Marcelo Araújo*
Está amadurecendo na sociedade brasileira, no Congresso Nacional e no governo federal a discussão sobre a criação de um mercado brasileiro de carbono, regulado e/ou voluntário e tendo como base robusto sistema de registro de emissões, compatível com modelos de verificação internacionalmente aceitos. E já não é sem tempo. Se acreditamos que o Brasil tem um enorme potencial de criação de riqueza com a economia verde, precisamos sair da potência para a ação.
O porquê endereçar o tema agora tem uma resposta relativamente fácil: segundo a iniciativa Global Climate Change da NASA (National Aeronautics and Space Administration), em abril de 2023 foi registrado o maior nível de concentração de CO₂ da história, 421 ppm, aumento de 3,05 ppm em um ano, acelerando o ritmo de crescimento das emissões de gases de efeito estufa, que um ano antes havia sido 1,8 ppm. Ou seja, estamos na contramão dos esforços do Acordo de Paris e das COPs para reduzir as emissões até 2030 e atingir Net Zero em 2050.
Cita-se a recuperação econômica pós-pandemia, a crise energética consequência da guerra da Rússia-Ucrânia e a inflação elevada, entre algumas das causas prováveis desse aumento de emissões, mas o fato é que isso coloca em xeque a velocidade com que os países estão reagindo à emergência climática. Em resposta, novas iniciativas surgem mundo afora.
Com algumas variações, são três os mecanismos que as sociedades têm buscado para estimular a transição para uma economia de baixo carbono. Um mercado voluntário, onde empresas emissoras negociam créditos de carbono certificados, oriundos de projetos de remoção e/ou mitigação de emissões de gases de efeito estufa e dois modelos regulados: um na forma de impostos sobre Carbono (Carbon Tax) e outro via sistemas de permissões limites para emissões negociadas em mercado – ETS (Emission Trading Systems).
Os mercados voluntários ajudam muito e têm relevante papel na conscientização dos agentes, mas com impacto ainda restrito se comparado ao mercado regulado e de difícil compatibilização de metodologias de mensuração em escala global. Estima-se que em 2021 tenham sido negociados US$ 2 bilhões em créditos de carbono, correspondentes a cerca de 500 MtCO2e (milhões de toneladas de CO₂ equivalentes), portanto, a um preço médio próximo de US$ 4/tCO2e (Ecossystem Marketplace). Uma característica interessante dos mercados voluntários é a de permitir transações internacionais, que já representam 30% do total de créditos negociados.
Por outro lado, segundo recente relatório do Banco Mundial, States and trends of carbon princing 2023, já existem 73 mecanismos regulados de precificação, que juntos acumularam US$ 95 bilhões em receitas, em regiões que cobrem 23% das emissões globais, mas ainda majoritariamente nos países mais ricos. O maior desses mecanismos, o EU ETS da União Europeia, negociou US$ 31 bilhões em 2021 (European Environment Agency) dos quais US$ 25 bilhões foram direto aos Estados membros que devem usar pelo menos 50% das receitas dos leilões em estratégias de mitigação de GEE. Em 2022 pela primeira vez atingiu o patamar de US$ 100/tCO₂, refletindo maiores obrigações impostas às empresas e a ainda escassa oferta de créditos. Nos demais mercados, o preço do carbono girou entre US$ 5 e 55/MtCO2e, segundo o think tank Carbon Credits.
O Brasil tem práticas voluntárias de emissões de crédito que vêm crescendo bastante e teriam representado 12% da oferta global de créditos de carbono em 2021, incentivando principalmente projetos de energia renovável, florestais e de gestão de resíduos. Temos também o programa de descarbonização de combustíveis, Renovabio, que desde sua criação, estima-se já transacionou mais de R$ 5 bilhões em CBios. Este, ainda que com potenciais aperfeiçoamentos necessários, tem se mostrado uma iniciativa válida no estímulo do aumento dos biocombustíveis na matriz de transportes do país, hoje a mais limpa do mundo.
Mas se quisermos aumentar nossas chances de cumprir o compromisso de redução de 50% das emissões até 2030 (tomando como base 2005) que assumimos internacionalmente no Acordo de Paris e que foi atualizado no início de 2022 com a nova Contribuição Nacional Determinada (NDC, na sigla em inglês) publicada após a COP26, precisamos avançar rápido. O melhor caminho parece ser a construção de um robusto sistema de registro de emissões servindo de base para um mercado regulado no modelo ETS, contemplando ainda, por fungibilidade, créditos emitidos e negociados de forma voluntária.
Em 2009, a Lei 12.187 instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima. Desde então diversas iniciativas legislativas e executivas vem discutindo o tema. Em 2020, o projeto PMR Brasil (Partnership for Market Readiness), do Ministério da Fazenda com apoio do Banco Mundial, concluiu pela recomendação da criação de um sistema brasileiro de comércio de emissões, modelo apoiado também por entidades empresariais como o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) e outras organizações ligadas ao IEC (Iniciativa Empresarial em Clima).
Superado o desafio da construção e governança de um sistema de registro das emissões e a adoção de um modelo de certificação/verificação de créditos de carbono comercializáveis local e internacionalmente, as etapas seguintes, e de grande complexidade política em todo modelo regulado nos moldes ETS, serão o de equilibrar a abrangência, ou seja, quais setores da economia seriam incluídos, e a intensidade da curva de redução de emissões para cada setor no tempo.
Segundo o SEEG (Serviço de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), promovido pelo Observatório do Clima e que reúne 77 organizações da sociedade civil, a mudança no uso da terra e florestas, que inclui o desmatamento, é o nosso grande calcanhar de Aquiles. Mas temos muitas oportunidades em todos os demais setores, assim quanto maior for a abrangência do mercado regulado, mais justo e menor será o risco de metas demasiadamente agressivas impactarem a competitividade de setores específicos, em especial os exportadores, como o agronegócio ou minerais.
Emissões Totais (CO2e (t) GWP-AR5) – Brasil
Fica claro que se conseguirmos zerar o desmatamento até 2030, outro compromisso assumido pelo Brasil na COP27, o ônus sobre os demais setores da economia será muito menor, reduzindo o custo da transição para o país. Por isso, é fundamental que o processo de construção das metas seja amplamente debatido com participação ativa dos setores.
Por fim, a maior integração possível com o mercado voluntário e outros mecanismos de precificação ou descarbonização, como o próprio Renovabio, evitando dupla oneração em setores específicos, e um modelo de governança transparente e robusto serão fatores críticos para dar ao Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões a liquidez e credibilidade necessárias para nos tornarmos referência e a potência verde que sonhamos.
O potencial é gigantesco: podemos suprir até 28% da demanda global do mercado regulado e 48,7% do mercado voluntário até 2030, obtendo até US$ 120 bilhões em receitas considerando um cenário otimista de US$ 100 por tonelada de CO₂, segundo projeção Way Carbon para ICC Brasil. A bola está conosco. Governo, Congresso e sociedade civil já estão prontos para entrar em campo. A torcida é toda a favor. Vamos entrar para ganhar.