Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Um projeto ferroviário ligando as duas regiões mais populosas do país, voltado para o transporte de carga geral, minério e grãos, está chamando a atenção de representantes de grandes empresas do setor industrial do país.
Previamente qualificado como Eixo Ferroviário Sudeste Nordeste, ele começaria em Minas Gerais e poderia chegar até Pernambuco, ligando até sete terminais portuários na região e impactando áreas onde vivem 30 milhões de pessoas.
A maior parte da malha seria construída com investimentos na requalificação de corredores que já existem, mas são ferrovias antigas, em bitola estreita, o que reduz a capacidade e o desempenho do transporte ferroviário. Isso inviabiliza a sua conexão com a malha moderna do Sudeste. Também seriam necessários investimentos na construção de ramais de acesso aos portos e de contornos de regiões metropolitanas.
A proposta é a concretização da ideia apresentada pelo consultor Bernardo Figueiredo, ex-diretor-geral da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e ex-presidente da EPL (atual Infra S.A), em artigo para a Agência iNFRA em julho deste ano. Ele vinha trabalhando no tema em conjunto com associações de indústrias da Bahia.
No texto, ele defende que é necessário o país construir ferrovias voltadas para atender a carga geral se quiser mudar o panorama atual de baixa participação do modo na matriz de transporte brasileira. Mas os planos de investimentos em ferrovias são voltados aos grãos e minério, que já estão com corredores em construção/operação para atendê-los.
Debate na Abdib
Após o artigo, o tema virou matéria de debate de setores empresariais e integrantes de diferentes áreas do governo também pediram detalhamentos sobre a proposta.
Na terça-feira (1º), o Comitê de Ferrovias da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), que já vem defendendo a priorização de investimentos em ferrovias voltadas para o mercado de carga geral, teve uma reunião para tratar da ideia, que, de acordo com o levantamento de dados, poderia movimentar mais de 100 milhões de toneladas úteis.
O presidente-executivo da Abdib, Venilton Tadini, elogiou a apresentação do projeto, lembrando que o setor de ferrovias avançou com projetos mais voltados ao setor de commodities, mas que é necessário um olhar para a carga geral.
“O que faltava para ter esses projetos disruptivos era uma avaliação de uma proposta de carga geral, com itens conteinerizáveis, que é onde tem o maior valor agregado. […] A gente não quer um país só de minério e de grãos, que são importantes e têm vantagem comparativa, mas o mundo não vive só de vantagem comparativa”, disse Tadini, lembrando que a retomada de projetos desse tipo será importante para o projeto de reindustrialização do país.
Segundo Bernardo Figueiredo, o transporte entre o Sudeste e o Nordeste atualmente, de acordo com os estudos do PNL (Plano Nacional de Logística), já transporta nas rodovias que servem a essas regiões mais de 100 milhões de toneladas/ano, sendo 20 milhões com características ferroviárias.
A única forma de evitar que o país continue preso ao transporte rodoviário de cargas como bens de consumo, produtos e insumos industriais, combustíveis, medicamentos e outros, para ele, é criar corredores ferroviários no eixo que interliga as regiões Sul, Sudeste e Nordeste, reabilitando a malha que hoje está inoperante ou abandonada.
“Na greve dos caminhoneiros em 2018, não se deixou de embarcar para exportação soja ou minério porque eles são atendidos pelas ferrovias. Mas não tinha combustível nos postos e produtos nos supermercados, porque praticamente tudo é levado de caminhão”, lembrou Figueiredo.
Renovação da FCA
O ponto principal do projeto é, aproveitando a oportunidade da renovação da concessão da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), da VLI, estruturar uma nova concessão que promova a requalificação do trecho que hoje está sob o controle da empresa entre as cidades de Corinto (MG) e Salvador (BA). Esse trecho de 1.154 quilômetros está em bitola métrica.
A partir de Corinto, a malha ferroviária em direção ao Sudeste estará operacional com os investimentos a serem realizados pela FCA na ligação com outra ferrovia, a MRS, e poderá movimentar as cargas com origem ou destino nos principais centros econômicos do país, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.
A FCA está em processo de renovação antecipada da concessão e uma primeira proposta, do governo anterior, que previa a devolução desse trecho, teve resistência de governos locais.
No momento, o governo está refazendo a proposta para a renovação antecipada da FCA, com uma nova diretriz de ampliação de investimentos na própria malha, aumento da outorga e disponibilização da ferrovia que liga o Sudeste ao Nordeste para que seja estruturada uma nova concessão com investimentos na modernização.
Essa proposta cria a oportunidade de implantar um novo corredor ferroviário que, além de atender as demandas regionais (minério e grãos), habilita a ferrovia para o transporte de carga geral e combustíveis.
Fiol
O trecho Corinto-Salvador cruza com a ferrovia que o governo anterior licitou em 2021, a Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), que vai de Caetité (BA), no oeste baiano, em direção à região de Ilhéus (BA), onde a concessionária vencedora da licitação da ferrovia, a Bamin, pretende construir um terminal portuário privado, ainda não iniciado.
No estado, há movimentos de empresas para que o ramal de Corinto seja requalificado para levar as cargas que estão na região da Fiol para os terminais portuários na Baía de Todos os Santos.
Essa visão não é compartilhada pelo ministro da Casa Civil e ex-governador do estado, Rui Costa, que defende a continuidade da Fiol até que ela se encontre com a Ferrovia Norte-Sul e a Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), em construção, formando um corredor único do Centro-Oeste até Ilhéus.
A requalificação do trecho Corinto-Salvador e do ramal para Juazeiro, com extensão total de 1.673 km, tem custo estimado de R$ 10 bilhões, segundo o estudo. De acordo com a proposta de Bernardo para essa ferrovia, seria acrescido, ainda, a extensão do corredor até Recife e a construção dos contornos ferroviários de Salvador, Aracaju e Maceió, com a modernização de mais 1.138 km e a implantação de 388 km de ferrovias novas que custariam outros R$ 12,5 bilhões ao projeto.
Cem milhões de toneladas
Nesse modelo a estimativa é de transportar 100 milhões de toneladas em 2035. O material apresentado indica que o modelo seria viável até mesmo para uma concessão, com taxas de retorno elevadas.
Segundo Bernardo Figueiredo, pode também ser considerada a hipótese de incorporação ao corredor do trecho pernambucano devolvido pela Transnordestina, o que permitiria a conexão com o trecho concedido da Transnordestina que segue para o Ceará. A opção de ligar o corredor à Ferrovia Norte Sul com a construção da Fiol 3 não precisa ser descartada e pode ficar como opções para o futuro.
Além da carga geral, Bernardo Figueiredo indica que a ferrovia também pode ser um grande desenvolvedor para projetos de mineração, especialmente na Bahia, com capacidade para agregar R$ 30 bilhões em investimentos no setor mineral e gerar 40 mil empregos nessa área.
Para a área agrícola, o atendimento à região do Matopiba poderia ser feito não somente para o escoamento de grãos e farelo como no transporte de fertilizantes, como carga de retorno ferroviário.
Descarbonização
O presidente da Abdid citou a boa diversificação portuária e a possibilidade de transportar cargas de minério e agrícola como vantagens para a ferrovia. Segundo ele, o projeto também é um fator a agregar ao processo de descarbonização da indústria, visto que o transporte é um elemento gerador de CO2, se feito em caminhões.
“Para nós, a ideia é muito interessante. A grande contribuição que a Abdib está procurando dar é propor projetos disruptivos nessa área de transporte de carga. O conceito e a proposta fazem todo sentido”, disse o presidente-executivo.