Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A Superintendência Geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) avalia ampliar as investigações sobre atos anticoncorrenciais no mercado de transporte de contêineres para todo o Brasil. Um inquérito já existente no órgão avaliava o problema, atribuído aos armadores internacionais MSC e Maersk, apenas na região do porto de Santos (SP).
Uma nota técnica do conselho, disponível neste link, publicada na última quarta-feira (19), aponta haver “indícios de que, não apenas em Santos, mas também em outras hinterlândias portuárias – especialmente Santa Catarina e Rio de Janeiro –, podem estar ocorrendo práticas discriminatórias em favor dos terminais verticalizados da MSC e da Maersk”.
Os dois armadores (operadores de navios) são os maiores no mercado de transporte internacional de mercadorias em contêineres no mundo. Eles também controlam as maiores empresas de cabotagem (transporte nacional de mercadorias) aqui e têm adquirido o controle de terminais portuários, o que é o chamado processo de verticalização.
Os operadores de terminais de contêineres não controlados por armadores (chamados bandeira branca) indicam haver práticas anticoncorrenciais pela preferência dos armadores, que atuam em aliança para usar navios um do outro no transporte, levando cargas aos terminais associados, independentemente da eficiência ou preços que eles pratiquem.
Maersk diz estar disponível a colaborar
Em nota, a Maersk informou que “está presente em mais de 130 países e já atua no Brasil há mais de 150 anos, atualmente com mais de 3.000 funcionários […] profundamente comprometidos com um ambiente de negócios justo e competitivo em todo o mundo. Constantemente investimos no Brasil, aumentando a capacidade, através de terminais e embarcações, trazendo mais competitividade para a logística brasileira e de nossos mais de 6.000 clientes locais no comércio global”.
O texto diz ainda: “Nossas atividades são realizadas em conformidade com as leis, regras e regulamentos locais, e a empresa está sempre disponível para colaborar com as autoridades competentes. Com relação ao caso em questão, a Maersk não comenta investigações em andamento”.
MSC diz agir no cumprimento do dever legal
A MSC, também em nota, informou que “já apresentou seus principais argumentos no presente processo e aguardará seu curso regular, não tendo recebido notificação oficial da referida nota técnica. A MSC age no estrito cumprimento de seu dever legal e reitera sua confiança nas instituições e autoridades brasileiras que atuam em defesa do interesse público”.
A nota diz ainda que isso coloca “o Brasil em linha com os países desenvolvidos em termos de segurança jurídica, produtividade e eficiência. Estes aspectos são fundamentais para atrair investimentos e tornar o país mais competitivo no mercado internacional”.
Inquérito único
A nota técnica da Superintendência Geral do Cade foi produzida a partir de denúncia da ABTP (Associação Brasileira dos Terminais Portuários), apresentada no ano passado. Há no Cade um outro procedimento aberto a pedido da Abtra (Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados), de 2020, que virou inquérito para avaliar a atuação no porto de Santos, o maior do país.
O indicativo do documento de ontem é que, em ambos os processos, foram apontados indícios suficientes sobre as práticas anticoncorrenciais. Por isso, a decisão foi juntar os dois pedidos para virar um único inquérito, que passa a avaliar a questão em todo o país, que foi dividido em quatro áreas.
O BTP (Brasil Terminal Portuário), que é um terminal em Santos no qual Maersk e MSC são sócias, teve a sugestão de ser retirado da investigação porque os técnicos entenderam que as práticas são relativas aos armadores. Também não houve deferimento de medidas cautelares solicitadas pela ABTP.
“Prejuízos concorrenciais”
Os técnicos ressalvam que as práticas de verticalização não são necessariamente ilegais ou nocivas à concorrência. Mas pontuam que “tais relações societárias e arranjos, combinados, podem estar ocasionando prejuízos concorrenciais nos mercados portuários em que Maersk e MSC estão presentes e há outros operadores portuários independentes”.
Pelas regras do órgão, caso o superintendente-geral siga com o procedimento e sejam confirmadas as suspeitas, o caso é levado ao tribunal do Cade, que é formado por conselheiros que podem adotar medidas sancionatórias.
Impacto em outros processos
A investigação do Cade já vinha impactando dois outros processos, a licitação do novo terminal de contêineres do porto de Santos (STS10) e a concessão do porto de Itajaí (SC), que na prática é um terminal de contêineres.
Nos dois processos, havia uma disputa interna no governo sobre se eles deveriam ou não ser feitos com restrições à participação dos armadores. Cade, TCU (Tribunal de Contas da União) e Ministério da Fazenda haviam se posicionado por impor restrições à participação de armadores, que a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e o Ministério da Infraestrutura defendiam não serem necessárias.
O novo governo tende agora a mudar os dois processos. No caso de Itajaí, a ideia é não mais fazer a concessão do porto, mantendo uma autoridade portuária pública, e arrendar o terminal, o que envolverá uma nova modelagem, ainda sem decisão sobre restrições.
Complexidade em Santos
Já em Santos, a situação se tornou ainda mais complexa. Para evitar restrições no STS10, o governo anterior indicou que esse arrendamento ficaria para ser feito pelo futuro concessionário do porto, num contrato privado-privado. Mas o governo atual desistiu da concessão.
Assim, voltou a ser necessário fazer o arrendamento de um terminal de contêineres pela autoridade portuária pública. O governo anterior indicava que ter um novo terminal era uma necessidade urgente, com risco de o porto ficar sem capacidade de movimentação em breve e, com isso, os preços aumentarem. Um dos argumentos usados pelos terminais verticalizados é que é a restrição de capacidade que aumenta os preços aos usuários, e não a verticalização.
No entanto, o novo governo disse que vai rever todo o projeto. De acordo com apuração da Agência iNFRA, avalia-se até mesmo não renovar o contrato da BTP, que vence em 2026, para fazer na área prevista para o STS10 um superterminal de contêineres, um novo terminal de passageiros e um terminal de carga geral. BTP e STS10 têm áreas contíguas.
Mercado de navegação
No mercado de navegação internacional, Maersk e MSC decidiram desfazer a aliança a partir de 2024. Essa aliança, por meio dos chamados VSA (Vassel Sharing Agreement), permite que uma empresa use o navio da outra. Foi uma solução encontrada num período de crise econômica, quando os fretes muito baixos causados por excesso de navios levaram armadores a seguidos prejuízos.
Na pandemia, houve uma crise nesse mercado que fez os preços dos fretes no mundo todo subirem vertiginosamente. Autoridades antitruste passaram a investigar as alianças entre os armadores, que tiveram lucros recordes no período, atribuindo a eles os aumentos considerados abusivos. Após a pandemia, os preços dos fretes começaram a se reduzir.
Mesmo com o fim formal das alianças, um especialista do setor indicou que dificilmente o mercado brasileiro deixará de ser atendido pelas empresas em operações consorciadas de outros tipos que não sejam o VSA.
Isso porque o volume transportado no país ainda é baixo, se comparado a outros mercados, para que seja possível fomentar operações individuais dos armadores, com risco até mesmo de redução da quantidade e frequência de linhas para o Brasil se não houver acordos.