Indefinição em projetos portuários pode virar gargalo para setor de contêineres em Santos

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

A indefinição por mais de seis meses nos mais relevantes projetos portuários do país, especialmente os ligados ao setor de contêineres, poderá cobrar um preço à economia no futuro, com restrições que podem levar a gargalos operacionais e aumento de custos aos usuários dos serviços.

É o que alertam representantes de empresas de navegação com quem a Agência iNFRA conversou nas últimas semanas e que pediram anonimato. Sinal de alerta já foi dado com a ampliação do tempo de espera dos navios de contêineres no principal porto do país no primeiro semestre deste ano, de acordo com dados oficiais. 

O Ministério de Portos e Aeroportos diz que os processos estão passando por remodelagem para melhor endereçar a demanda do setor de contêineres e defendeu que ela pode ser atendida pelas ampliações previstas (nota completa aqui). 

Responsáveis pelo setor de terminais, também sob a condição de anonimato, rebatem, informando que as ampliações previstas são capazes de suportar a demanda dos próximos anos e que a pressão das empresas de navegação é parte de um processo para ampliar a concentração de mercado no setor portuário. 

Indefinidos desde que o governo passado perdeu as eleições, os projetos que poderiam ampliar a capacidade de movimentação especialmente em Santos (SP) não têm mais data para serem licitados. O governo anterior tinha prometido para 2022 a solução, mas não cumpriu.

O principal fator para isso, de acordo com um analista, foi a inclusão no processo de concessão do porto de Santos da construção do túnel ligando a cidade ao Guarujá, que depois acabou virando plataforma política para o ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas, que deixou o cargo em março de 2022 para concorrer ao governo de São Paulo, onde foi eleito. 

No Porto de Santos, há três projetos principais com impacto no setor de contêineres. Um deles é o aprofundamento do canal de acesso do porto, que passaria dos 15 metros para os 17 metros. Esse aprofundamento é considerado fundamental para que o país possa começar a receber navios de maior capacidade, acima dos 12 mil TEUs (unidade de medida para contêineres).

Hoje os navios que chegam à costa brasileira raramente alcançam os 10 mil TEUs. Mas a tendência do mercado é ir retirando esse tipo de navio de circulação do comércio internacional, substituindo-os por maiores. Lá fora já se começa a operar navios de até 24 mil TEUs. 

De acordo com dirigente com ligação com empresa de navegação, se o país não estiver preparado para receber navios maiores, a tendência é que haja menos linhas para cá ou que elas fiquem mais caras, reduzindo a competitividade do Brasil no comércio exterior e com potencial para aumentar custos para toda a economia.

Novo canal na concessão
A ampliação da profundidade do canal de Santos estava prevista no governo anterior para ser feita no processo de concessão do porto, modelo que foi descartado desde o início pelo novo governo eleito em outubro de 2022. 

No entanto, passados quase oito meses da vitória e quase seis da posse, não há uma definição sobre como e quando será feita a contratação para esse serviço de aprofundamento e posterior manutenção. A prioridade tem sido discutir a construção do túnel que, na visão de especialistas, tem impacto muito menor que o aprofundamento para as operações do porto.

Na semana passada, a APS (Autoridade Portuária de Santos) afirmou que o aprofundamento do canal está entre suas prioridades e que vai ser feito com recursos do caixa da empresa, mas sem anunciar uma estimativa de como será a modelagem do projeto ou prazo para sua conclusão. 

O novo diretor-presidente da empresa, Anderson Pomini, assumiu há pouco mais de um mês, após um longo processo de negociação política no início do governo, o que também atrasou a nomeação de outros integrantes do governo responsáveis pelo setor.

Renovação para o BTP
Os outros dois projetos para o setor têm relação com terminais. Um deles, apesar de não estar concluído, teve andamento nas últimas semanas e estaria próximo de uma definição, de acordo com fontes ouvidas pela Agência iNFRA. O ministério de Portos e Aeroportos deve permitir a renovação do contrato do BTP (Brasil Terminal Portuário), um dos três terminais de movimentação de contêineres em Santos.

O contrato vence em 2027 e a intenção da companhia, uma sociedade entre as empresas APM Terminals e TiL (Terminal Investment Limited), pertencentes respectivamente aos grupos Maersk e MSC, é renová-lo em troca de investimentos superiores a R$ 1 bilhão que possam ampliar a capacidade. O processo estava praticamente finalizado no início deste ano.

Novas análises ocorreram na atual gestão por causa de um outro projeto, que estava também ligado à concessão do porto: a criação do 4º terminal de contêineres, o STS10. A futura área do STS10 é contígua à do BTP e se chegou até a sugerir no governo atual a criação de um único terminal.

Mas a tendência agora é outra. É que o BTP seja renovado e que o STS10 seja licitado, mas num projeto menor que o imaginado até o ano passado, já que no espaço destinado para ele seriam colocados um novo terminal de carga geral e outro de passageiros, acomodando outras demandas do porto. 

Alertas para gargalos
Nos estudos encomendados para a licitação do STS10, havia alertas de que o porto de Santos já estava com capacidade para operar esse tipo de carga acima do que é recomendado por parâmetros internacionais e que em 2029 o porto já estaria movimentando mais contêineres que sua capacidade, o que reduz a eficiência.

Os estudos são de 2020. Mas dados recentes não mostram que houve melhora. De acordo com dado do Anuário Estatístico da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) obtido pela Agência iNFRA, nos quatro primeiros meses de 2023, o tempo médio para atracação dos navios de contêineres subiu 47%, mesmo havendo uma variação de apenas 1% na quantidade de atracações.

Segundo um especialista, não houve eventos climáticos que justificassem esse crescimento, os terminais foram mais eficientes que em 2022 para colocar e retirar os contêineres dos navios, e outros tipos de cargas não mostraram a mesma variação no tempo de espera das embarcações.

Para ele, esse é um “sinal amarelo” de que há necessidade de acelerar o processo de ampliação de movimentação de contêineres no porto. O primeiro semestre é um período naturalmente de menor movimentação de cargas conteinerizadas, que costumam crescer no segundo.

Estudos com problemas
Outro especialista no tema indica que os estudos do STS10 tinham problemas que precisavam ser solucionados, como a falta de capacidade externa para receber caminhões, por exemplo. Mas que o processo foi acelerado sem as devidas análises, não por causa da falta de capacidade do porto para a movimentação de contêineres, mas pelo fato de a BTP estar operando no limite. 

Há um processo em apuração nos órgãos de defesa da concorrência de que Maersk e MSC, principais operadoras de navios, aplicariam procedimento de “self preferencing”, levando mais cargas para o BTP, que pertence aos seus grupos, do que para os outros dois terminais, o Santos Brasil e o DP World, que não têm empresas de navegação associadas e têm operado abaixo da capacidade. As empresas negam essa prática.

Santos como Hub
Os especialistas são unânimes em apontar que o porto de Santos (SP) precisa estar preparado para ser o principal recebedor de cargas conteinerizadas do país, num processo também internacionalizado de criar hubs para os grandes navios atracarem e depois a carga ser redistribuída em embarcações menores.

Isso ocorre porque a tendência do mercado, além de navios maiores, é ampliar o processo de conteinerização de cargas, de acordo com Ricardo Propheta, diretor da BRZ Investimentos, fundo que opera no setor portuário e tem o controle de um dos principais portos de contêineres do país, o Itapoá (SC). Ele explicou que cada vez mais setores estão se valendo dos contêineres para embarcar seus produtos.

“De 2010 a 2020, a movimentação de contêineres nos portos brasileiros cresceu 5% a 6% ao ano. O PIB não chegou nem perto disso”, comparou Propheta.

Itapoá é um TUP (Terminal de Uso Privado) que tem, além do BRZ, a Maersk como sócia, com investimentos programados para crescer de 1,2 milhão de TEUs por ano de movimentação para algo entre 1,6 milhão e 1,8 milhão até o fim deste ano. Segundo ele, o país precisa de muito mais investimentos nesse setor nos próximos anos.

Propheta avalia que a Lei de Portos de 2012 tem funcionado bem para investimentos privados, mas as autoridades portuárias continuam sendo gargalo para o setor. Com a decisão de não conceder mais as autoridades portuárias, será necessário que os governos tenham mais clareza nos modelos de gestão dos portos públicos como forma de melhorar a eficiência logística.

“Entendo que as decisões de privatizar não são óbvias, passam por questões políticas, ideológicas. Mas, se não for privatizar, precisa ter mais clareza no funcionamento das coisas”, explicou o diretor do fundo, indicando que as autoridades funcionam de forma pouco padronizada pelo país.

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