Nathália Caroline Fritz Neves* e Gabriella Airem Brito Freire**
Nas últimas semanas, o Congresso Nacional voltou a adiar a votação relativa aos vetos à Nova Lei de Ferrovias (Lei 14.273 de 23 de dezembro de 2021) por falta de acordo entre os parlamentares. A demora e a discordância na análise dos vetos suscitam questionamentos quanto ao futuro do marco legal e eventuais impactos ao setor.
Cumpre relembrar que o Novo Marco Legal das Ferrovias trouxe novidades ao setor ferroviário, ao dispor acerca da possibilidade de outorga de autorizações para operação ferroviária em regime privado, que passaram a conviver com o modelo já existente de concessões, operadas em regime público. Até o momento, 38 contratos de adesão já foram celebrados e 23 extratos de requerimento publicados no sítio eletrônico da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).
Assim, torna-se de grande relevância a avaliação dos vetos, suas justificativas e verificação das possíveis consequências deles decorrentes.
Neste particular, dentre os dispositivos vetados, destaca-se o veto à competência que havia sido conferida ao órgão regulador (ANTT) para definir o futuro e destinação dos trechos desativados ou em processo de devolução. A justificativa dada para o Veto 67.21.001 se pautou em razão de suposta oposição ao interesse público por estabelecer indevidamente a competência para destinação de imóvel de titularidade da União ao regulador ferroviário, em contraposição ao disposto no art. 23 da Lei 9.636, de 15 de maio de 19981.
Outro ponto notório consiste nos vetos a requisitos documentais e técnicos para instrução do pedido de autorização ferroviária, simplificando os procedimentos ao excluir, por exemplo, a exigência de apresentação de relatório executivo dos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental, a indicação da capacidade de transporte da ferrovia a ser construída e a definição de cláusula contratual dispondo acerca das condições técnico-operacionais para interconexão e para compartilhamento da infraestrutura ferroviária, sob a alegação de que tais critérios devem ser analisados exclusivamente pelo particular, ao qual imputa-se o risco da exploração da atividade. De modo geral, esses vetos apontam para uma redução do controle estatal dos pedidos e contratos de autorização ferroviária.
Importante notar ainda que a proposição legislativa não permitia a recusa injustificada de transporte de cargas nas ferrovias outorgadas, sendo causas permissíveis apenas: a saturação da via, o não atendimento das condições contratuais de transporte e a indisponibilidade de material rodante e de serviços acessórios adequados ao transporte da carga.
Entretanto, tal previsão foi vetada por entenderem que o artigo de vedação à recusa injustificada é aplicável para qualquer ferrovia outorgada, quer no regime de direito público, quer no regime de direito privado. Na outorga em regime de direito privado, por autorização, essa obrigação não faria sentido, haja vista a discricionariedade do autorizatário acerca da disponibilidade ou não de capacidade de transporte em suas linhas férreas.
Além disso, foi vetado o texto inicial do art. 64, §11º e alguns incisos do §12º, que previa o direito à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro quando não ocorresse a adaptação de concessões em autorizações, e, ainda, fosse devidamente comprovado o desequilíbrio decorrente de outorga de autorizações para a prestação de serviços de transporte dentro da sua área de influência.
O referido veto foi motivado por vislumbrar a alocação de risco fiscal para a União ao criar a possibilidade de esta arcar com eventual despesa referente ao reequilíbrio, caso não ocorra a conversão do contrato de concessão para autorização, uma vez que o concessionário manteria as obrigações financeiras perante a União, em virtude do disposto no inciso II do §5º do art. 642, quando da migração do contrato.
Ademais, alegou-se que a criação de área de influência seria um tipo de restrição geográfica de atuação e, como tal, seria uma prática eivada de efeitos anticompetitivos, uma vez que impediria que outros concorrentes atuassem nesta localidade. A Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011, tipifica no inciso III do § 3º do art. 363 que toda prática que limita ou impede o acesso de novas empresas ao mercado é uma conduta anticompetitiva. Assim, não haveria que se falar em área de influência, sob pena de a nova legislação contradizer o comando da livre iniciativa e o princípio da livre concorrência insculpidos no art. 170 da Constituição Federal.
Cumpre destacar que, decorrido mais de dezesseis meses desde a publicação da Lei 14.273/2021, dos 38 dispositivos vetados, apenas um já foi deliberado e mantido (Veto 67.21.038), em sessão do Congresso realizada em abril de 2022. Trata-se do trecho que determinava que o marco legal teria 90 dias para entrar em vigor. Com o veto mantido, a lei é considerada válida desde dezembro de 2021, quando foi sancionada.
Assim, em que pese a expectativa de que o Veto 67 seja em breve reinserido na pauta conjunta para deliberação, a falta de acordo entre os parlamentares e as novas pretensões do Governo Federal para o setor ferroviário, em especial o foco dado à estruturação dos Programas de PPPs (Parcerias Público-Privadas), podem postergar ainda mais a votação e alcance de consenso quanto aos vetos, permanecendo incerto o futuro do marco legal e, consequentemente, do setor ferroviário.