Marvin Menezes*, Rafaela Rocha** e Wallace Almeida***
O setor elétrico é um pilar essencial da infraestrutura e economia de qualquer país. No entanto, o surgimento de disputas e litígios entre os participantes desse setor é algo inevitável e que, não raras vezes, envolve valores milionários ou até bilionários. A resolução rápida e eficiente desses conflitos, por sua vez, acaba sendo crucial para garantir a estabilidade e o desenvolvimento do setor.
Nesse contexto, a nova Convenção de Arbitragem aprovada pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) e já homologada pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) na 4ª reunião pública ordinária da diretoria, realizada em fevereiro, surge como mais uma ferramenta promissora para agilizar e fortalecer a resolução de disputas no setor elétrico, ainda que, nesse caso, restrinja-se aos participantes da própria Câmara e a alguns temas específicos.
Como se sabe, afinal, a arbitragem oferece celeridade e especialização na análise das questões do setor, garantindo, ou ao menos pretendendo garantir, uma resolução mais eficiente e justa dos litígios – cuja complexidade, não há quem negue, por vezes até assusta o Judiciário.
Antes, no entanto, embora já existente a Convenção de Arbitragem da CCEE, o que se via eram gargalos no procedimento, como a falta de competitividade de câmaras arbitrais (até então era prevista apenas a Câmara da Fundação Getulio Vargas – FGV) e o descompasso do texto vigente com a evolução do mercado.
Ao rever o procedimento, a CCEE identificou, então, a necessidade de permitir uma pluralidade de câmaras arbitrais de modo que, dentre aquelas homologadas pela CCEE, o agente poderá fazer a sua própria opção. O efeito dessa alteração, conforme pretendido pela CCEE ao implementá-la de fato, foi justamente trazer maior competitividade, assim como flexibilidade operacional e otimização de custo da arbitragem.
Também procedeu a Câmara ao aprimoramento do texto vigente para deixar claro que a via arbitral não é obrigatória nos conflitos bilaterais que não afetem direitos de terceiros e, por consequência, não repercutem nas operações da CCEE.
Ainda, a nova Convenção consolidou a prática, já há muito adotada pela CCEE, de cobrança judicial de valores inadimplidos. Agora, tornou-se explícito que deve ser utilizada a via judicial pela CCEE para cobrança de valores inadimplidos por agentes ou não agentes, inclusive penalidades.
Outra importante mudança da Convenção foi a instituição de mecanismo de proteção ao mercado. Com a finalidade de garantir que os efeitos financeiros das decisões oriundas de conflitos bilaterais fiquem restritos às partes de determinado procedimento arbitral, foi inserido dispositivo que permite a exigência de garantia pelas partes envolvidas. Em outras palavras, passou-se a permitir à CCEE requerer ao Tribunal Arbitral a prestação de garantias idôneas nos casos em que a operacionalização da decisão venha a impactar outros agentes que não estejam envolvidos no conflito.
Com o intuito de ampliar o rol de possíveis árbitros a serem selecionados pelos agentes, alterou-se a existência de hipótese de impedimento para hipótese de suspeição de árbitros, o que permite o afastamento da suspeição de forma motivada. Ex-contratados e ex-prestadores de serviço em caráter permanente ou temporário ou ex-consultores das partes, por outro lado, tiveram redução do tempo de quarentena de dois para seis meses, a partir de quando podem então ser escolhidos como árbitros.
Novidade interessante também consiste na divulgação de jurisprudência, já que foi inserido na nova Convenção dispositivo que obriga as câmaras arbitrais a criarem repositório público de ementas, respeitando-se as questões de confidencialidade.
A despeito de já estar vigente a nova Convenção, vale dizer que a CCEE, com o objetivo de evitar situação de insegurança jurídica e preservar todos os efeitos dos atos atinentes aos procedimentos instaurados anteriormente, previu expressamente que a nova Convenção é aplicável aos conflitos que sejam instaurados apenas após a vigência do novo texto, ou seja, após a homologação da Convenção Arbitral pela ANEEL.
Seja como for, as novas regras serão aplicadas a todos os agentes que atuam no âmbito da CCEE, e que, destaque-se, aumentam em número de forma expressiva desde 2016, tendo sido alcançada a marca de 13.386 cadastrados só em 2022, representando crescimento de 10,6% em relação a 20211. Consequentemente, com a cada vez mais rápida entrada de novos agentes no setor de energia, especialmente no mercado livre, é provável que ocorra também aumento significativo nos conflitos sujeitos à resolução nos termos da nova Convenção.
Dentro desse cenário, não poderia ser mais oportuna a modernização da Convenção, que acaba por representar mais um elemento favorável à abertura do mercado e ao desenvolvimento do setor elétrico.