Rui Altieri*
Recentemente, a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) alcançou a marca de 10 mil empresas associadas. Em cinco anos, o mercado triplicou de tamanho. Quando assumi a presidência desta organização, em 2015, contávamos com 3.244 agentes. Diversos fatores contribuíram para esse aumento exponencial: leilões de sucesso, maior atratividade do mercado livre, criação de comercializadoras, entre outras. Mas os números por si só nem sempre representam a realidade completa.
Será que 10 mil representa o potencial da comercialização de energia na atualidade? Mesmo se o número for multiplicado e falarmos em 21 mil ativos registrados, reunindo cargas e unidades geradoras? Ou se amplificarmos ainda mais o olhar para os pontos de medição vinculados a cada conexão? Seriam 38 mil. Por mais significativos e simbólicos que os números sejam, alcançar marcas expressivas carrega significados para além desses objetos abstratos da matemática.
É preciso olhar o que está por trás dos números, sem menosprezar sua importância. Precisamos destacar, por exemplo, a equação que sustenta o crescimento permanente do mercado: estabilidade regulatória, respeito aos contratos e oportunidades. Mesmo com impactos de crises econômicas internacionais e nacionais, discussões jurídicas e morosidade em avanços do mercado, os investidores e a indústria permanecem acreditando na rentabilidade e na solidez do setor elétrico e isso nos dá a clareza de que a trajetória é de sucesso.
Ou, em outra frente, reforçar também como caminhamos para a construção de um mercado cada vez mais aberto para o consumidor, o que é natural. Há um anseio da sociedade por mais liberdade de escolha e pelo poder de decisão dos indivíduos. Isso tem transformado as relações comerciais e a economia em diversos países. Não seria diferente no setor elétrico brasileiro. A modernização vai além da inserção de tecnologia, pressupõe um olhar vanguardista.
Se imaginamos um mercado amplamente aberto, com cada vez mais consumidores, será que precisamos já nos prepararmos com novas regulamentações ou estruturas para garantir boas experiências aos entrantes? Até quando o varejista será uma figura atuante para apenas uma pequena parcela de empresas? Não podemos apenas comemorar o crescimento dos números da comercialização, precisamos garantir que todos os 10 mil, 20 mil ou 30 mil agentes tenham condições isonômicas em sua atuação. E isso não significa equidade, pois o princípio da isonomia pressupõe o respeito às diferenças contextuais para aplicação igualitária de regras e normas.
Cabe a nós, líderes de instituições, de empresas e de organizações assumirmos as rédeas e nos despirmos de convicções ideológicas para nos anteciparmos às necessidades e questões futuras que se desenham. Precisamos colocar as questões conjunturais em seu devido lugar, de soluções rápidas e eficazes, deixando que fatores estruturais assumam o protagonismo do planejamento e do crescimento.
Teremos que aprender com os desafios do passado. Nos últimos anos, despendemos esforços constantes para destravar o risco hidrológico. Uma sigla que era de conhecimento apenas dos especialistas em energia, se tornou símbolo do setor para advogados, juízes, jornalistas, políticos e investidores. O “GSF” deixou de ser uma questão técnica e virou um asterisco incorporado aos investimentos, receitas e planejamento do mercado. Espero que o setor cada vez mais procure soluções internas para evitar que o grão de neve se transforme em uma avalanche.
Olhemos para o preço horário. Discutimos sua adoção desde o desenho do novo modelo, no projeto RE-SEB, ainda na década de 90. Estudamos, analisamos, paramos, retomamos e só agora, em janeiro de 2021, vamos implementar. E, mesmo assim, sentimos a corda da resistência à mudança se tencionar. É preciso enfrentar o novo, a modernização do setor convive intrinsecamente com os medos das transformações.
Enfim, estamos comemorando os 10 mil agentes, o que demonstra o crescimento e a força do mercado de energia. Em breve, vamos alcançar novas marcas e números importantes. Essa evolução precisa ser acompanhada por melhorias regulatórias concretas e é preciso coragem para continuar expandindo de forma sustentável.