Ana Claudia Franco, Felipe Lisbôa e Julia Cacella Araújo*
O Brasil, por ser um país com dimensões continentais, com um grande espaço marítimo sob sua jurisdição, possui características favoráveis para a viabilização de empreendimentos eólicos offshore.
Nesse contexto, no dia 25 de janeiro de 2022, foi publicado o Decreto nº 10.946, que dispõe sobre cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais em águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore.
Segundo o Ministério de Minas e Energia, tal decreto tem o objetivo de preencher lacunas de um marco regulatório para a exploração do potencial elétrico offshore no Brasil, em especial relacionado a questões sobre a implantação e ao modelo de concessão, contribuindo para trazer segurança jurídica aos investidores nacionais e internacionais.
O potencial eólico do Brasil vem se ratificando nos últimos anos, sendo que pelo último relatório consolidado do BEN (Balanço Energético Nacional), de 2021, a fonte eólica representa 8,8% da Matriz Elétrica Nacional. Comprovando o potencial eólico e o interesse que o setor desperta, também se destacam os diversos pedidos de licenciamento ambiental – 80,4 GW de acordo com as últimas informações divulgadas pelo Ibama em seu site – para projetos dessa natureza, que agora encontram ambiente regulatório mais seguro e estável para realização dos investimentos que serão necessários.
Apresenta-se, a seguir, os principais pontos trazidos pelo decreto.
O novo regulamento fortalece a pauta ESG ao estabelecer que a cessão de uso dos espaços físicos para a instalação de empreendimento de geração de energia elétrica offshore buscará promover o desenvolvimento sustentável, a geração de emprego e renda, a racionalidade no uso dos recursos naturais para o fortalecimento da segurança de energia elétrica, incluída sua integração com outros setores, quando cabível, o estudo e o desenvolvimento de novas tecnologias relacionadas à energia, o desenvolvimento local e regional, preferencialmente com ações que reduzam a desigualdade e promovam a inclusão social, a diversidade e a evolução tecnológica, a harmonização do uso do espaço marítimo, de modo a respeitar as atividades que tenham o mar e o solo marinho como meio ou objeto de afetação, e a responsabilidade quanto aos impactos decorrentes da exploração da atividade de geração de energia
Estabelece, ainda, que o uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais localizados no mar territorial dependerá de autorização do Ministério de Minas e Energia, mediante celebração de contrato de cessão de uso onerosa de bem público.
A cessão de uso se dará mediante cessão planejada ou cessão independente. A cessão planejada consiste na oferta de prismas – áreas verticais de profundidade coincidente com o leito submarino, com superfície poligonal definida pelas coordenadas geográficas de seus vértices, onde poderão ser desenvolvidas atividades de geração de energia elétrica – previamente delimitados pelo Ministério de Minas e Energia a eventuais interessados, mediante processo de licitação. Já a cessão independente consiste na cessão de prismas requeridos por iniciativa dos interessados em explorá-los, sendo certo que, neste caso, Ministério de Minas e Energia poderá indeferir o requerimento de cessão independente (i) quando houver indício de intenção de uso especulativo pelo requerente, (ii) em razão da grande extensão da área solicitada ou (iii) do baixo nível de exploração de outras áreas já cedidas ao requerente ou às empresas do mesmo grupo econômico.
Tal cessão poderá ser gratuita, quando tiver por finalidade a realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, ou onerosa, quando tiver por finalidade a exploração de central geradora de energia elétrica offshore.
Havendo a obtenção da cessão de uso, deverão ser realizados, pelo empreendedor, os estudos necessários para a identificação do potencial energético offshore do prisma, conforme critérios e prazos estabelecidos pelo Ministério de Minas e Energia.
A aprovação destes estudos será realizada pela ANEEL, que atestará o atendimento aos quesitos do Ministério de Minas e Energia. Ressalta-se que a aprovação é condição para outorga para exploração do serviço de energia elétrica.
Além disso, o decreto prevê a possibilidade de o Ministério de Minas e Energia delegar à ANEEL as competências para firmar os contratos de cessão de uso e para realizar os atos necessários à sua formalização. Os contratos de cessão de uso deverão contar com os requisitos mínimos definidos no Art. 19 do Decreto (por exemplo, prisma objeto do contrato; condições e prazo, obrigatoriedade de realização dos estudos de potencial energético, disposições sobre o descomissionamento, a extensão da vida útil ou a repotenciação do empreendimento, entre outros), sem prejuízo de outras disposições previstas na legislação aplicável.
Por fim, destaca-se que, a critério do Ministério de Minas e Energia, poderão ser realizados leilões específicos para a contratação de energia elétrica offshore quando indicado pelo planejamento setorial, por meio de estudos de planejamento desenvolvidos pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) ou do Plano Decenal de Expansão de Energia, mediante critérios de focalização e de eficiência.
A regulamentação tem o potencial de ser, portanto, uma força motriz do incremento do desenvolvimento da energia eólica no país, alinhando-se com os objetivos do Plano Decenal de Energia 2031, elaborado pela EPE e pelo Ministério de Minas e Energia – que se encontra em consulta pública até o dia 23 de fevereiro –, e com as diretrizes da política climática.