iNFRADebate: e-Infrastructures, a próxima fronteira do setor de infraestrutura

*Luiz Ugeda

Em uma rica entrevista a IstoÉ Dinheiro deste mês, o presidente da Intel no Brasil, Maurício Ruiz, trouxe algumas informações que mostram a dificuldade do Brasil em ter políticas públicas compatíveis com as necessidades do país. Para Ruiz, há uma necessidade de um direcionamento estratégico, pois “o Brasil tem muitos problemas e tenta resolvê-los com soluções do século 20 em vez das do século 21”.

 

No exterior, países desenvolvidos e em desenvolvimento têm buscado soluções para os desafios do século 21 no que se denomina “e-Infrastructures”, ou infraestruturas digitais, que permitem, dentro do conceito de Quarta Revolução Industrial, o uso da Internet das Coisas, do Big Data, da geolocalização e da Inteligência Artificial como meio de se coletar e gerir dados para solução de problemas públicos.

 

Em que pese o país ter sido um dos pioneiros nos direitos dos usuários descritos no Marco Civil da Internet, a ausência de uma gestão pública integrada, e interoperável, dos dados e da geoinformação podem nos tornar reféns de soluções internacionais ricas em percepções, mas de frágil organicidade para a realização de negócios, dada as limitações que existem para lidar com os dados públicos.

 

Virou senso comum afirmar que os dados são o petróleo do século XXI. O mundo observa a criação de multinacionais bilionárias de infraestrutura de dados espaciais e cartografia colaborativa, como é o caso do Waze e o Uber. Segundo o Goldman Sachs, o mercado de mapeamento para carros autônomos, por exemplo, deverá bater US$ 25 bilhões em 2040. Em um mundo em que os países se dividirão entre os que programam e os que são programados, União Europeia, Rússia e China têm investido grandes somas para criar um sistema alternativo ao GPS norte-americano.

 

Com isso, um importante segmento de profissionais ligados aos conselhos de engenharia, – notadamente os cartógrafos, topógrafos, agrimensores, geógrafos e áreas afins, – têm enfrentado um crescente reposicionamento de suas atuações, que não se resumem mais a apenas estabelecer a morfologia do território, mas em buscar soluções empresariais para o desenvolvimento de e-infraestruturas que possam transmitir e interpretar dados que identifiquem correlações e conclusões empresariais que não seriam possíveis sem essas ferramentas.

 

A gestão pública dos dados oficiais, incluindo aqui os sistemas de mapeamento, são a base do fundamento das redes e das cidades inteligentes, da mobilidade urbana, do monitoramento de desastres naturais, dentre outras aplicações. Como exemplo, diversos países têm criado autarquias para regular o seu território por meio do que se denomina Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE). Em regra, armazenar e manter dados são atividades reguladas por lei. Os usuários são obrigados a comunicar informações cartográficas incorretas aos produtores dos mapas, e há, ainda, uma política rigorosa de garantia da qualidade. Na Holanda, cuja extensão territorial é pouco menor do que o Rio de Janeiro, os registros chegam a escalas detalhistas, de até 1:500, e o setor de geoinformação gera cerca de 1,5 bilhão de euros por ano e emprega 15 mil pessoas.

 

Para citar um exemplo mais próximo, na Colômbia, o Instituto Geográfico Agustin Codazzi (IGAC) é a entidade responsável pela produção do mapa oficial e mapeamento básico do país. Desenvolve o cadastro nacional de imóveis; o inventário das características dos solos; dá suporte à pesquisa geográfica de avanço e desenvolvimento do território; coordena a infraestrutura de dados espaciais, entre outros. Este é o principal trunfo para que os colombianos tivessem êxito na sua política de desenvolvimento de cidades inteligentes. Partiram de mapas públicos.

 

No Brasil, o retrocesso nessa área vem de décadas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), criado em 1938 como autarquia e, portanto, com capacidade regulatória, foi transformado em fundação em 1967, desabilitado de seu poder pelo Regime Militar. A regulação territorial, que estabeleceu tantos marcos no país, como na transferência da capital para o planalto central em 1960, deixou de existir há mais de 50 anos. Se estávamos na vanguarda mundial na década de 1930, hoje somos vistos pelo retrovisor: nossa política setorial se equipara à de alguns países subsaarianos, em que há receita para implementar uma infraestrutura de dados espaciais, mas não existe interesse político ou econômico.

 

Há uma endêmica dificuldade em se gerir os dados públicos e oficiais de forma eficiente e interoperável no Brasil. Como exemplo, até hoje não conseguimos cobrir o território nacional com mapeamentos na escala 1:100.000 – mínima requerida para o planejamento territorial. O país tem uma das maiores sobreposições de títulos de propriedade do mundo. Nos cartórios, somos 10% maior do que na realidade – um Estado de Minas Gerais a mais. No Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento criado para regularizar as propriedades rurais de acordo com o Código Florestal (2012), diversas regiões apresentam sobrecadastramentos.

 

Em que pese todas essas limitações, há segmentos importantes da sociedade que já têm conseguido empregar as e-infraestruturas em seu benefício. Os bancos já se atentaram a essa realidade e não têm realizado operações de crédito agrícola sem o georreferenciamento das propriedades. Latitude e longitude têm substituído os dados cartoriais na análise econômico-financeira, possibilitando cruzar os dados ambientais, rurais, urbanos, indígenas, quilombolas e de patrimônio histórico em uma única plataforma, aportando inteligência e capacidade de processar dados para a tomada de decisão de crédito.

 

Os órgãos de regulação e controle também entram gradativamente nessa realidade. O Tribunal de Contas da União (TCU) desenvolveu um pioneiro método de controle geoespacial, o Geocontrole, que já tem servido como base para auditorias e fiscalizações de obras em ferrovias, identificando com imagens de satélites irregularidades e cobrando explicações da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e das concessionárias. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por meio do Módulo 10 dos Procedimentos de Distribuição (Prodist), já tem regulado e fiscalizado as distribuidoras com base na qualidade dos dados de seus sistemas de informação geográfica, situação que deve se intensificar nos próximos anos e, por conseguinte, contribuir para fortalecer o “smart grid” que constituirá um renovado segmento econômico no Brasil.

 

Com o crescimento exponencial que as e-infraestruturas devem observar para atender as demandas de gestão de banco de dados geográficos, bem como soluções em tecnologia da informação para o setor elétrico, de óleo e gás, saneamento, rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, ela se qualifica cada vez mais como a “infraestrutura da infraestrutura”, assumindo centralidade no planejamento de novos negócios e na gestão de fluxo de caixa das empresas por tratar da inteligência das redes.

 

Falta apenas uma peça-chave para o fortalecimento desse setor, que é a regulamentação do art. 21, XV da Constituição Federal, que atribui competência a União para legislar sobre Geografia, Cartografia e Estatística oficial. O Congresso Nacional tem cada vez mais se sensibilizado para o tema e realizará, no dia 11 de abril, um simpósio com diversos parlamentares e lideranças setoriais para debater o tema.

 

Serão as e-infraestruturas a próxima fronteira tecnológica que o setor de infraestrutura perceberá, abrindo novos nichos de mercado e viabilizando uma forma digital de se pensar o país, as concessões, a estruturação de negócios e a tomada de decisões. Se o historiador inglês Eric Hobsbawn estiver certo, de que os períodos históricos não se iniciam cronologicamente, mas no momento das grandes alterações no modo de vida e de produção, são as e-infraestruturas que colocarão o setor de concessões no século 21, por possibilitar um efetivo enfrentamento dos desafios financeiros e regulatórios em um mundo em transformação. O aporte massivo de inteligência no setor de infraestrutura também converterá as decisões empresariais de analógica para digital.

 

*Luiz Ugeda é Advogado e geógrafo, Presidente da Geodireito e autor do livro Direito Administrativo Geográfico – Fundamentos na Geografia e na Cartografia oficial do Brasil, lançado em 2017.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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