José Augusto Valente*
Não sabemos quando, mas é certo que em breve o país sairá da condição de isolamento social a que foi submetido para o bom combate à pandemia do coronavírus (Covid-19). Nesse momento, ficará claro que garantir o transporte público de qualidade e seguro é o novo grande desafio a ser enfrentado, pelos motivos expostos a seguir.
Assim como o isolamento social – todos em casa – foi um grande desafio, o retorno do ajuntamento social, para deslocamentos nas cidades e nos estados, exigirá medidas drásticas, que precisamos debater com a urgência requerida.
A declaração de pandemia da Covid-19 deverá perdurar até que haja a vacinação em massa de bilhões de pessoas em todos os países. Então, o pós-pandemia é algo ainda muito afastado da vida real. No entanto, a tática de isolamento social para combater os efeitos da pandemia começará a ser flexibilizada, em maior ou menor grau e, em alguns casos, em movimentos sucessivos de afrouxamento e endurecimento das regras, como já ocorre em vários países, mesmo nos que conseguiram conter o aumento da curva de propagação do contágio. É desse momento que estamos falando: o pós-isolamento social.
Os principais meios de transporte público – trens, metrôs, ônibus, BRTs, VLTs – funcionam, normalmente, concentrando pessoas, seja em horários de pico, seja em longos períodos diários. Os protocolos sanitários, para evitar a rápida propagação do contágio, exigirão que essa concentração seja mínima, por veículo e ao longo do dia. E ainda serão indicadas medidas rigorosas como uso de máscara e medição de temperatura dos usuários, entre outras.
Os protocolos sanitários, durante muitos meses ainda, exigirão menos passageiros nos veículos e mais veículos em circulação, o que elevará bastante o custo dos sistemas de transportes, que poderá dobrar ou triplicar.
Mas quem pagará essa conta?
Atualmente, os sistemas locais de transporte público são financiados pelos usuários, através da tarifa, e complementados por subsídios orçamentários das prefeituras ou dos governos estaduais, variando conforme o local.
A pandemia gerou, não se sabe até quando, constante perda de renda e de emprego para boa parte da população. O que significa que o financiamento do sistema de transporte público não terá a menor condição de ser financiado pelos usuários, por meio da tarifa. Muita gente não quer enxergar isso, mas parece tratar-se de um fato inquestionável.
De outro lado, as empresas privadas que operam o transporte público, não tendo receita para sustentar os serviços prestados com base nas tarifas, poderão gerar um movimento de pedido de intervenção das prefeituras e governos estaduais, devolvendo-lhes os atuais contratos, uma vez que o transporte público é atribuição municipal e estadual.
Tentemos imaginar a situação desses entes federativos tendo que assumir os custos do transporte público, sem poder aumentar as tarifas e os impostos, devido à quebradeira geral. Esse desafio exigirá um volume significativo de recursos que as prefeituras e governos estaduais não têm!
Se os usuários e, também, os entes públicos locais não terão como pagar essa conta, então quem terá?
Durante muitos meses do período pós-pandemia, não tenho dúvida de que somente a União terá condição de pagar essa conta, repassando muitos bilhões de reais para que estados e municípios possam bancar os custos operacionais dos sistemas locais de transporte público, incluindo eventual subvenção às tarifas.
Diante de um cenário provável de colapso dos sistemas de transportes públicos, a NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos) pede que seja considerada, inclusive, a possibilidade de subvenção para o transporte público, sem a qual os sistemas existentes não terão como sobreviver de hoje até o fim da pandemia, que poderá ocorrer somente daqui a dois ou três anos.
Que outra contribuição pode dar a União para mitigar essa situação?
Embora ainda não tenha sido colocada na mesa, penso que não estaria afastada a possibilidade de a Petrobras definir uma política especial de preço do óleo diesel, somente para o transporte público e durante o período pós-isolamento social, o que possibilitaria reduzir os custos e os respectivos valores necessários de subvenção. Redução de custos aliada à complementação da receita parece-me uma boa forma de resolver essa equação.
Então, estamos todos de acordo?
Desnecessário lembrar que a equipe econômica do governo federal é contra subvenção, redução de preço do diesel e quaisquer outras medidas tidas como heterodoxas.
No entanto, penso que a realidade nua e crua vai se impor e o país poderá ser levado a afrouxar o rigor fiscal, aumentar o teto de gastos e, inclusive, a imprimir moeda. Basta ver o que está sendo feito nos demais países da União Europeia e nos Estados Unidos.
E o futuro?
No período pós-pandemia, daqui a dois ou três anos, penso que haverá uma profunda reflexão sobre o papel das cidades e suas relações sociais, bem como – e principalmente – da mobilidade urbana. Possivelmente, haverá uma redução significativa de viagens a trabalho, com a consolidação do modelo “home office”, que já está tornando-se rotina diária para muita gente. As “lives” pela televisão ou internet poderão ter um espaço muito maior na vida das pessoas, especialmente da classe média, contribuindo para reduzir os deslocamentos para fins de shows, peças teatrais e cinema. Andar maiores extensões a pé ou utilizando bicicletas poderá aumentar de forma significativa, aumentando a mobilidade e contribuindo para a saúde dos cidadãos.
Mas isso já é assunto para desenvolver em um próximo artigo.