iNFRADebate: Será a volta por cima da energia nuclear?

Ana Claudia La Plata de Mello Franco*

Um relatório divulgado neste mês pela IEA (International Energy Association), uma das principais organizações internacionais que atua com análise de dados e desenvolvimento de políticas de segurança energética, desenvolvimento econômico sustentável e proteção do meio ambiente, ligada à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), traz à tona a discussão sobre a importância da energia nuclear para a construção de matrizes energéticas limpas, e sua contribuição para a transição visando ao atendimento das metas vinculadas ao Acordo de Paris. 

O documento denominado “Net Zero by 2050 – A Roadmap for the Global Energy Sector” menciona que as fontes nuclear e hidrelétrica, as principais fontes de energia limpa atuais, são base fundamental para a transição para uma economia global carbono zero.

Alerta o relatório que a contribuição da fonte nuclear varia de país a país, e que a há previsão de crescimento de 15% no uso dessa fonte de energia no período entre 2020 e 2030, principalmente em vista da expansão na China. Para o cenário de 2050, a previsão é de que o recurso a essa fonte praticamente duplique. 

Aponta-se, também, no documento, o aprimoramento das tecnologias nas plantas nucleares no sentido de propiciar maior segurança nas operações.

Mesmo não sendo uma unanimidade entre os especialistas, fato é que a União Europeia recentemente solicitou ao seu braço técnico – o Joint Research Centre (JRC) – a elaboração de um estudo sobre os impactos ambientais das atividades de energia nuclear, a fim de avaliar a sua inclusão, ou não, em sua Taxonomia Sustentável (Regulamento 2020/852).

O relatório do JRC concluiu que “As análises não revelaram nenhuma evidência de base científica de que a energia nuclear cause mais danos à saúde humana ou ao meio ambiente do que outras tecnologias de produção de eletricidade já incluídas na Taxonomia como atividades de apoio à mitigação das mudanças climáticas”.

Assim, a Comissão da União Europeia anunciou sua pretensão de incluir a energia nuclear em sua Taxonomia verde, estando no aguardo apenas da revisão do estudo do JRC, que completará a avaliação científica necessária para tal inclusão.

No Brasil, segundo os dados fornecidos pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a energia nuclear corresponde 2,5% da matriz energética do país. 

No início deste ano, o governo brasileiro sinalizou a intenção de aumentar a participação das fontes de energia nuclear na matriz energética, em certa medida movido pelo baixo nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas que abastecem o país. O anúncio da retomada das obras da usina Angra 3 vai nessa direção. 

A fim de construir o cenário propício para o avanço, o governo editou a Medida Provisória 1.049, de 14 de maio de 2021, que cria a ANSN (Autoridade Nacional de Segurança Nuclear) e altera, entre outras, a Lei 4.118/1962, que dispõe sobre a Política Nacional de Energia Nuclear.

A ANSN tem como finalidade institucional monitorar, regular e fiscalizar a segurança nuclear, a proteção radiológica e das atividades e instalações nucleares, e das fontes de radiação no território nacional, nos termos do disposto na Política Nuclear Brasileira e nas diretrizes do Governo federal.

Para a referida agência foram atribuídas inúmeras competências, todas no intuito de dar maior celeridade aos processos de licenciamento do setor e atribuir mais rigor para a fiscalização. 

Apesar de toda essa movimentação, reavivada pelo cenário internacional favorável e, também, pelas diretrizes para uso da energia termonuclear previstas no Plano Nacional de Energia 2050 (PNE 2050), que tem por objetivo o planejamento de longo prazo do setor energético do país, orientando tendências e balizando as alternativas de expansão desse segmento nas próximas décadas, questiona-se se toda essa movimentação terá força suficiente para remover os gargalos, especialmente os financeiros, que têm obstado o maior avanço dos projetos nucleares no Brasil. 

Por certo, caso se concretize a inclusão da energia nuclear na Taxonomia da União Europeia, a busca por investimentos perante o mercado internacional poderá ser alavancada, de forma a contribuir com o incremento de seu uso na matriz energética nacional. 

Todavia, “ações fundamentais na direção de padronização de projetos, redução de tempo de construção e avanço na curva de aprendizagem na construção de novos empreendimentos” tal como previsto no PNE 2050, serão imprescindíveis para o sucesso dessa empreitada.

*Ana Claudia La Plata de Mello Franco é sócia de Meio Ambiente do escritório Toledo Marchetti.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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