Lais Carregosa, da Agência iNFRA
O diretor de Relações Institucionais da Casa dos Ventos, Fernando Elias, avalia como “péssima” a proposta da área técnica da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) de realizar o rateio contábil dos cortes obrigatórios de geração, o curtailment, entre as fontes hidrelétrica, solar e eólica. O executivo disse em entrevista à Agência iNFRA que, se a regra for aprovada dessa forma, certamente haverá judicialização.
“Na verdade, o que é ruim só está piorando para a eólica nesse aspecto, porque além da eólica ter que pagar pelo seu próprio corte de geração, essa [nota técnica da] CP [Consulta Pública] 45 propõe que a gente pague pelo corte da hidrelétrica”, avalia Fernando Elias. “Colocar as eólicas para pagar essa conta é uma coisa absurda e, certamente, se passar do jeito que a diretora Agnes [Costa], relatora [colocou], isso vai ser judicializado.” Para ele, inserir a MMGD (Micro e Minigeração Distribuída) nos cortes faria sentido, “mas a ANEEL já se posicionou que não vai fazer”.
A proposta da área técnica da reguladora, disponibilizada no início de outubro, segue sugestão do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) para equalizar os efeitos dos cortes de geração entre as usinas hidrelétricas com vertimento turbinável (o curtailment das hidráulicas), eólicas e solares.
À Agência iNFRA, Fernando Elias também fez uma análise da MP (Medida Provisória) 1.304, apontando pontos que podem prejudicar o setor de energia renovável.
Leia abaixo os principais pontos da entrevista:
Agência iNFRA – De forma geral, como você avalia o futuro do mercado de energia renovável no país?
Fernando Elias – Vai depender muito de como vai seguir os vetos [da MP 1.304]. Essa MP 1.304, colocou uma série de “cascas de banana” para as renováveis que, se se mantiverem, vai asfixiar o setor. Matar o setor. Paradoxalmente, tem um dispositivo onde as novas renováveis pagam ou financiam as novas termelétricas. É algo muito estranho. A mesma MP, por exemplo, fala que as novas renováveis têm que pagar pelas baterias do sistema. Não tem preço, não dá para esse grupo pequeno de novas renováveis pagar por uma coisa sistêmica, não dá. Ou mata a renovável ou mata a bateria. Não funciona, não é dessa forma.
É muito estranho ver uma medida colocar tanta “casca de banana” assim para matar um setor que já está sofrendo. Parece que se criou uma tempestade perfeita e nós estamos no meio dessa tempestade. Esperamos que a coerência seja restabelecida e que as “cascas de banana” sejam retiradas.
A solução que foi dada para os cortes obrigatórios de geração pela MP 1.304, acha que resolve os passivos acumulados pelos geradores?
Há duas soluções lá: o texto original da comissão e a emenda aglutinativa que entrou na Câmara. O Senado aprovou, mandou para o governo com os dois artigos, tanto o original quanto a emenda aglutinativa. E eles, em algum aspecto, se sobrepõem. Dependendo da interpretação, até conflitam entre si.
De todo modo, com relação ao passivo, os dois artigos convergem no sentido de que aquilo que é considerado elétrico, tanto a disponibilidade elétrica quanto questões de confiabilidade no sistema – que são elementos totalmente externos ao gerador –, devem ser ressarcidos integralmente. Isso resolve tudo para o gerador? Não resolve. Toda a parcela referente à sobreoferta de energia, classificada como [corte] energético, ainda fica a cargo dos geradores. Mas depende da emenda que passar, porque não é totalmente correto também deixar para os geradores aquilo que está relacionado à operação.
Então, tem alguns aspectos que é importante nortear para que seja considerado para fins de pagamento do gerador aquilo que realmente lhe é devido, não o que o ONS considera. Tem uma sutileza que é importante considerar, porque senão, no fim do dia, [o corte] poderia ser classificado, na maior parte, como energético justamente porque é aquilo que não se ressarce. Para evitar esse tipo de coisa, que não acreditamos que vá acontecer porque acreditamos na inidoneidade do Operador, é importante manter algumas condições de contorno para se definir aquilo que é energético.
Sobre o corte energético, a última nota técnica da consulta pública nº 45 de 2019 da ANEEL apontou a possibilidade de um corte contábil, de repartir os efeitos entre os agentes. O que você acha dessa solução?
Olha, poderia até ser boa, mas é péssima. Além da eólica ter que pagar pelo seu próprio corte de geração, essa CP 45 propõe que a gente pague pelo corte da hidrelétrica. Então, em alguns cenários, o nosso corte que deveria ser de 5%, 10% vai pra 30%, 40%. Estamos pagando a conta da hidrelétrica. Pode-se falar que em algum momento a hidrelétrica vai pagar a conta da eólica também, mas não vai. Historicamente, nós demonstramos isso, não paga. Porque os eventos de corte de hidrelétrica são completamente diferentes daqueles do corte da eólica.
Os cortes de energia por vertimento turbinado ocorrem historicamente, faz parte da natureza das hidrelétricas. Desde sempre existiu, mesmo antes de existir a eólica no setor. Então, colocar as eólicas para pagar essa conta é uma coisa absurda e, certamente, se passar do jeito que a diretora Agnes, relatora [colocou], isso vai ser judicializado. Inserir GD faz sentido, mas a ANEEL já se posicionou que não vai fazer.
Como você avalia os incentivos para o mercado de baterias criados pela MP 1.304?
Acho favorável a isenção de imposto, a proteção. Mas não sei até onde é tão efetivo isso dado que o país não tem produção nacional. Mas tem alguns aspectos que nos preocupam com relação a essa questão da bateria para resolver o problema do sistema, dado que essa MP [1.304] imputa o custo da bateria para novos geradores que entrarem no sistema. Não parece ser por aí o caminho. Isso pode ser uma ineficiência, até mesmo inviabilizar o mercado. Parece-nos um erro. Tudo foi feito muito às pressas nessa MP para um tema tão complexo. Algumas coisas vão ter que ser reparadas.
Sobre o leilão de baterias, o ministro tem falado na contratação de 2 GW (gigawatts). É um montante razoável para um primeiro leilão dessa tecnologia?
Hoje, a oferta para um leilão desse tipo passa dos 18 GW. Fazer um leilão de 2 GW é insuficiente, é quase um teste. Então, pra resolver mesmo, teria que ser no mínimo a metade da necessidade que se verifica no sistema. Verifica-se a necessidade de 15 GW? Põe 7,5 GW [no leilão]. É melhor pro sistema, mais eficiente, resolve na questão dos cortes de geração energética, utiliza melhor o recurso do que ficar se instalando termelétrica a gás, com custo variável altíssimo que não se controla, indexado ao dólar, enfim… na bateria não, é um ativo com capex fixo.
A Casa dos Ventos vai participar do leilão?
Devemos participar sim, estamos nos preparando para isso.
Ainda sobre armazenamento, está em voga a discussão sobre investir em renováveis, mas também de olho em fontes flexíveis e firmes. Como que a Casa dos Ventos tem visto esse debate?
O setor elétrico brasileiro é um sistema robusto, que foi desenhado para ser interligado, baseado em reservatórios, então tem flexibilidade. A questão é que houve um incentivo regulatório desproporcional, de forma que vimos em cinco anos 40 GW de geração distribuída entrando no sistema. Além de onerar as tarifas finais, ela também retira flexibilidade operativa do sistema e o deixa mais frágil do ponto de vista operacional. De toda forma, é possível transformar esse limão em uma limonada se fizer o trabalho correto, que não é encher o país de termelétricas, mas sim guardar essa energia abundante e aproveitá-la onde falta.
Investir em armazenamento químico (baterias) e físico (usinas reversíveis) é uma tendência. O Brasil está atrasado nisso e se abre uma oportunidade para avançar nessas tecnologias que já estão disponíveis, nem precisava de lei, basta uma vontade política de fazer.
Sobre o fim dos descontos no fio nas outorgas de energia incentivada, que está previsto na Lei 14.120/2021, a Casa dos Ventos avalia que novos empreendimentos sem o desconto ainda continuarão atrativos?
A Lei 14.120, agregada à MP 1.212/2024, joga a implantação de outorgas que foram emitidas no âmbito da transição da lei para até 2030. Então, até 2030, o nosso pipeline ainda está bastante incentivado, continuamos com outorgas com esse benefício. Estamos focados nesse horizonte hoje. Na próxima década, o mercado estará nivelado, provavelmente até lá haverá aumento de carga e a sobra de energia hidrelétrica estará alocada. Esperamos que a GD tenha um crescimento mais controlado e não desordenado como hoje, e isso abre espaço para novas fontes. Ainda assim, sem desconto, a eólica continua bastante competitiva. Acho que ainda assim é um ambiente propício para crescimento.
A Casa dos Ventos tem um projeto de hidrogênio verde no Porto de Pecém, no Ceará. A intenção é exportar amônia verde?
O hidrogênio pode ser usado para diversas finalidades, como amônia para fertilizante. Faz sentido, especialmente considerando que o Brasil importa 90% da amônia, basicamente da Rússia e Ucrânia, e que o insumo é baseado em gás natural. Se conseguirmos posicionar a amônia através do hidrogênio verde produzido pela eletrólise da água [que usa energia elétrica para separar as moléculas de hidrogênio da água] bem no centro de consumo dos fertilizantes, ou seja, na região Centro-Oeste, pode fazer sentido.
O nosso projeto específico de amônia foi aprovado no último dia 3 no conselho das ZPEs (Zonas de Processamento de Exportação). Como está na ZPE, o projeto é para exportação, em forma de amônia. A ideia é que vá para o mercado europeu, porque é um mercado regulado que incentiva a descarbonização, então estão dispostos a pagar o preço para iniciar esse movimento de migração de hidrogênio poluente para o não poluente.
Vocês pretendem investir em eólica offshore?
A gente não vê esse mercado, ele está num horizonte tão distante que a gente não enxerga ele. Diferente de outras geografias, aqui [no Brasil] nós temos o benefício da eólica offshore sem molhar o pé. Nosso onshore é muito bom, tem um grande potencial. Nós temos um vasto território, diferente da Grã-Bretanha, do Japão, de Singapura. Temos um vento de qualidade no onshore, muito mais barato que o offshore. Não faz sentido para nós, não está nem na nossa visão de tão distante que está isso.








