Carolina Xavier da Silveira Moreira*
A crise econômica iniciada na segunda metade de 2014 e aprofundada pelos reflexos da Operação Lava Jato trouxe claros e contundentes reflexos para diversos setores da economia, tais quais o da indústria naval e o da construção civil. Inúmeros contratos de longa duração foram descumpridos, já que, no mais das vezes, a relação jurídica existente era complexa, isto é, envolvia a contratação em cadeia de diversas empresas. A paralisação de pagamentos por parte de um contratante, geralmente o principal, ou seja, aquele que havia dado azo à contratação em cadeia, acarretou o imediato descumprimento de diversos outros contratos. É exemplo paradigmático do quanto se afirma o caso Petrobras/Sete Brasil, que gerou reflexos em inúmeros estaleiros nacionais, atualmente em recuperação judicial.
Tal fenômeno deu início, no meio jurídico, a um movimento bastante acentuado de renegociação contratual, que trazia em seu bojo hipóteses de suspensão da execução contratual e/ou alteração das condições de cumprimento e pagamento da prestação pactuada, muitas vezes acompanhada pela redefinição do escopo do quanto contratado. Advogados geralmente habituados ao litígio, viram suas atividades voltarem-se preponderantemente à prevenção da disputa, mudando, em certa medida, o perfil da advocacia contenciosa, que passou a focar seus esforços na resolução de disputas de modo geral, incluindo a prevenção do litígio e a solução da controvérsia via negociação.
É bem verdade que, no mais das vezes, tais renegociações eram iniciadas por força de cláusulas contratuais nesse sentido. Porém, os contratos desprovidos de cláusula de renegociação também podem ser submetidos a tal procedimento.
Atualmente, a legislação brasileira prevê a possibilidade de revisão ou resolução contratual apenas se ocorrerem eventos imprevisíveis e extraordinários que afetem o cumprimento da obrigação. Contudo, a crise econômica que vem abatendo o Brasil há alguns anos não serve de fundamento para a revisão ou resolução contratual, porque, historicamente, o país é assolado por inflação desmesurada. Foi somente a partir de 1994 que a moeda passou a ter algum tipo de estabilidade, mas não passou ilesa às crises cambiais e/ou econômicas, estas últimas decorrentes da globalização da economia (tal qual a crise do subprime norte-americana) ou da corrupção tupiniquim (tal qual a revelada pela Lava Jato).
Nesse cenário, o dever de renegociar encontra seu fundamento legal na autonomia privada, boa-fé objetiva e função social do contrato, sempre presentes em qualquer relação contratual, e dá concretude ao princípio da conservação dos negócios jurídicos.
Especialmente em relações jurídicas de longa duração, é natural que as circunstâncias externas que permearam a assinatura do contrato sejam alteradas ao longo de sua vigência, o que pode impactar no equilíbrio originalmente estabelecido, com a desnaturação do risco assumido pelas partes. Nessa hipótese, é mais natural ainda esperar que as partes, em postura colaborativa, tomem as medidas necessárias para que os rumos do quanto pactuado sejam retomados, a fim de que o programa contratual possa ser cumprido. E isso se torna ainda mais relevante na hipótese de o contrato em questão ser de tal envergadura que acarrete o fechamento de inúmeros outros negócios e impacte a economia da sociedade no qual está inserido.
Evidentemente, se as partes renegociarem o quanto pactuado de boa-fé, mas, ainda assim, não for possível corrigir os rumos do contrato, o caminho natural é o da resolução ou, excepcionalmente, da revisão contratual.
Porém, se houver recusa no dever de renegociar, a parte que se recusar poderá ser impelida judicialmente a tanto. Mantida, contudo, a recalcitrância ou, ainda, se a parte se negar a renegociar de boa-fé ou desistir da renegociação, a via que se abre é a da resolução ou, excepcionalmente, revisão contratual, sem prejuízo do pagamento da indenização decorrente da postura renitente daquele que, de algum modo, esquivou-se da renegociação.
Apesar de não poderem exigir que as partes efetivamente renegociem o quanto pactuado, os integrantes da cadeia contratual formada a partir do contrato cuja renegociação se pretende também poderão requerer a indenização pelos prejuízos sofridos em decorrência direta e imediata do descumprimento do dever de renegociar.