obrigação. Outros interessados na ação são os fabricantes de biocombustíveis reunidos em entidades como Abiove e Unica, e que têm parte da receita advinda diretamente da venda dos créditos.
O diretor-executivo do Sindicom, Mozart Rodrigues, definiu a lista como “grande avanço” para o setor, com capacidade real de excluir do mercado as empresas irregulares no RenovaBio. Segundo ele, para além da sanção objetiva, o mercado tende a se “auto-regular” e deixar de vender, também, para empresas que não aparecem na lista devido a liminares, evitando assim riscos futuros.
Segundo Rodrigues, agora, o sindicato vai se dedicar a apoiar o MME e a AGU na ação ajuizada no STJ (Supremo Tribunal de Justiça) para que o presidente da corte, Herman Benjamin, suspenda de uma forma geral liminares que favorecem as distribuidoras inadimplentes. A ideia é impedir liminares novas na primeira instância da Justiça Federal até que o STJ analise o mérito dos pedidos. Benjamin ainda não se manifestou.
Em comentário sobre o caso, a FPBio (Frente Parlamentar do Biodiesel) criticou as decisões judiciais que permitiram a algumas empresas escaparem da lista. “Ao admitir que não pode divulgar sanções antes do trânsito em julgado ou enquanto houver depósitos judiciais, a Justiça reforça uma brecha que pode ser explorada por empresas para postergar o cumprimento de metas e continuar operando impunemente. Isso compromete não só a efetividade ambiental do programa, mas também à isonomia e transparência esperadas dos órgãos reguladores. Esse quadro consagra a ideia de que o crime compensa no Brasil”, disseram em nota os parlamentares.








