Roberto Rockmann*
O blecaute ocorrido nesta terça-feira (15) criou a preocupação de que haja um aumento da interferência política e do governo sobre o setor, que já tem vivenciado momento de fragilidade institucional, com racha na ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e mudança no controle da Eletrobras.
Essa é avaliação de quem atua na área de energia sobre o episódio. Segundo esses agentes, a análise deve ser técnica, sem tomada de decisões precipitadas, em um momento em que já se ouvem comentários sobre aumento de sistemas de transmissão, ampliação de investimentos em térmicas e questionamentos sobre a privatização da Eletrobras.
“Esse episódio traz preocupações sobre mais interferências políticas e casuísticas. É preciso avaliar com tecnicidade o incidente e não fazer considerações sem conhecer em detalhe o que ocorreu. Temos já a segunda mais cara conta de energia do mundo e já vínhamos de um momento complicado com alta de subsídios, imposição de 8 GW das térmicas da Eletrobras, fragilidade da ANEEL, ampliação da energia solar a qualquer preço”, afirma Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente dos Consumidores e ex-diretor geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
Para o ex-diretor da ANEEL Edvaldo Santana, há muita preocupação de eventual aumento de interferência política com o blecaute. “Não se sabe ainda a raiz do blecaute. Mas já se sabe qual não foi: a privatização. Mas vão aumentar as interferências, que já são excessivas”, diz. Há receio de sobrecustos.
“Sem conhecer as causas não se pode pegar carona nessa falha para defender todo o tipo de absurdo na forma de sobreinvestimento na transmissão e de contratação obrigatória de energia cara e desnecessária”, destacou Paulo Pedrosa, presidente da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores), em postagem nas redes sociais.
Mudança na matriz
O blecaute aponta a transformação da matriz e como essa mudança precisa contemplar novos sistemas de precificação. No maior blecaute do país, em 1999, 90% da eletricidade era gerada por hidrelétricas. Em 2009, quando o Brasil viveu um outro grande apagão e o país assistia à construção da usina de Belo Monte, 80% da energia era gerada de fonte hídrica, as eólicas respondiam por menos de 2% e a solar era incipiente, segundo dados da EPE (Empresa de Pesquisas Energéticas).
Hoje as hidrelétricas respondem por dois terços da eletricidade produzida no país, eólicas e solares respondem por mais de 15%, segundo dados da Abeeólica (Associação Brasileira da Indústria Eólica). Isso exige um novo sistema de precificação, segundo o ex-diretor da ANEEL Jerson Kelman.
“No passado, quando o sistema era composto quase exclusivamente por usinas hidrelétricas, temia-se que uma seca esvaziasse os reservatórios impondo um racionamento de energia. Falta de energia (MWh) é um fenômeno muito diferente de uma falha instantânea causada por momentânea falta de potência (MW) ou falha elétrica”, diz Kelman.
“As novas fontes de energia elétrica – eólica e solar – são, como se sabe, renováveis. Mas têm a desvantagem de não serem despacháveis. Isto é, a produção instantânea depende de quanto vento está soprando ou quanto o sol está brilhando naquele exato momento. Já as usinas hidrelétricas com reservatórios e as usinas reversíveis são também fontes renováveis, mas têm a vantagem de serem despacháveis. São indispensáveis para que a produção possa seguir as flutuações da demanda. Já está na hora de reconhecer economicamente esse importante papel das usinas hidroelétricas para que a expansão do sistema ocorra também por essa vertente”, afirma.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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