26/09/2025 | 09h00  •  Atualização: 29/09/2025 | 19h14

Fluxo de combustíveis no Centro-Oeste abre espaço para trens e dutos

Foto: Domínio Público

Gabriel Vasconcelos, da Agência iNFRA

As ferrovias vão ser o principal modal a acomodar a explosão na demanda e oferta de combustíveis líquidos da região Centro-Oeste no médio prazo, e o que vai variar é o grau de integração com novos dutos e a malha rodoviária remanescente, dizem especialistas e agentes do mercado ouvidos pela Agência iNFRA. Uma segunda opção é a conformação dessa logística por grandes oleodutos, como o projeto de dois mil quilômetros cogitado pela Petrobras, que hoje tem forte grau de incerteza sobre sua implementação.

A expansão do agronegócio, sobretudo no Mato Grosso, coloca dúvidas sobre o acompanhamento da infraestrutura logística na região. Mas, quando se trata especificamente da necessidade de receber diesel das refinarias do Sudeste e escoar para essa mesma região o etanol, sobretudo de milho, existem duas certezas: volumes cada vez maiores pelo menos até 2035 e a aproximação de um gargalo logístico que vai forçar a superação do caminhão como protagonista para o longo curso desses produtos.

Esse processo já começou e tende a se aprofundar rapidamente, já nos próximos anos. Ainda que focados em grãos, projetos como a expansão de 700 quilômetros de ferrovia da chamada malha norte da Rumo, alcançando o município de Lucas do Rio Verde, no centro do Mato Grosso, deve absorver parte do fluxo de combustíveis. O primeiro trecho, de 160 quilômetros, tem entrega prevista já para o primeiro semestre de 2026.

À Agência iNFRA, o diretor comercial de carga geral da Rumo Logística, Igor Figueiredo, defendeu a multimodalidade, por meio da combinação de ferrovias no trajeto longo, de 1,3 mil a 1,5 mil quilômetros, com caminhões que acessem terminais de integração próximos às usinas do Centro-Oeste e, na outra ponta, em Paulínia (SP), dutos que permitam a saída ou entrada dos produtos sem aumentar o número de caminhões nas regiões metropolitanas do Sudeste. 

Etanol rouba a cena
Há alguns anos, o mercado mais visado passou a ser o de etanol, em detrimento do diesel, que ainda cresce, mas perde proporção no portfólio. Números da consultoria Veeries mostram que a produção de etanol só do Mato Grosso praticamente dobrou desde 2020, de 3,6 bilhões de litros em 2020 para 6,7 bilhões de litros projetados para este 2025, e deve dobrar mais uma vez em 2035, para 12,6 bilhões de litros. Desse total, 92% será biocombustível originado do milho e, o restante, seguirá vindo da cana-de-açúcar.

“O ponto principal é que esses mais de 12 bilhões de litros de etanol futuros, e mesmo que seja ainda mais depois de 2035, podem ser integralmente transportados pela nossa ferrovia. A ferrovia praticamente não tem limite de capacidade [para combustíveis] entre Rondonópolis e Paulínia, e também não terá no trecho expandido. A linha, que é o maior investimento, já está pronta e consegue atender o mercado por meio de investimentos marginais [em terminais e mais vagões-tanque]”, diz Figueiredo.

Plano da Petrobras
A Rumo já atende a Petrobras em seu esforço de ampliar as vendas diretas, levando diesel que chega pelo Osbra (Gasoduto São Paulo-Brasília) para pontos do Centro-Oeste. Mas a petroleira, por meio de sua subsidiária de transporte, a Transpetro, estuda a construção de um novo oleoduto após 2030, para ligar diretamente São Paulo ao meio de Mato Grosso. A estrutura teria cinco terminais no caminho, passando pelo território do Mato Grosso do Sul. Tudo a um custo superior a US$ 2 bilhões, podendo chegar a US$ 3 bilhões segundo fontes do mercado. 

Técnicos de Petrobras e Transpetro dizem já existir demanda madura por combustível para tirar o projeto do papel, mas a tomada de decisão sobre o investimento não estará prevista no próximo plano estratégico 2026-2030, a ser divulgado em novembro, como disse o presidente da Transpetro, Sergio Bacci. Um alta fonte da Petrobras diz que esse tipo de investimento, embora estratégico, tende a ser postergado no atual contexto de redução do capex para se adequar a uma cotação do Brent mais deprimida, na casa dos US$ 60. Diante disso, os investimentos da estatal, diz a fonte, tendem a ser reservados para projetos de incremento da produção de óleo bruto no curto e médio prazos. Não é o caso do novo duto para derivados.

À Agência iNFRA, a Petrobras informou que a proposta do novo oleoduto tem como objetivo principal facilitar a migração do transporte de derivados, hoje feito majoritariamente por rodovias e ferrovias, para um modal “mais eficiente, seguro e com menor impacto ambiental”. Também citou redução de custos logísticos e aumento da previsibilidade no atendimento a compromissos comerciais. Ainda assim, a estatal disse que a integração com os demais modais de transporte faz parte da avaliação em andamento.

Trem, duto ou tudo junto
Nos bastidores, fala-se que um novo duto, eventualmente duplo para contemplar o envio de etanol e com trajeto coincidente com a malha ferroviária, tornaria redundante o transporte de líquidos entre as regiões. As estruturas poderiam esvaziar os trens, carregando os derivados da própria Petrobras e das grandes distribuidoras do país, além de escoar o etanol.

Sócio diretor da consultoria de logística Leggio, Marcus D’Elia concorda. Ele observa que, além de já ter boa parte da linha instalada, o transporte ferroviário vem ganhando mercado no transporte de combustíveis com o aumento da capacidade dos vagões. “Estão mais competitivos nos últimos dez anos”, diz. O especialista também é enfático ao dizer que um único duto para carregamento de diesel não é viável economicamente, sendo dependente da estrutura paralela de etanol para sair da prancheta. “Fora que, para fazer um duto duplo, no caso de haver o de etanol, a Petrobras se limitaria a operadora do duto, sem ser dona do combustível. Isso não faz muito o perfil da empresa”, diz. 

Sobre isso, a Petrobras informou que a proposta de um duto paralelo para etanol ou óleo vegetal não está em análise. “O foco logístico da Petrobras para a região está voltado ao suprimento de derivados”, disse em nota. Mas reconheceu a importância de discussões sobre alternativas complementares, devido ao crescimento do etanol de milho.

Segundo D’Elia, os pontos de maior demanda na extensão cogitada pela Petrobras são evidentes. Ao sair de Paulínia, deve tangenciar Araçatuba (SP), antes de alcançar Campo Grande (MS) e subir para Rondonópolis, Cuiabá, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde e Sinopi, todas cidades mato-grossenses. 

O consultor Lucas Caetano, também da Leggio, observa que um duto supera uma ferrovia em eficiência quando, ao longo do trajeto, há mercados grandes para “vazar” o combustível para terminais, aumentando a capacidade total da operação. “Não é o caso, por exemplo, do trecho entre Campo Grande e Rondonópolis. Ali, o que melhor cabe é mesmo o transporte por trem”, afirma.

A diretora de estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), Heloísa Borges, lembra que, sob a ótica da Petrobras, o duto passa a ser mais vantajoso na medida em que reduz os custos da companhia, dentro de uma lógica interna. Ainda assim, sob uma ótica de integração nacional, ela defende a solução multimodal, que passaria por mais oleodutos, inclusive no Centro Oeste, mas envolveria os trens como possível interligação entre dutos. 

A tese encontra respaldo no PIO 2025 (Plano Indicativo de Oleodutos), recém-lançado pela EPE. O documento contempla, por exemplo, três dutos de etanol, um ligando Paulínia (SP) a Anaurilândia (MS), e outros dois ligando o município de Sorriso (MT) a Água Boa (MT), e Porto Nacional (TO). Para derivados, são recomendados um duto de derivados saindo de Rondonópolis (MT) novamente para Sorriso (MT) – reforçando a centralidade do Mato Grosso no planejamento da logística nacional – e um duto de derivados de petróleo entre Paulínia (SP) e Campo Grande (MS). Ligando esses vários traçados, sugere Heloísa, entraria o trem, de forma mais verticalizada. Juntos, esses cinco empreendimentos para o longo prazo são estimados em R$ 30,04 bilhões pelos técnicos da EPE.

Estudo da Leggio encomendado pelo IBP aponta que uma solução mais imediata para os gargalos no trânsito de derivados de petróleo e biocombustíveis em todo o país passa por investimento menor, da ordem de R$ 8,6 bilhões, em terminais, dutos e ferrovias (vagões-tanque, terminais etc). Desse montante, pouco mais da metade, R$ 4,64 bilhões, alcançaria projetos que adensam a malha ferroviária não só no Centro-Oeste, mas ajudam a integrar essa região ao Norte (via Ferrogrão), Sul e principalmente Sudeste, onde se destaca a presença da Rumo.

Números
Diretora do IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás Natural), Ana Mandelli, afirma que a logística ligada diretamente (grãos) e indiretamente (combustíveis, por exemplo) ao agronegócio já sofre com gargalos que, na prática, abrem espaço para esses investimentos bilionários, alguns em curso no caso das ferrovias e em fase de estudos para dutos.

A executiva diz que o consumo de diesel do Centro-Oeste já chega a 9 bilhões de litros por ano e vai continuar subindo anualmente, pelo menos, nos próximos 10 anos. Essa demanda atual da região se aproxima de 15% dos mais de 60 bilhões de litros consumidos em todo o país. No caso específico do Mato Grosso, fronteira agrícola mais importante, essa demanda já passa hoje dos 3,5 bilhões de litros de diesel e, segundo projeções da Rumo Logística, vai chegar a 2035 na casa dos 4,4 bilhões de litros. Esse diesel é usado pelos caminhões na movimentação de grãos. No estado, para efeito de comparação, o consumo futuro de gasolina deve flertar com a estabilidade, saltando de 400 para 500 milhões de litros no período, em função da competição do álcool hidratado produzido na própria região.

Mas, como deixa clara a dinâmica atual da Rumo, a pressão logística maior é para o etanol. Segundo Giuseppe Lobo, diretor executivo do BioInd-MT (Associação das Indústrias de Bioenergia do Mato Grosso), o estado já caminha para produzir 7 bilhões de litros de etanol ao ano, com consumo interno de apenas 1,3 bilhões de litros e o restante (5,7 bilhões de litros) para envio a outros estados, sobretudo São Paulo. 

“A questão logística é central para nós, porque vamos ter de escoar volumes cada vez maiores e, hoje, quase tudo ainda é feito por caminhão”, diz. Lobo conta que o setor tem se organizado para pleitear o apoio dos governos estadual e federal na construção de dutos que possam escoar volumes, inclusive de grandes produtores, como Inpasa e FS. Mas Lobo é agnóstico com relação à solução, se dizendo aberto à saída por ferrovia.

Rumo avança
Sobre isso, o diretor da Rumo Logística, Igor Figueiredo, diz que a empresa cresce rápido nessa frente de negócio. Nos cinco anos até 2024, o volume total de combustível transportado pela Rumo saltou 64,8%, fechando o ano passado em 4,5 bilhões de litros, dos quais a maior parte, 63%, é biocombustível. A projeção é fechar 2025 em 5,3 bilhões de litros, sendo 65% bicombustível, a maior parte etanol.  

“Como o ‘boom’ do etanol de milho acontece onde já estamos posicionados, onde estamos fazendo a expansão, e onde já subíamos com derivados há alguns anos, temos adequado a companhia para atender esse mercado tão pujante, aumentando vagões e locomotivas”, conta. Hoje, quase 10% dos 33 mil vagões da companhia (3 mil) são do tipo tanque, com planos de incremento conforme demanda. Cada vagão tanque comporta mais de 100 mil litros de combustível.

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