iNFRADebate: Subvenção ao transporte público – Felizmente, na Câmara, a montanha pariu um elefante! Como será no Senado?

José Augusto Valente*

Objeto e tramitação no Congresso Nacional

O PL 3.364/2020, ora em tramitação no Senado Federal, é a esperança dos gestores do transporte público – prefeituras, governos estaduais e do DF (Distrito Federal) – de evitar que os sistemas locais entrem em colapso, devido ao empobrecimento social, fruto da forte retração da economia,  combinado com a redução significativa de receitas devido aos protocolos sanitários, na flexibilização do isolamento social.

A tramitação desse PL (projeto de lei), com algumas idas e vindas, dava a entender que a montanha iria parir um rato, com muito barulho para pouco efeito. Entretanto, o resultado final da votação, na noite do dia 26 de agosto, mostrou que a montanha pariu não um rato, mas um elefante, e tentarei fundamentar essa avaliação, a seguir. 

Aspectos conceituais > transporte público como direito social

O transporte público nas cidades e nas regiões metropolitanas brasileiras ainda é algo que precisa evoluir muito para atingir os patamares já alcançados na Europa, que deve ser a nossa referência, apesar de alguns passos iniciais terem sido dados recentemente. 

Em 2012, a Lei 12.587/2012 definiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, visando a estimular e melhorar o transporte coletivo público nas cidades e desestimular a corrida pelo automóvel individual. 

Em 2015, o Congresso Nacional aprovou uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que inscreveu na Constituição Federal o transporte público como um direito social, ao lado de saúde, educação, trabalho e lazer, entre outros. 

Com isso, o Parlamento definiu que o transporte público, além de direito social, é um direito que ajuda a garantir os demais direitos importantes. No entanto, falta regulamentar como isso será feito.

O transporte público como direito social está contido no conceito da mobilidade urbana saudável – sanitária e ambientalmente –, sustentável e universal. Se quisermos ter uma ideia do modelo a ser seguido, basta olhar como transporte e mobilidade funcionam em países como França, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Holanda e Suécia, entre outros. 

O transporte público e a pandemia Covid-19

Infelizmente, no Brasil, com raras exceções, o transporte público e a mobilidade urbana não são considerados prioritários. Na grande maioria das cidades, ao contrário, o transporte público e a mobilidade urbana funcionam como negação de direitos da cidadania. É algo que transforma o cotidiano dos cidadãos num inferno. 

Mas, essa rotina se tornou pior. A partir e durante a pandemia da Covid-19, enquanto perdurar o isolamento social, flexibilizado ou não, teremos a seguinte situação: os protocolos sanitários exigirão que cada veículo coletivo transporte muito menos gente do que transportava anteriormente; será necessária uma redistribuição de horários de trabalho e de estudo para otimizar os fluxos dos veículos e reduzir as aglomerações nos terminais, nos pontos de parada de ônibus, bem como nas estações de trem e de metrô; por serem considerados mais seguros, do ponto de vista sanitário, ocorrerá um aumento do fluxo de veículos individuais como automóvel e motocicleta; e, não menos importante, o desemprego aumentará e a renda diminuirá, acarretando maior limitação de mobilidade utilizando o transporte público. Resumo da ópera, uma equação que não fecha: redução de receita e aumento dos custos dos operadores, especialmente no caso dos ônibus, podendo levar ao colapso do sistema.

Julgo importante destacar que o previsível colapso do transporte público, por causa da pandemia da Covid-19, atinge diretamente o serviço prestado aos cidadãos e somente de forma indireta as empresas. Estas estão devidamente resguardadas por contratos, por mais que discordemos do quanto são legítimos. Com o inconteste “fato de príncipe” (pandemia com isolamento social), as empresas teriam direito à promoção do equilíbrio dos contratos, normalmente, via aumento da tarifa. O que é impensável nesse quadro.

Desse modo, diante do colapso e da real possibilidade das empresas de ônibus desistirem da operação, por impossibilidade de gerar a receita necessária, é necessário e corretíssimo destinar recursos emergenciais para prefeituras e governos de estado, visando a garantir o serviço de transporte público, que é um direito social dos cidadãos, importante para a garantia dos demais direitos.

Definições importantes do PL 3.364/2020

O que diz o PL 3.364/2020, aprovado na Câmara e, agora, em tramitação no Senado?

Em primeiro lugar, reafirma o que está gravado na Constituição, mas não é cumprido em muitas cidades, especialmente as maiores: a gestão do transporte público é atribuição de prefeituras e governos de estado que, via permissão ou concessão, contratam empresas privadas para operar – mas não para gerir – o transporte coletivo por ônibus, trem ou metrô. 

O PL 3.364/2020 definiu que, do total de R$ 4 bilhões a serem repassados pela União, 30% (R$ 1,2 bilhão) ficarão com os estados e o Distrito Federal e 70% (R$ 2,8 bilhões) com os municípios. 

O rateio entre estados e DF será proporcional à população residente em regiões metropolitanas, regiões integradas de desenvolvimento ou aglomerações urbanas que incluam ao menos um município com mais de 200 mil habitantes, conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Tabela que integra o projeto detalha a divisão entre os municípios.

Caso algum estado não aceite promover o termo de adesão, os recursos que caberiam a ele serão redistribuídos aos demais. Se um município não aderir, os recursos ficarão com o respectivo estado.

No caso das empresas públicas ou de economia mista, o repasse será proporcional ao número de passageiros transportados em relação ao total transportado sob a gestão do município ou do estado.

As contrapartidas dos estados e municípios

No termo de adesão, deverão constar compromissos, como rever contratos de transporte até 31 de dezembro de 2021. O ente federado deverá ainda adotar instrumentos para priorizar o transporte coletivo e melhoria do trânsito, como a implantação e revitalização de faixas de pedestres, ciclovias e sinalização.

O operador do transporte coletivo deverá manter a quantidade de empregados igual ou maior que a existente em 31 de julho de 2020, até o fim do período do estado de calamidade pública em razão da Covid-19.

O texto determina que a revisão dos contratos de transporte público deverá tratar de aspectos como o aumento de receitas, a redução de custos, a otimização da rede de transportes e outros mecanismos para reequilibrar os contratos. Todas essas medidas devem somar o mesmo valor recebido do governo federal, exceto se isso for comprovadamente inviável.

A revisão contratual terá também de incentivar a adoção de bilhetagem eletrônica e outras melhorias tecnológicas; prever níveis mínimos de qualidade cujo desrespeito leve à perda do contrato; uso de sistema que permita a auditoria de bilhetagem e o monitoramento dos veículos por satélite (GPS); auditoria independente dos balanços a partir de 2021; e mecanismos que garantam a promoção da transparência, principalmente quanto à tarifa de remuneração da prestação do serviço.

Se não promover a revisão de contrato até 31 de dezembro de 2021, o ente federado estará sujeito à suspensão das transferências voluntárias de recursos pela União para ações nas áreas de transportes ou mobilidade urbana; e poderá ser impedido de obter aval da União para empréstimos relacionados ao setor ou mesmo empréstimos e financiamentos em bancos federais.

O novo contrato, depois de revisto, poderá ter vigência máxima de 15 anos, sem prorrogação. A exceção é para trens e metrôs, cujos contratos poderão ser prorrogados se a vigência dos atuais vencer em até dez anos, contados da publicação da futura lei, e se o novo prazo durar até 30 anos, contados também da publicação da lei.

O texto proíbe os entes federados que receberem recursos por meio da lei de aumentarem as tarifas do serviço de transporte coletivo público de passageiros, urbano ou semiurbano durante o estado de calamidade pública em razão da Covid-19. 

O termo de adesão também deverá conter os critérios para repartição dos recursos entre os operadores de transporte; as diretrizes para substituição gradual de combustíveis fósseis por renováveis; e a proibição de concessão de novas gratuidades nas tarifas sem a contraprestação do governo ou a permissão para o operador do serviço obter receitas acessórias a fim de não aumentar a tarifa dos usuários pagantes.

Prefeituras, governos estaduais e do DF terão que prestar contas ao TCU (Tribunal de Contas da União) e não aos tribunais de conta locais.

Empresas públicas e de economia mista

Além das empresas privadas, poderão receber recursos as empresas públicas ou de economia mista que realizem o transporte urbano de passageiros, como empresas de metrô. Após estados e municípios receberem os recursos, eles somente poderão ser transferidos às empresas de transporte coletivo em etapas, conforme o cumprimento dos requisitos do termo de adesão.

A necessidade de mais recursos até o fim da pandemia

O valor da subvenção permanece em R$ 4 bilhões, e penso que vai se mostrar insuficiente para garantir um transporte público eficaz. Infelizmente, diante do quadro de incerteza, é difícil estabelecer um valor mais apropriado. Mas muitos acreditam que o valor global, se incluirmos metrôs e trens, além dos ônibus, pode exigir muitos R$ 4 bilhões, no período de setembro de 2020 a dezembro de 2021.

Entender o PL 3.364/2020 como ponto de partida > transporte público como direito social

Como disse anteriormente, este PL 3.364/2020 é um bom ponto de partida para as prefeituras, estados e Distrito Federal caminharem na direção do que diz a Constituição Federal: que o transporte público é um direito social. E que ele não é apenas importante em si, mas também por se tratar de um direito que garante os demais direitos sociais como saúde, educação e moradia, entre outros já gravados na Carta Magna. 

*José Augusto Valente é especialista em logística e infraestrutura.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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